Notícias

Em tempos de democracia iliberal, a proposta é aprofundar e radicalizar a democracia

entrevista especial com Tatiana Roque via IHU Online*

De um lado, o Governo de Jair Bolsonaro prega, através do Future-se, a emergência de qualificar e tornar mais produtivo o trabalho de ensino e pesquisa nas universidades públicas. De outro, insufla um negacionismo do caos climático, enquanto fazendas avançam sobre áreas de mata e agrotóxicos passam a ser mais liberados do que nunca. Para a professora Tatiana Roque, tudo isso são faces de uma mesma moeda e revelam uma intenção muito clara do Governo Bolsonaro. “Este governo não tem nenhum projeto para a universidade pública e para a pesquisa científica”, dispara. E segue: “a ala mais bolsonarista do governo tem uma agenda ideológica que identifica a universidade à esquerda e incentiva, com esse discurso, uma perseguição à comunidade universitária. Já a ala ultraliberal tem a única agenda de diminuir o financiamento público”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Tatiana explica que “desvalorizar a universidade e a pesquisa básica, menosprezar intelectuais e cientistas, é um modo eficiente de desqualificar as verdades científicas”. E, por isso, assegura que “não é coincidência que isso ocorra no exato momento em que o negacionismo climático ganha espaço no governo, em que ministros de Estado buscam desmoralizar o consenso em torno do colapso climático”. Ou seja, enquanto se destituem esses saberes científicos, vai-se, ao mesmo tempo, justificando os avanços de lógicas produtivistas muito mais predatórias. “A universidade e a pesquisa científica devem ser atores centrais na proposição de um novo modelo de desenvolvimento, mais tecnológico e sustentável. Para isso, é necessário investir em inovação e em relação com empresas, como nos parques tecnológicos que existem em várias universidades. Isso não tem nada a ver com privatização”, destaca, ao pontuar que o Future-se vai em sentido contrário.

Segundo a professora, todos esses movimentos podem ser compreendidos como uma espécie de corrosão que vai se dando na democracia. É o que compreende como a prática da democracia iliberal. “Não é a instalação de uma ditadura, mas a fragilização do sistema de pesos e contrapesos da democracia. Há uma exacerbação do poder majoritário, em que as minorias ficam impedidas de se expressar, de se organizar e de voltar ao poder”, explica. E acrescenta que “o fenômeno do fim dos intermediários tem a ver com isso, pois as instituições independentes de governos têm um papel no funcionamento da democracia”. Por isso, sugere: “a esquerda e o campo progressista precisam responder a essa insatisfação com propostas para termos mais democracia, para se aprofundar e radicalizar a democracia”.

Tatiana Roque é graduada em Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestra em Matemática Aplicada e doutora na área de História e Filosofia das Ciências pela mesma universidade. É professora do Instituto de Matemática da UFRJ e da Pós-graduação em Filosofia do IFCS/UFRJ, onde coordena um grupo de estudos sobre as reconfigurações do trabalho no mundo contemporâneo. Foi presidente do Sindicato Docente da UFRJ – ADUFRJ. Tatiana também mantém um canal no YouTube, onde fala e entrevista pessoas sobre temas ligados à educação, política, ciência e filosofia.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que o programa Future-se revela acerca da concepção do Governo Bolsonaro sobre a universidade pública e a pesquisa científica?

Tatiana Roque – Esta resposta é muito simples: este governo não tem nenhum projeto para a universidade pública e para a pesquisa científica. A ala mais bolsonarista do governo tem uma agenda ideológica que identifica a universidade à esquerda e incentiva, com esse discurso, uma perseguição à comunidade universitária. Já a ala ultraliberal tem a única agenda de diminuir o financiamento público. A união entre esses setores acaba sendo conveniente para ambos.

IHU On-Line – Quais os riscos de a universidade se mover segundo parâmetros de mercado?

Tatiana Roque – O modo de governo do capitalismo atual vai além da “lógica de mercado”. A governança neoliberal estimula a concorrência. Esse é exatamente o ponto do Future-se: governar pelo incentivo à competição intra e interuniversidades. Propõe-se a criação de um fundo cujos recursos seriam distribuídos por meio de uma Organização Social. Essa OS estabelece metas e critérios de avaliação para distribuir os recursos às universidades e às diferentes áreas dentro de uma mesma universidade. Com o financiamento público cada vez mais escasso, a tendência é que se agrave a competição pelos recursos distribuídos via OS, que exigem adesão a seus critérios e metas.

IHU On-Line – Coleta Capes, atualização de Currículo Lattes e emergência pela produtividade. Em alguma medida, já não se vivem lógicas mercadológicas dentro das universidades? Por quê?

Tatiana Roque – Não acho. É completamente diferente. A avaliação da pesquisa e da pós-graduação pelas agências de fomento é bem recebida pela comunidade acadêmica. Por dois motivos: primeiro, ela é feita pela própria comunidade acadêmica (que compõe os comitês das diferentes áreas); segundo, ainda que se estabeleça uma certa competição por recursos, quando o volume distribuído é alto, é possível atender às demandas da maior parte dos projetos.

Para que os projetos de pesquisa sejam financiados com dinheiro público, é importante que exista alguma avaliação da qualidade, pois isso ajuda na prestação de contas à sociedade pelo investimento feito na universidade. Claro que alguns critérios são distorcidos, como a excessiva disciplinarização da avaliação. Mas, no geral, o sistema de fomento foi um ganho para a comunidade científica e funcionou bastante bem nos últimos anos, quando o volume de recursos era significativo.

IHU On-Line – O Future-se pode representar alguma ameaça à pesquisa de base? Por quê?

Tatiana Roque – Isso sim. O Future-se é uma ameaça à pesquisa como um todo, pois não garante os dois requisitos mencionados acima. A avaliação não é feita pela comunidade acadêmica, e sim por um comitê gestor que nem sabemos como será formado. Além disso, com a política fiscal em curso e a Emenda do teto de gastos, haverá escassez de recursos e, aí sim, incentivo a uma concorrência insana.

Entrevista completa no site do IHU Online.

Publicado originalmente no site do IHU Online.

Foto de capa: Protestos de 15 de maio no Brasil | Foto: Divulgação – via IHU

situs judi bola AgenCuan merupakan slot luar negeri yang sudah memiliki beberapa member aktif yang selalu bermain slot online 24 jam, hanya daftar slot gacor bisa dapatkan semua jenis taruhan online uang asli. idn poker slot pro thailand

Seu carrinho está vazio.

mersin eskort
×