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Ainda há lugar para as comunidades eclesiais de base na Igreja?

Imagem de capa: grupo em oração.
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Atualmente, as comunidades não têm o apoio da maioria do clero e da hierarquia. Têm o apoio isolado de um ou dois bispos, alguns padres aqui ou ali.

José Marins é um teólogo brasileiro considerado um especialista em Comunidades Eclesiais de Base (CEB). Há mais de quarenta anos, ele visita países ao redor do mundo para estimular, acompanhar e apoiar esta atividade eclesial, que surgiu nos anos cinquenta no Brasil e desde então foi se espalhando pela América Latina e, em seguida, para outros continentes.

Seus estudos na Universidade Gregoriana de Roma lhe permitiram compreender a maneira de ser da Igreja que nasceu no Vaticano II, que se concretizou na América Latina em uma Igreja empenhada em unir fé e vida, algo que sempre esteve presente nas CEB e em sua própria vida e teologia.

Nesta entrevista, a partir da perspectiva de seus mais de sessenta anos de ministério sacerdotal, o padre brasileiro nos ajuda a entender o que são as comunidades de base e sua evolução ao longo de mais de cinquenta anos e, com a chegada do Papa Francisco, como recuperaram o reconhecimento eclesial que haviam perdido.

Ao mesmo tempo, ele nos mostra os passos que devem ser tomados para que aquilo que ele define como o primeiro nível da Igreja possa estar mais presente no dia a dia de muitos homens e mulheres que querem continuar descobrindo as ferramentas que possibilitam a construção do Reino de Deus.

Leia a entrevista:

O senhor conhece as CEB desde seu surgimento. Como as definiria?

Seria o primeiro nível da Igreja de Jesus Cristo. Envolve a totalidade da Igreja em seu pequeno nível, em comunhão com a diocese e o conjunto da Igreja. Portanto, é uma Igreja completa em miniatura, como uma semente é uma árvore em miniatura.

As CEB têm mais de cinquenta anos de caminhada. Em que elas mudaram nesse tempo?

As CEB começaram no Brasil na década de cinquenta, com algumas experiências pioneiras no Nordeste, Maranhão, Rio Grande do Norte, um pouco na Paraíba e, em seguida, no estado de São Paulo. Em 1962, o Concílio Vaticano II fundamentou muito melhor a visão da Igreja que incentiva as comunidades eclesiais de base. Como a Igreja foi renovada e fundamentada, evidentemente as CEB, sendo o primeiro nível da Igreja, se beneficiaram.

As CEB foram oficialmente apresentadas em Medellín. No número 15,10 do Documento de Medellin, percebe-se a Igreja em sua primeira expressão, mas trata-se de toda a Igreja, e não um movimento ou carisma. Nos primeiros dez, quinze anos, as comunidades de base eram uma novidade, todo mundo queria saber sobre elas, e eu queria, até mesmo de maneira ingênua, mudar seu nome. Até há pouco, chamava-se grupo do Apostolado da Oração e, com o tempo, será chamada Comunidade Eclesial de Base. Havia algumas ingenuidades, mas também houve processos sérios para dar início às pequenas comunidades, tendo em mente que é um processo.

Assim como ocorre na vida, ninguém nasce adulto, são pequenas comunidades que vão crescendo. Então, na primeira fase era tudo novo, todo mundo queria discutir o assunto. Depois, chegou um momento em que se começou a perceber que a comunidade de base é exigente, que é a Igreja de Jesus, fermento, sal, luz no momento histórico em que estamos.

Aí entrou a questão do modelo, que já não é um modelo medieval, de cristianismo, mas um modelo de Igreja atual, neste momento e nesta situação. Com isso, houve uma desconfiança das comunidades de base, que achavam que sua espiritualidade não correspondia à espiritualidade tradicional.

No estudo da Palavra, não eram capazes de compreendê-la: parecia um protestantismo recauchutado, no qual cada um interpreta como quiser. Foi também o período da Guerra Fria, em que qualquer coisa diferente do que era estabelecido era considerado comunista.

