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O protagonismo da criança presente

Confira a reflexão do evangelho para o próximo domingo, dia 29 de julho. O texto fala sobre João 6,1-15, e pertence à Regene Lamb.

Boa leitura!

Convido a olhar o texto de João 6,1-15 na perspectiva do protagonismo da criança presente. Tomo como ponto de partida a interação entre tempo, lugar e personagens.

a) As referências ao tempo:

O v.1 inicia mencionando o tempo no qual o fato descrito se passa. É um tempo “depois” que vem marcado e definido por aquilo que aconteceu anteriormente, ou seja, pelos sinais que Jesus realizava com os doentes: Jo 4.46-54 – a cura do filho de um funcionário real, um menino (v.49) cujo pai intercede por ele; e Jo 5.1-15 – a cura de um homem que estivera doente por trinta e oito anos e está sozinho, sem ninguém que o ajude (v.7).

O v. 4 traz outra referência ao tempo de Festa da Páscoa. Uma informação solta, que precisa ser analisada no contexto maior do Evangelho de João. A Páscoa é a festa comemorada para lembrar o Êxodo, a saída da terra da escravidão, o acontecimento mais importante da história do povo que narra suas experiências nos textos bíblicos. Também a observação do v.10: “pois havia naquele lugar muita grama”, é um indicativo para a estação do ano, a primavera, quando a grama é  perceptível. Porém, além do aspecto temporal, consideramos esta informação importante do ponto de vista do cenário, do lugar onde os acontecimentos são vivenciados. Também o v.12 inicia com uma conjunção temporal: “quando ficaram satisfeitos” dando destaque para o tempo transcorrido entre a partilha e a saciedade das pessoas participantes. Não foi preciso comer com pressa e ninguém saiu com fome.

b) O lugar:

Jesus atravessou o mar da Galileia, que é o de Tiberíades (v.1b). Jesus passara por Jerusalém (capítulo 5) e agora está de volta ao lugar onde a realidade de doença e carência mobiliza a multidão, pois esta o segue.  Jesus retira-se para o monte e senta-se com seus discípulos (v.3). O monte aponta sempre para a busca de um distanciamento, mas aqui não se torna possível porque a multidão segue Jesus e não recua diante do monte. Naquele lugar havia muita grama (v.10) que é indicada como possibilidade para que o povo pudesse “tomar lugar”.  Na linguagem dos Evangelhos, o verbo “tomar lugar” ocorre em Mt 15.35; Mc 6.40; Mc 8.6; (narrativas paralelas a João 6.1-5) e em Lc 11.37; 17.7; 22.14; Jo 6.10; 13.12. Refere-se sempre ao ocupar lugar em uma mesa, reclinar-se à mesa; em Lc 14.10 se refere ao lugar ocupado por alguém em uma festa e em Jo 13.25 e 21.20 ao reclinar-se sobre o peito de Jesus. Predominam os usos deste verbo para indicar mais do que um simples sentar, pois indica explicitamente o ato de tomar um lugar para participar de uma refeição.

c) As pessoas que interagem na narrativa:

Jesus é claramente aquele em torno do qual tudo gravita. Há uma multidão que o seguia. No v.5 fica claro que Jesus está acompanhado por seus discípulos a quem ele se dirige. Nominalmente são mencionados, Felipe e André, irmãos de Simão Pedro. No v.9 uma criança é mencionada e logo depois no v.10 é dito que os homens eram cinco mil. No caso, não é dito que mulheres e crianças não são contadas, como se diz explicitamente no Evangelho de Mateus em 14.21 e 15.38, porém, fica claro que elas deixam de ser contabilizadas por usar o termo andrés (varões) ao falar dos cinco mil que tomaram lugar. Anteriormente foi falado sobre a criança, portanto ela estava lá e interage com os discípulos e certamente também com Jesus.O termo utilizado em João 6.9 para referir-se ao menino é paidarion. Há alguns comentários exegéticos que traduzem este termo como rapaz ou escravo. Porém, predominantemente é preferida a utilização da palavra “menino”.

O dicionário do Novo Testamento de Walter Bauer traz como primeiro significado: “menininho, o menino, a criança, também do sexo feminino”. Considerando os diversos estudos sobre os termos usados para falar de crianças na Bíblia, pode-se apenas afirmar, pelo menos como uma possibilidade bastante provável, que o termo paidarion de João 6.9 se refere a uma criança, escrava ou livre, menino ou menina, legalmente ainda sob a tutela de um adulto. Considerando que paidarion é um diminutivo, a tradução mais próxima é: menino ou menina e por isto optamos em falar sempre em criança.Esta criança é apresentada como paradigma e como quem tem os meios para fazer acontecer a partilha. Ela não fala, não faz perguntas, não contesta, apenas disponibiliza os recursos e os meios de partilha. A memória de sua ação chega ate nós apenas pela sua presença física, seu corpo que não pode ser invisibilizado, ignorado. No contexto do Evangelho de João é uma presença incômoda porque este é um Evangelho diferente dos sinóticos, que trazem muito mais narrativas sobre crianças.

Esta menção basta para nos perguntar sobre a maneira como percebemos as crianças em nosso meio.A busca de uma hermenêutica na perspectiva das crianças nos incomoda porque exige que nós mesmos nos deixemos perguntar como nós nos percebemos em relação a elas. Não podemos dizer como as vemos e percebemos sem revelar nossos próprios conceitos e percepções. A criança tem em suas mãos pães e peixes. Jesus recebe esses alimentos e são mencionados cinco mil homens para comê-los. Mulheres e crianças não contam, mas esse menino denuncia a presença de crianças em meio à multidão.

