Artigos e Reflexões

Onde Deus está ?

Izaías Torquato*

 

Começamos o tempo do Natal. “Jesus nasceu!” é o que escutamos desde o dia 25 de dezembro. E isso escutamos e falamos todos os anos após o Advento que se revela com expectativas de tempos melhores, que se renovam na vinda de Jesus para viver entre nós. Foi assim que aprendemos a crer a partir das experiências de nossas ancestralidades nos últimos dois mil anos. Mesmo em meio a tantos desafios de sobrevivência, resistência e enfrentamentos vivenciados por nossas mães e pais que ao mesmo tempo que lutaram para viver realizaram construções sincréticas, caleidoscópicas, diversas de uma fé colorida a partir do povo, da gente que encontra em Jesus um estilo alternativo de vida desde o ventre de Maria até a cruz no Calvário.
Cantamos em nossas comunidades com expectativas e esperança: “Na bruma leve das paixões que vem de dentro… tu vens chegando pra brincar no meu quintal”. Nós de confissão e vivências cristãs, afirmamos que Jesus está presente, construímos símbolos e significados, rituais e liturgias, construímos as histórias, as narrativas, escrevemos os fatos, narramos os fatos. Ao menos para o ocidente hegemônico católico-protestante – mesmo em grande medida por mera formalidade e hábito religioso –, criamos sentidos para nossas vidas e maneiras de viver a partir da afirmação: Ele está entre nós! Assim, sua presença implica em reconhecer a deidade judaica – patriarcal, soberana e monoteísta –, com múltiplos sentidos de identidades culturais e teológicas para as vidas religiosas e para motivações sociais que nos animam a reunir em círculo nos vários ambientes comuns de prestação de cultos. Somos tão habituadas a isso que nem mesmo o risco de uma contaminação por um vírus fatal nos impediu – ao menos para a maioria de nós –, de aglomerar em nossos templos mesmo tentando estabelecer todas as normas e protocolos de proteção ainda que colocando o povo em risco. Alguns grupos conseguiram fazer esse ato com responsabilidade e correção, reconhecendo com seriedade e o devido respeito a necessidade cúltica do povo e a sua sede e fome de uma espiritualidade amadurecida, libertária e consciente do momento que vivemos. Outros visando dízimos e ofertas não se importaram com o povo, com nossa gente. Bastava passear pelos cultos neopentecostais e missas carismáticas transmitidas pelas redes de TVs, pelas madrugadas, para perceber o quanto o risco era real de contaminar jovens e pessoas idosas, numa percepção idolátrica de personagens religiosas e midiáticas do mundo “gospel” e católico-carismático. Gente que saia de casa em busca de curas para outros males e até mesmo para o medo de contrair tal doença fatal mas que se colocava em risco em nome da fé. Por outro lado – e ao mesmo tempo –, era explorada por essas lideranças despóticas e sem compromisso com as realidades cristãs.
Por outro lado, o mundo capitalista e seu consumismo atiçou ainda mais o desejo do povo para voltar com toda força as ruas, as praças, aos ambientes públicos. Já é uma marca, uma tendência do mercado à condição de transferir dos templos para os shoppings o ambiente ideal para celebrar a festa do consumo com as compras de presentes, as mesas dos bares cheias, a festa à beira da praia, os círculos festivos com pessoas amigas, os casamentos e festejos mais diversos. Ou até mesmo festas clandestinas em ambientes fechados e restritos a poucas pessoas mas com toda liberdade para ameaçar a existência humana. Em contraste com o ideal da permanência dentro de casa, do isolamento social, da proteção familiar, do cuidado para não ser um agente transmissor para entes queridas. Aos poucos isso foi se diluindo e o desejo e o apego ao mundo foi maior do que a oração contemplativa e silenciosa em nossas casas.
Ao mesmo tempo nas redes e mídias sociais as notícias não paravam de pulular narrando famosas e anônimas, pessoas vítimas deste mal que vivemos. Mas parece que o povo foi imunizado para não sentir as dores deste mundo, as ameaças que vivemos durante o ano de 2020, as próprias chagas, as próprias dores e as próprias marcas no seu próprio corpo.
Se funde aí o ciclo de 12 meses, ou seja, 365 dias de um ano que finda e um novo ciclo que inspira renovação. E que ano este que vivemos… Ele chegou e está no meio de nós. Florestas queimando, nascentes de rios minguando, conflitos no campo, meninas e mulheres sendo ameaçadas e morrendo todos os dias. Diante do coletivo social parece que não temos mais visão desses fatos. Ele chegou e está no meio de nós e há ainda quem diga que ele – o ano que parece não passar –, permanecerá por muito mais tempo em nossos corpos e em nossas memórias.
Mas onde Ele está? Onde está Deus diante disso tudo? Quem seria capaz de responder essa pergunta de forma tão direta ou pragmática sem rodeios, sem floreios? Por todas as partes encontramos expressões religiosas cristãs e não cristãs em busca de responder com precisão o sentido de tudo que estamos vivendo neste ano. Pois vivemos um ano de muita luta e de muito luto.
Chegou a hora de um novo ciclo de vida. É preciso sentar e acalmar os ânimos, é preciso buscar discernir o tempo que vivemos e com relativo distanciamento buscar sair dessa letargia. Mesmo parecendo que não temos mais forças para tanto deverá surgir em nós, em algum momento, o despertar do sono, o ressurgir das cinzas.
Para encontrar Deus nessa incipiência existencial ou para transpor os ídolos apresentados no comércio da fé ou ainda no cardápio das igrejas cujo deus é o poder que o dinheiro representa e onde o capital é cultuado, é preciso discernir com simplicidade o que a vida quer de nós neste momento. Temos de procurar, ou melhor, continuar nossa busca pela simplicidade da fé, na perseverança humilde de quem não encontra perguntas prontas para respostas preditas ou impostas a força e a marra.
Como já disse o poeta: “se eu quiser falar com Deus…” e a partir daí, da poesia e da canção, busquemos o nosso caminho, identifiquemos a forma pessoal de se relacionar com Ele, encontremos o nosso tempo na caminhada, vamos sentir a presença de Jesus ao nosso lado, vamos escutar os passos mansos e até mesmo cansados de Maria, de José e a presença delicada e simples do menino nascido em Belém. Vamos escutar seu choro por ter fome e sede ao fugir para o Egito, vamos observar os corpos cansados e abatidos depois de uma viagem tão longa. E vamos perceber neste cenário onde as chagas e as dores da família de Jesus identificam as nossas próprias chagas e as dores e as dores de quem sofre. Talvez aí, quem sabe, poderemos encontrar resposta para a pergunta: Onde está Deus?

 

Você pode escutar este texto no podcast “Mensagem de Fé e Esperança” da Diocese Anglicana de Brasília no seguinte endereço: https://www.spreaker.com/episode/42737501

* Reverendo Anglicano, Teólogo e Cientista da Religião. Exerce a função de pároco na Paróquia Anglicana São Felipe, Goiânia-GO; Diocese Anglicana de Brasília – IEAB. www.instagram.com/paroquiaanglicanasaofelipe/

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