No Brasil, coincide com o período da ditadura, havendo uma suspeita contínua sobre as CEB. Pessoas que diziam estas coisas, como Helder Câmara, ou todos os que se comprometeram, foram muito perseguidos no Brasil, sendo esse um período de reação.

As comunidades de base, naquela época, tiveram muito mais mártires, muitas pessoas morreram, não porque se negava o valor da doutrina da Igreja, mas porque a aplicação da nossa fé provocava tal situação. Se devo amar ao próximo como amo a Jesus e o próximo é oprimido, esta opressão é contra Deus.

Os cristãos, pessoas das comunidades de base, foram perseguidos e mortos por cristãos batizados, que não eram cristãos convertidos. Quando falei sobre isso na Ásia, as pessoas responderam que isso não era possível, porque eles entendem que os pagãos é que perseguiam-nos, mas um cristão torturar a um cristão, isso não era possível. Eu respondia que isso ocorreu na América Latina.

As comunidades procuraram defender o que tinham, garantir a Palavra de Deus, a fidelidade na fé, o apoio dos bispos e das autoridades da Igreja, para salvar a vida de muitas pessoas. Após a período forte da repressão, conservou-se um capitalismo muito negativo, que não persegue, mas desmoraliza e que coincide com o nascimento de movimentos como os carismáticos, que chamaram a atenção dentro da Igreja e tiveram uma grande influência nas comunidades, seja pelas canções, muito agradáveis, simpáticas, bonitas, atraentes, ou pelo estilo de oração que nos leva a sentir como se houvéssemos encontrado o que buscávamos, ou pela experiência de encontro com o Espírito, um pouco de tudo isso.

Houve um momento, ainda que até hoje estejamos sentindo as limitações, em que aconteceu uma tentativa de desmantelar a comunidade de base, tornando-a um movimento mais social, da Palavra de Deus, mas movimento, e não uma Igreja pequena junto com a Igreja diocesana, que é o fermento do mundo.

Agora, sentimos que não há oposição direta às comunidades de base, praticamente não há militância contra elas, mas sim indiferença, como algo que já passou, que era bonito, mas que é de outros tempos, e que agora deveríamos voltar ao normal.

Por outro lado, agora as comunidades estão mais maduras, conseguiram integrar mais ou menos os elementos mais importantes, o que ajudou muito o crescimento da fundamentação bíblica. Tornou-se mais clara a reflexão teológica sobre os pobres. Não é necessário optar pela Teologia da Libertação, mas esta realmente ajudou, pois possibilitou refletir sobre este caminho.

Atualmente, as comunidades não têm o apoio da maioria do clero e da hierarquia. Têm o apoio isolado de um ou dois bispos, alguns padres aqui ou ali. No conjunto dos seminaristas, não há ninguém com preparação para acompanhar as comunidades de base. O clero, em geral, não está preocupado com elas, está mais contente com os movimentos. Os bispos também são um pouco indiferentes, não hostis, mas bastante indiferentes. As comunidades atuam de maneira mais silenciosa, no entanto, elas estão se desfazendo. Penso que elas estão firmes e ganhando em qualidade, de acordo com o que tenho visto.

Diante da indiferença do clero e dos bispos, vemos que, ainda que em seja em momentos pontuais, o Papa Francisco ou mesmo o Cardeal Ouellet, tem destacado o papel das comunidades eclesiais de base. Não é significativo este reconhecimento?

Eu acho que por parte do Papa já houve um apoio. Em sua vida, o Papa Bergoglio teve mais experiências com a religiosidade popular do que com comunidades eclesiais de base, considerada base instrumental da Igreja. Isso era o típico no processo da Argentina, o fato de a religião popular servir como referência básica.

E inclui o padre como referência, o sacerdote e a comunidade ao redor. Mas, na verdade, nunca houve um papa que apoiasse as comunidades tão explicitamente quanto o Papa Bergoglio, não tanto pelo que ele diz, mas pelo que ele faz, que coincide totalmente com o que uma comunidade sonha em poder realizar.