Na construção desta narrativa, também Jesus não é descrito como alguém que dá atenção ou valoriza a criança. Ele apenas faz uso do que a criança tem para fazer os sinais e fazer a multidão reconhecer nele o profeta que viria ao mundo. Porém, ao não ignorar aquilo que a criança tem, como a observação do discípulo insinua, Jesus valoriza a sua presença. E isto acontece explicitamente em outras narrativas no próprio Evangelho de João: “Quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus. Precisa tornar a ver como criança” (3.3-7).

Em situação de carência, com a presença de Jesus é anunciada a vida em abundância. A presença da criança é percebida pelo que ela oferece para partilhar, mas o protagonista da oferta é André, um dos discípulos de Jesus. A partilha em João 6 acontece a partir daquilo que a comunidade tem a disposição e não daquilo que é uma concessão por alguém de fora. E, nesse caso, são cinco pães de cevada e dois peixes secos, que estão em posse de uma criança. A relação que se estabelece é de uma economia solidária.

É Rubem Alves quem chama a nossa atenção para este aspecto específico no Evangelho de João, de ver o Reino de Deus. Conforme este autor, “são as crianças que veem as coisas – porque elas as veem sempre pela primeira vez com espanto, com assombro de que elas sejam do jeito que são. Os adultos, de tanto vê-las, já não as veem mais. As coisas – as mais maravilhosas – ficam banais.” Os adultos pensam que o maior e o mais caro são o melhor. Pensam que a alegria e os deuses vêm empacotados em embrulhos grandes. Por exemplo: quando falam em Deus, pensam logo numa coisa grande, muito grande, terrível, do tamanho do universo, e ficam falando em coisa que o pensamento não entende, como tempo de bilhões e anos e distâncias de anos luz. Não sabem que a alegria, o maravilhoso, o divino estão ali pertinho, ao alcance da mão.

Divina é uma gota de orvalho, uma amora roxa, uma cambalhota de tiziu, um raio de sol numa teia de aranha, a cor de uma joaninha, um bombom, uma bolinha de gude, um amigo, uma acertada de bilboquê: coisas pequenas, sem preço. Como você. Você é pequenininha e, ao preço de mercado, não deve valer muito. Mas você é mais maravilhosa que o universo inteiro. Porque você tem o poder de dar alegria e de sentir alegria. O universo não tem. Deus é alegria. Uma criança é alegria. Deus e uma criança têm isso em comum: ambos sabem que o universo é uma caixa de brinquedos.Deus vê o mundo com olhos de criança. Está sempre à procura de companheiros para brincar.

Esta é uma perspectiva diferenciada em relação às crianças. Interpela para perceber as crianças como aquelas que tem algo a nos ensinar, a mostrar possibilidades também lá onde, como adultos, já não as vemos. Convida para olhar com curiosidade, admiração, vontade de descobrir novidades, buscar a superação daquilo que causa tristeza, dor, angústia e morte. Convida para questionar a lógica que vê a solução no dinheiro e na compra que predomina no sistema do mundo das pessoas adultas Esta perspectiva da importância do ver como uma capacidade ímpar das crianças nos levou a perceber a importância do verbo ver em João 6.1-15. Em João 6.5 Jesus vê a multidão que vem até ele, e este ver o faz perguntar. O povo quer ver sinais e Jesus vê a multidão. André, o discípulo, vê a criança com os pães e os peixes, mas não percebe nele a solução. Somente o olhar e a ação de Jesus trazem a solução. E a multidão vê o sinal, mas ainda não percebe a projeto maior vinculado a ele: quer proclamá-lo rei, assim ele precisa retirar-se sozinho para o monte (6.15).

Podemos ignorar a presença da criança e o fato de ser ela quem tem os alimentos e os dispõe para a partilha. Mas, podemos também nos deixar seduzir e brincar com a possibilidade de ela trazer a proposta da disponibilização daquilo que cada qual traz e tem. Como criança estava entre a multidão que seguiu Jesus, o ouviu e tinha algo a partilhar. Para chegar até o mestre, sua oferta vem intermediada por um adulto. Mas, na redação do texto a sua presença não foi ignorada, mesmo não sendo contabilizada, conforme os outros relatos enfatizam. No seu silencio fala e deixa um sinal. Na construção das narrativas dos outros Evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) esta presença silenciosa foi ignorada, não é mencionada, mesmo que não totalmente, porque as crianças estão com as mulheres entre os que não contam. Ao dizer que não contam, faz-se lembrar da sua presença e possibilita a pergunta pelas relações estabelecidas entre elas e os adultos presentes.

Na narrativa do Evangelho de João a preocupação com a fome da multidão reunida é de Jesus (v.5). A lógica na qual os discípulos se movem é a da compra. “Onde compraremos pães para que comam?” A resposta dada por Filipe, não é resposta para a pergunta feita. Ela reflete a necessidade de uma grande quantia de dinheiro para comprar o pão necessário. E, mesmo assim, nesta lógica este não seria o suficiente. Só a aceitação de uma oferta gratuita e a partilha fazem sobrar e possibilitam guardar, para que nada se perca.

Referências:
ALVES, Rubem. Coisas que dão alegria. São Paulo:Paulus, 2001.
NOGUEIRA, Paulo, A ceia do Senhor e os banquetes do povo: questões sobre a relação do cristianismo primitivo com práticas festivas populares. Estudos de Religião, Ano XIX, n.28, São Bernardo do Campo jan/jun 2005.
STRÖHER, Marga J. É preciso que haja pão! Ecologias de partilha e cuidado com as sobras: um estudo a partir de Jo 6.1-15. In: Estudos Teológicos. ano 46, n.1, p.110-121, São Leopodo: Sinodal, 2005.

Para mais detalhes, conheça o livro da autora publicado pelo CEBI que é fruto da dissertação de mestrado de Regene, Criança é presente.

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