Teologia da Libertação

“A Teologia da Libertação morreu? Não me convidaram para o funeral”. Entrevista com Gustavo Gutiérrez

“A Teologia da Libertação morreu? Não me convidaram para o funeral”. Entrevista com Gustavo Gutiérrez
Pela primeira vez Gustavo Gutiérrez (foto abaixo), teólogo peruano “pai” da Teologia da Libertação, foi relator num auditório do Vaticano. Momento histórico que aconteceu no dia 25 de fevereiro na apresentação do livro Pobre e para os pobres, assinado pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müllere que inclui textos seus. Um volume com prólogo do Papa. Sinais de uma evidente distensão com uma corrente teológica que ainda enfrenta turbulentos debates na América Latina. Gutiérrezcontou ao Vatican Insider como vive este momento.
 
A entrevista é de Andrés Beltramo Alvarez e publicada no sítio Vatican Insider, 07-03-2014. A tradução é de André Langer.
 
Eis a entrevista.
 
Como acredita que se chegou a esta “reconciliação”?
 
A palavra reconciliação é um pouco forte para o que aconteceu. Houve certos problemas com alguns e tampouco muito justos. Não houve uma determinação contrária, se alguém não pudesse ter continuado a escrever, o que não foi o caso. Claro, existem pessoas que não estão de acordo (comigo) e eu respeito isso. Para mim, muitas teologias não me parecem simpáticas, nem por isso eu as persigo. Mas, temos diferenças. Por outro lado, pessoas da Igreja pensam que tudo passa pela Igreja, o que não é verdade. A Teologia da Libertação teve problemas, sobretudo, com os políticos e os militares. Vou dar dois exemplos: em dezembro de 1987 aconteceu uma reunião, em Buenos Aires, dos Exércitos do Canadá até o Chile e Argentina, do continente. Sabe qual foi o problema? O perigo que representava a Teologia da Libertação. Você ouviu alguma vez que os Exércitos da Europa tenham se reunido para falar sobre a teologia de Rahner ou de Congar? Nunca. Nós, sim. A quem matam? A sociedade civil. Temos centenas de pessoas assassinadas e isso sempre escapa às pessoas. Como o pleito na Igreja hoje fica pequeno ao lado do outro! Quem matou Romero? (Roberto) d’Aubuisson (Arrieta), um militar que já morreu. Mas esse homem não era de Igreja, respondia apenas aos seus interesses políticos.

Sente que existe um clima de compreensão diferente?

Atualmente, sim, evidentemente, e isso influi no que acabo de dizer, porque tira as armas de quem, sem razão cristã alguma, desconfia da Teologia da Libertação. Porque se dão conta de que estão se metendo com a Igreja inteira. Já não é a mesma coisa. Mas isso é muito frequente. Dou outro exemplo: para a campanha presidencial de (Ronald) Reagan, em 1980, houve pessoas, que mais tarde foram embaixadores na América Latina, que emitiram um documento no qual advertiram como um dos grandes perigos da política exterior dos Estados Unidos a Teologia da Libertação. Eu nunca encontrei aqueles que digam, ao menos, que fala de Deus. Isso é o mais grave, esse clima é o que mata.

Não será que alguns instrumentalizaram a Teologia da Libertação?

Tudo pode ser instrumentalizado. Mas, na África do Sul também se instrumentalizou o cristianismo com o apartheid; não posso impedi-los de fazer isso. Pode-se responder por si mesmo ou pelos amigos que se conhece bem. Se outra pessoa utiliza as próprias ideias, o que posso fazer? Problemas houve, mas houve mais e de maior seriedade no campo civil, mais graves. Por que acredita que falamos de “martírio latino-americano”? Referimo-nos a situações políticas, militares da América Latina. Compatriotas de continente. É o que aconteceu no Brasil sob a ditadura, com Videla na Argentina, no Uruguai. Isso aconteceu muito e um argumento que se usava com frequência, era considerar como marxista qualquer pessoa que falasse de direitos humanos e justiça social. A este respeito digo: vocês acreditam no marxismo mais que do que eu, porque para vocês as pessoas que fazem coisas boas são marxistas. Não digo que não houve problemas na Igreja; estou acrescentando o que me parece, pessoalmente, mais grave.

Teria imaginado alguma vez que um amigo seu chegasse a dirigir a Congregação para a Doutrina da Fé da Santa Sé?

Nem o havia imaginado, nem o havia descartado, porque nunca se sabe. Eu sou muito pouco de prever coisas. Não, certamente não, mas quem podia prever isso…

Isso pode ser providencial para o seu trabalho?

Sim, pode ser útil para o trabalho. Mas, o que me interessa é o que vai acontecer com os pobres da América Latina. Você me pergunta se para eles isto é útil? Eu penso que sim. Que seja útil para a Teologia da Libertação, claro. Não menosprezo. Seria um louco se dissesse que não me interessa. Eu, até os 40 anos, nunca havia falado da Teologia da Libertação, porque não sabia. De qualquer forma era cristão. Então, se era cristão antes, espero sê-lo depois. As pessoas me dizem: “A Teologia da Libertação… morreu”. Respondo-lhes: “Pode ser que tenha morrido, mas não me convidaram para o enterro”. O decisivo não é a Teologia da Libertação, mas as pessoas.

E o Papa Francisco, está sendo decisivo?

Ah, bom, claro que sim. Justamente nessa maneira, indo ao concreto, ao cotidiano, dizendo: dinheiro corrompido eu não quero, é dinheiro sujo. Isso é muito concreto. Claro que sim, evidentemente.

CONFIRA as seguintes publicações do CEBI relativas à Teologia da Libertação:

Teologia da Libertação e Educação Popular a caminho de Fernando Torres, Faustino Teixeira, Edla Eggert, Plínio de Arruda Sampaio.

Raízes e Asas – Teologia da Libertação e Educação Popular.

Terra – Eco Sagrado (Teologia da Libertação e Educação Popular) de Arno Kayser e Ivone Gebara

Partilhando e avaliando práticas de educação libertadora (Teologia da Libertação e Educação Popular – Vol 2) de Edmilson Schinelo e Nancy Cardoso

 

 

 

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