O que o cardeal canadense escreveu é uma surpresa, porque entre os cardeais não havia visto nenhuma afirmação deste tipo, embora ele não tenha dito que a comunidade é a primeira instância da Igreja. Da forma como foi colocado, poderíamos falar de um movimento muito belo, já que ele diz que é muito bom, faz muito bem, mas qual é sua identidade, ele não o diz, que seria a Igreja em miniatura, seria a Igreja de Jesus ali.

Os dois são exceções, pois a maioria dos bispos não está imitando o Papa. Eles estão aplaudindo, mas nada mais que isso. Inclusive, alguns são inimigos, não explícitos, mas em seu coração esperam que este Papa termine o quanto antes seu ministério, seja tornando-se emérito ou morrendo.

Hoje fala-se da ressignificação das CEBs. Na sua perspectiva, que passos devem ser dados?

O primeiro aspecto é a Palavra de Deus. Se a comunidade se aprofunda na Palavra de Deus, não só como um estudo de doutrina, mas como um modo de ser Igreja , este é um aspecto muito importante.

O segundo seria uma Igreja que atingisse a maioria simples, que sofre, que está à margem, que está destinada a desaparecer no sistema capitalista. E a comunidade é para todos, mas dá prioridade aos mais necessitados. Estes dois aspectos são muito fortes.

O terceiro ponto é que as comunidades têm consciência de que a presença de Jesus, além da presença eucarística, ocorre na comunidade, na Palavra, na missão. Isso está ajudando muito.

Um quarto elemento é que as comunidades começam a aprender a trabalhar com outros que não são católicos ou que não são crentes. Mas não para discutir religião, senão que para ver o que podemos fazer juntos para o povo de Deus.

Acredito que nesses quatro pontos está a força e uma retomada das comunidades, que não estão em declínio, ou abandonadas, mas têm uma visibilidade mais atrativa no conjunto da Igreja Católica.

Em que poderia contribuir este modo de ser da Igreja que as CEB propõem na vivência do cristianismo?

O que o Papa Francisco está dizendo é fundamental, uma Igreja em saída. Se a Igreja permanece dentro de si mesma, vai ficar fazendo a missão a partir da sacristia, operando apenas no interior da Igreja. O Papa está nos dizendo que vamos sair, que vamos nos abrir, que vamos entrar em contato com os outros, anunciar.

O aspecto missionário é urgentíssimo na Igreja, e a Igreja na América Latina não é missionária. O ser missionário não é enviar uma pessoa para um país estrangeiro, mas reposicionar a proposta de Jesus no momento e na realidade atual. Eu colocaria em primeiro lugar a dimensão missionária, assim entendida.

Em segundo lugar, como já foi dito, seria a Palavra, e, em terceiro, uma Igreja aberta ao diálogo com todas as pessoas, porque cada pessoa é amada por Deus. Os católicos não detêm o monopólio sobre Deus.

Uma Igreja que ajuda as pessoas a encontrar o caminho para o Reino de Deus. O objetivo da comunidade é o Reino de Deus, o ponto de partida é a vida, a mediação são as pessoas, a começar pelas mais simples, e o método é o enxergar, julgar e atuar, avaliando e celebrando como processo complementar.

Avaliar não é descobrir quem é culpado, mas descobrir o rumo, como um avião que sai à noite: não enxerga seu objetivo, mas por horas não se perde no caminho. A Igreja precisa avaliar se estamos em uma direção segura ou estamos nos desviando por alguma razão. Existem ventos e outros elementos pelos quais o avião pode se desviar, mas ele tem de voltar ao rumo inicial.

Francisco insiste na importância dos leigos, especialmente as mulheres, no futuro da Igreja, o que é essencial na vida das CEBs. Por que o clero tem dificuldade de compreender e aplicar isso na vida da Igreja?

