Reflexão do Evangelho

Quando a vida e a esperança se encontram no passado e no presente (Lucas 9,28-36)

Jacinta Chaves

Izaías Torquato

 

Encontrar-se com as pessoas, oportunizar diálogos com o passado, ouvir a tradição, não qualquer tradição, mas aquela da história de nossas vidas, das nossas raízes, de quem nos trouxe ao presente, numa montanha para se viver o fenômeno, o extraordinário, fazendo-nos reconhecer que ainda há o belo, o prazeroso, o satisfatório que dá até vontade de parar no tempo, sem desejar sair daquele lugar, daquele instante, oportunizando até o escape – bem comum a nossa humanidade –, de não querer enfrentar as realidades tão cruéis que perpassam nossos corpos e mentes, toda natureza com dores, ameaças e medos. “Vamos ficar aqui Jesus! Está tão bom que não precisamos voltar à realidade, não precisamos descer a montanha. Aqui, nesse espaço-tempo, o papo tá bom, está entre pessoas amigas”.

Quando li esse texto lembrei dos bons encontros de pessoas amigas nos lugares comuns, como igrejas, bares, restaurantes, praças públicas, do encontro com o sorriso nos olhos, do barulho das vozes se entremeando, as pessoas falando ao mesmo tempo, um reencontro de esperança, surpresas, expectativas boas, de alteridade, de descanso porque foi preciso subir ao monte para poder encontrar pessoas amigas. Aliás, no Evangelho duas palavras se cruzam após a citação dos nomes das personagens dessa história, os mais espiritualistas ou místicos, poderiam chamá-los de personagens coadjuvantes ou em segundo plano, que sejam: Pedro, João e Tiago. Ai o texto diz assim: “Pedro e os companheiros dormiam profundamente”. Quando se está com o corpo cansado não precisa de um lugar seguro, protegido para descansar. O cansaço se encarrega de fazer o chão macio. Mas o que garante mesmo tranquilidade é a companhia, a amizade, o companheirismo, a trajetória, a subida ao monte. Subir ao monte talvez tenha requerido dar as mãos, indicar as pedras, escorregar, deitar e descansar juntos.

De imediato quando se lê esse texto o fenômeno externo se destaca em detrimento do que seja possível estar passando pela mente desses companheiros de Jesus. Por dentro da mente, além de cansaço e sono, medo, fome, angústia, dúvida, insegurança. Segundo a comunidade lucana, com a narrativa na introdução do texto, existia um clima litúrgico, sobrenatural, que pessoas espíritas chamam de manifestação mediúnica; as crentes evangélicas, de manifestação pentecostal com base nos dons de revelação; as comunidades de terreiros, podem chamar de ancestralidades. Já as primeiras comunidades, identificam a tradição e a profecia. Dois fortes pilares da fé herdada dos povos semitas. Mas o cenário está aí, revelando a estética externa, teatral e litúrgica: Primeiro, o rosto de Jesus muda de aparência, as roupas alvas, embranquecidas, translúcidas e que ao mesmo tempo continha luz própria, em si e a partir de si transferindo a presença do céu, como um corpo místico, sobrenatural, até mesmo desumano, ou melhor, que negue a humanidade e afirme uma possível divindade a partir do fenômeno nada comum: um jovem com seu corpo transformado e a presença de duas personagens antigas e experientes que fazem parte da história e que chegam para afirmar a veracidade: Sim, Jesus é imagem e semelhança de Deus, Emanuel, Divindade entre nós. E eis que surge o fenômeno da aparição, como milagre que vem para afirmar que algo, alguma coisa ou alguma pessoa é de fato encarnação divina. Eis aí: Elias, Moisés e Jesus. Depois, uma tenda de proteção e de manifestação do sagrado. Nada mais esteticamente agradável. E ao mesmo tempo a negação das realidades de luta do povo e da gente lá embaixo, aos pés da montanha, nas ruas, nos vales, à beira do caminho, como tão bem narram os Evangelhos a partir dos vários encontros de Jesus com as pessoas empobrecidas, marginalizadas e adoecidas pelas faltas de direitos.

Se observarmos com cuidado temos dois possíveis grupos: o grupo do sobrenatural, da transcendência mística e o grupo da humanidade, das incertezas e que facilmente se submete a toda mudança que apazigue as dores e os sofrimentos das realidades: Descer a montanha pra que? Pra sofrer? Vamos ficar por aqui mesmo, é melhor!

Pois não é que há uma facilidade humana muito grande de quando se fortalece o externo, o teatral, o ritualístico, a tendência é negar as realidades humanas? Já se sabe que as mídias sociais – ou os perfis que nos expõe em redes –, quase faz as vezes da ilusão do que seja perfeito, sendo tudo lindo, rico, abastado de alegria e manutenção de aparências. Tanto é assim que as pessoas não querem sair desses ambientes virtuais para vivenciar como a vida realmente se apresenta. A vida sem filtro, sem maquiagem, sem roupas brancas demais, para afirmar santidade, sem luzes, sem tenda que proteja do calor do sol e da chuva. Descer a montanha pra que? Pra sofrer? Vamos ficar por aqui mesmo, é melhor! Vamos fazer um puxadinho religioso e permanecer aqui na transcendência.

Depois tudo some, o sobrenatural deixa de existir para fazer parte ou se apresentar o cotidiano, o ordinário da vida: medo, delírio, ameaças e tristezas.

Certa vez um amigo me falou que, melhor do que encontrar respostas, é poder fazer perguntas. Perguntas que não necessariamente tem que haver uma resposta única ou unificada. Algumas me vieram à mente: 1. Seria muito perguntar onde estavam as mulheres que não são incluídas nessa narrativa bíblica? 2. Só o sobrenatural é capaz de afirmar a divindade de Jesus, ou sua humanidade seria suficiente? A gente diz que para “descer uma ladeira todo santo ajuda”, mas como estava o coração de Jesus ao descer a montanha? E depois: os encontros que se desenvolveram após essa experiência mítica e sobrenatural que tentava equalizar a tradição, a profecia, o divino e a humanidade de Jesus, aproxima mais ele da gente?

Depois desse bloco de perguntas que pulavam aos meus olhos após a leitura do Evangelho do domingo vamos viver o que as personagens humanas do texto apresentam: quando a voz falou, Jesus ficou sozinho e os discípulos calados.

 E agora, após descer a montanha, os encontros entre Jesus e as pessoas que estavam em condição de dor e sofrimento na vida, no vale da existência, em decorrência das causas e das circunstâncias, propiciou curas, restauração e sentido na vida para muitas pessoas empobrecidas e marginalizadas.

 Não precisamos dar respostas prontas nem apresentar chavões religiosos e litúrgicos para dizer que o mais extraordinário se manifesta no cotidiano e no ordinário da vida, nos reencontros e memórias que realizamos com nosso passado, com nossas ancestralidades. E nos encontros com as pessoas em nosso dia a dia. Aliás, quem não sentiu falta de um abraço, de um carinho, de expressão de afeto nesses últimos anos de pandemia?

Psicóloga Social e Clínica. Mestranda em Psicologia pela PUC Goiás.
Pároco da Paróquia Anglicana São Felipe (Goiânia-GO), Teólogo, Cientista da Religião.

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