Como todo ano, em fins de janeiro, executivos das grandes corporações econômicas e financeiras – 50 delas com movimento financeiro individual maior do que o PIB nacional de uma centena de países –, dos grandes grupos de mídia, governantes e ministros dos países das maiores economias se reunem no Fórum Econômico Mundial, em Davos, nos Alpes da Suíça.
Mais do que as mesas de debates, as conferências e as reuniões paralelas, no Fórum de Davos se destaca o lado celebração de um capitalismo globalizado que se sente, e é de fato, senhor absoluto do mundo. É significativo que o Fórum se realize nas montanhas geladas da Suíça – país dos sigilos e das contas secretas de sonegadores e corruptos do mundo –, longe de grandes cidades e dos distúrbios provocados pela cidadania vigilante.
Foi exatamente nas montanhas suíças que a Société Saint Pelerin, no pós II Grande Guerra, composta por intelectuais e executivos da direita fascista derrotada, formulou o projeto, hoje hegemônico, do neoliberalismo contra a social democracia e o socialismo.
Sei que protestar não muda essencialmente um quadro adverso que se vive no mundo atualmente. Mas o protesto é um sinal de vida, de cidadania. A arrogância que exala o Fórum de Davos não dá para sentir calado. Claro que a nascente cidadania de dimensões planetárias já tentou se contrapor de forma bem consistente a Davos, criando o Fórum Social Mundial, que surgiu em Porto Alegre, em 2001. Pegou de surpresa muita gente e, sobretudo, desmascarou o Fórum dos donos do mundo. O Fórum Social Mundial se expandiu rapidamente e criou esperanças de outro mundo possível.
Quando veio a grande crise, provocada pelo que no Fórum Social Mundial caracterizávamos como “cassino global”, parecia que era o fim da era neoliberal. Foi em tal contexto que, no Fórum Social Mundial de 2009, em Belém do Pará, começamos a discutir seriamente a crise de civilização e a necessidade de novos paradigmas. Bem, avaliamos mal o grande poder dos donos do mundo. Não só eles saíram da crise por eles mesmos provocada, socializando a conta de ajuste e recuperação de bancos, como subordinaram ainda mais os governos aos seus ditames, impondo políticas recessivas e de desmonte de direitos conquistados. Pegos pela crise, nós mesmos, cidadania organizada tentando se articular de forma planetária, nos fragmentamos e passamos a ter dificuldades para ações de envergadura.
Pessoalmente, como dirigente do Ibase, ativista e analista, sempre protestei contra Davos e, particularmente, desaprovei a participação de presidentes ou de importantes ministros do Brasil. Protestei e falei publicamente contra a participação de Lula, depois de Dilma e agora do ministro Levy e do presidente do Banco Central, Trombini. Por que tal subserviência aos donos do mundo? Será que eles irão especular menos sobre a nossa economia? Ou, o que é pior, participa-se do Fórum de Davos para receber orientações sobre o que fazer com a gente do Brasil? Francamente, é demais! Além da adoção de políticas que se dizem adequadas ao mercado, agora temos que prestar reverências ao senhores do mercado e mostrar o quanto bonzinhos somos. Onde chegamos!
Bem, é só um protesto, um exercício de prática da liberdade cidadã de protestar. Que seja só isto, hoje. O fato é que, como diz o ditado, água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Convido a todas e todos que se sentem incomodadas/os que juntemos nossas gotas de protesto, formemos um rio da cidadania e abramos trincheiras de resistência. Por pior que seja o momento que estamos passando, lembremos que dias melhores poderão brilhar se não desistirmos.
Gostaria de acabar esta minha crônica de indignado lembrando que os tais mercados, mais do que a sua origem de encontro, trocas e informação em praça pública – berço da democracia –, aprisionados pelo capitalismo se tornaram a prática da lei da selva onde vence o mais forte, o mais competitivo. Mercado é o oposto de solidariedade, de cuidado, de compartimento, de convivência. Mercado hoje é tipo uma luta livre, sem nenhuma regra, nenhuma regulação pública, de golpes baixos. Por isto, os donos do mundo por trás dos tais mercados detestam os Estados e os governos democráticos que se pautam por direitos, que regulam as economias em nome de direitos e não de negócios, que ousam pensar em gente. Davos é o templo da veneração dos mercados, ou melhor, dos que sabem ganhar muito dinheiro especulando sobre a vida, a natureza e as economias. Não consigo engolir isto e vou continuar protestando. Ao menos ajudo a democracia a não morrer sufocada pelos mercados.
Por : Cândido Grzybowski (sociólogo e diretor do Ibase)