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Venham vocês, que são abençoados por meu Pai (Mt 25,31-40) – Ildo Bohn Gass

Venham vocês

O texto da liturgia deste domingo é a parte final do último dos cinco discursos de Jesus no Evangelho segundo Mateus (Mateus 5-7; 10; 13,1-52; 18; 24-25). Esses últimos dois capítulos são conhecidos como o discurso escatológico, isto é, a reflexão voltada para as últimas coisas, sobre a intervenção de Deus na história com a parusia (vinda, presença) gloriosa do Filho do Homem. Como se esperava na mentalidade fortemente apocalíptica, essa chegada seria para breve.

O pano de fundo para essa forma de pensar é a violenta guerra do império romano contra o povo judeu nos anos 66 a 70 d.C. De modo especial, precisamos ter presente o ano 70 d.C., quando o general Tito destruiu Jerusalém e arrasou o templo. Nesse sentido, essa tragédia entendida como julgamento de Deus sobre Israel é como que uma antecipação do que haveria de acontecer por ocasião da parusia definitiva, da vinda final do Reino de Deus, momento em que todos os povos seriam julgados.

Na segunda metade desse discurso, temos as parábolas a respeito da vigilância permanente diante da iminente possibilidade da vinda do Filho do Homem (Mateus 24,43-25,30), bem como a parábola do juízo final (Mateus 25,31-46).

Essa parábola apresenta o Jesus glorioso como rei que julga as nações (Mateus 25,32). Esse julgamento não será somente no final dos tempos, mas já começou com a vinda de Jesus de Nazaré. Seu jeito de ser rei (Mateus 25,34) é diferente do modo de o imperador ou Herodes governarem através da opressão e da violência. Na prática do Reino de Deus, os critérios éticos centrais que orientam o comportamento das pessoas são o amor (Mateus 22,37-39), a justiça, a misericórdia e a fidelidade ao projeto do Pai (Mateus 23,23). Esse também foi o centro da prática profética no antigo Israel (cf. Isaías 58,6-10; Oséias 6,6).

Os frutos concretos desse amor e dessa justiça são obras de misericórdia palpáveis, bem visíveis. Eu estava com fome, e me destes de comer; eu estava com sede, e me destes de beber; eu era forasteiro, e me recebestes em casa; estava nu, e me vestistes; doente, e cuidastes de mim; na prisão e fostes visitar-me (Mateus 25,35-36). Jesus não perguntará a que nação pertencemos, ou qual a tradição religiosa que confessamos. O que importa é que devemos cumprir toda justiça (Mateus 3,15) em relação aos mais pequeninos, que são os irmãos de Jesus (Mateus 25,40). Eles mesmos são o ponto alto da encarnação de Deus, pois ser misericordioso com eles é ser solidário com o próprio Jesus (Mateus 25,40). Quando esta é a prática da comunidade, então ela também é Jesus encarnado, é o corpo do Cristo, pois o agir dela é semelhante ao agir de Deus (cf . Primeira Carta aos Coríntios 12,12-27). E a essência do agir divino, do projeto de Jesus, é a partilha do pão, da água, da casa, da roupa, da saúde e da liberdade, isto é, das necessidades fundamentais para ter vida cidadã. É nisso que consiste ser justo.

Mas não podemos olhar de forma ingênua e isolada para esta parábola, limitando-nos ao assistencialismo. Certamente também é urgente ajudar logo a quem precisa. No entanto, é necessário enxergar mais longe e, com Jesus, superar a tentação de somente transformar pedras em pão (Mateus 4,3). É indispensável buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo (Mateus 6,33).

No Pai Nosso, Jesus manifestou o desejo do Pai de que já na terra vivamos como será no céu (Mateus 6,10). Por isso, é tão importante para Deus, de um lado, ver todas as suas criaturas presentes no céu, e de outro, ver um mundo em que a justiça do seu Reino não permita que haja uma única pessoa que passe fome e sede, seja forasteira, esteja nua, ou abandonada enquanto doente ou na prisão.

Por fim, convém lembrar algo incomum presente nestes critérios éticos que nos colocam ou excluem do caminho do Reino. Excluir-se do projeto do Pai não é por questões moralistas, muitas vezes fruto de preconceitos discriminatórios. No entanto, a exclusão se dá por não partilhar. Acomodar-se, não fazer nada, é tornar-se cúmplice, é contribuir com a situação de fome, de sede, de falta de vestimentas e de casas. É colaborar com a situação precária da saúde pública e da falta de liberdade plena para todas as pessoas. Portanto, negar-se a partilhar é ter parte de responsabilidade na situação atual dos pobres, que estão à margem dos direitos fundamentais à vida, à dignidade.

 

Ildo Bohn Gass é biblista do Centro de Estudos Bíblicos

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