Por milênios as mulheres foram colocadas em segundo plano. O clero, por ser do sexo masculino, é machista, e talvez não o reconheça, não foi educado para isso. Na América Latina, em quase todos os países, o filho homem recebe privilégios os quais a filha mulher não recebe, como por exemplo, sair à noite e muitas outras coisas.

Tudo isso é influencia para que o clero não veja as mulheres como parceiras de trabalho. Para ajudar sim, e de fato a maioria das pessoas que colaboram na Igreja é mulher.
Culturalmente o clero não está preparado para isso. Talvez não seja nem um problema moral, mas sim cultural.

Em segundo lugar, a maioria do clero não aprendeu a trabalhar em equipe nem com homens, o que dirá com mulheres. Um presbitério que só sabe trabalhar individualmente, nunca será capaz de trabalhar nem com mulheres nem com leigos, pois considera-os como inferiores, quando em nossa teologia, nós, os ministros ordenados, estamos servindo ao Povo de Deus, e não o contrário. Isso é pura mentira, porque, na prática, as pessoas devem estar a serviço das decisões do Padre.

Deveria haver uma conversão em grupo por parte do clero, o que não está ocorrendo, e não acho que vá ocorrer em breve, pois é uma coisa secular. Desde o povo hebreu é assim, o homem era tudo e a mulher não era nada, o testemunho de uma mulher não valia nada. E isso permaneceu na Igreja, no sacerdócio do Antigo Testamento não há mulheres, os patriarcas são homens…

Tudo isso está no subconsciente, ou na consciência, do clero. É muito difícil, e por isso acredito que este será o ponto mais lento da Igreja. Não acho que a questão seja se a mulher poderá se tornar presbítera, pois isso seria fácil, é questão de aceitação cultural.

Por que na Igreja se considera que o clero está acima dos leigos, quando o Vaticano II diz que todo batizado participa do sacerdócio universal?

É que as teorias ficam no papel, o que conta é a vida. O seminarista, desde o seminário, já percebe, quando vai ajudar nas paróquias, que é o padre quem realmente decide. Um padre vai pela esquerda, vem outro e decide que agora vai pela direita, e quem não aceita fica de fora.

O que se vê é o oposto. Posso ler muitas coisas do Vaticano II, mas o que conta é o que fazemos. Por exemplo, o Vaticano II diz que quem consagra na missa são todos os batizados e que o sacerdote é quem preside. Mas, na verdade, ninguém pensa que está consagrando, mas que vai à missa do padre Antônio ou do padre João, e não à sua própria missa. A prática permaneceu muito mais forte do que a teoria, e se eles encontram esta prática, vão se adaptar para atuar especificamente dessa forma e não de acordo com a doutrina.

As CEBs surgiram na América Latina, mas o senhor disse que já foi para a Ásia e para outros lugares. Pouco a pouco, este modo de ser Igreja está se espalhando para outras latitudes?

Deve ser muito lentamente. Na Ásia, para onde fui mais do que para a África, é mais difícil para eles, pois muitos dos países asiáticos estão saindo da Idade Média agora, enquanto nós já saímos há quinhentos anos. Então, tudo o que foi adquirido pela humanidade quase não existe na Ásia. Fora dos Estados Unidos, do Canadá e da Europa, onde há uma visão cultural diferente, no resto do mundo temos aquele conceito não de escravidão, mas de uma enorme diferença entre alguns tipos de pessoas entre outros, homens e mulheres, os que estudaram e os que não estudaram, ricos e pobres. Isso, querendo ou não, repercute na Igreja.

O cristianismo teria que dar testemunho disso. A ordenação de mulheres, ou qualquer outro ministério para elas, mais do que incluir alguém no ministério, é um gesto de transformação, que é o que conta. Não é aumentar o número de padres ou ministros, mas uma questão de perspectiva.

Fonte: Texto de Por Luis Miguel Modino, publicado originalmente por Religión Digital/ IHU, com tradução de Henrique Denis Lucas. O texto foi encontrado no site DomTotal, que é mantido pela Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE), 13/01/2017.

Foto de capa: Retirada da matéria no site DomTotal, onde ela se encontra sem créditos.

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