Reflexão do Evangelho

A Travessia com Jesus: Confiança e Fé em Meio ao Caos – Mc 4, 31-41

O evangelho de Marcos, constantemente explicita questões sobre a identidade de Jesus (3,11; 8, 29; 15,39), o que ocorre também nessa passagem. Vários são os elementos presentes na revelação de quem é Jesus, os quais remetem para uma mensagem que vai além deles em si, vejamos alguns. Jesus está em uma margem do mar e chama os discípulos para irem à outra margem, cuja população não pertencia ao judaísmo (5,1). Após falar do Reino à multidão (4,1ss), Jesus chama-os não para colherem os frutos dessa pregação, mas sim, a fazerem uma travessia. Nesse sentido, o horário em que o evento ocorre também é significativo: ao entardecer, que conforme o judaísmo, inicia-se um novo dia. Ou seja, ir para a outra margem é mais que uma questão geográfica. Ele os convida a começarem um novo dia sendo itinerantes, não fixando os pés somente em território do judaísmo da época; é um chamado a estarem em constante movimento, inclusive, vivendo uma itinerância que inclui ir a lugares em que as pessoas não manifestam a fé do mesmo modo! Junto com essa mensagem, o evangelista traz outras, cujo conteúdo vai além do significado literal e, estão expressos na passagem.

Outro destes, por exemplo, está no Mar e no Barco. O instrumento utilizado nessa travessia fazia parte da profissão de alguns discípulos, assim como o local em que estavam. Aquela região do lago da Galileia (também chamado de mar) é cercada por algumas montanhas e está a cerca de 200m abaixo do nível do mar, o que propicia tempestades de ventos relatadas até hoje por pessoas da região. Logo, embora o contexto já pudesse ser conhecido pelos discípulos, eles não se comportaram com naturalidade diante daquele fenômeno da natureza. O oposto ocorre com Jesus, que dormia na popa/proa do barco, com muita naturalidade/tranquilidade depois de um dia de anúncio do Reino. Normalmente o local em que Jesus dorme, fica o barqueiro, pois está junto ao leme, o instrumento que direciona o rumo do barco; e é este o local em que Jesus se encontra!  Essa tempestade no mar evoca, ao povo da época, o caos.  Jesus dormia no meio dos discípulos nesse caos, junto ao leme! Talvez o evangelista queira mostrar que, contraponto a falta de fé dos discípulos (4,40), Jesus não teme, pois confia plenamente no Pai e, sabe que Ele tem poder sobre esses fenômenos da natureza (Sl 107, 23-32).  Em outras palavras, o evangelista frisa que não basta ter Jesus na barca, não basta estar com ele, é preciso saber quem ele é, ter consciência e confiança de que ele é quem tem poder sobre todas as coisas, inclusive sobre o caos temporal, afinal: Ele está junto ao leme do barco!

Este comportamento dos discípulos precisa ser repreendido. Talvez porque, na época em que o evangelho foi escrito, por volta dos anos 70, os seguidores de Jesus passavam por muitas tribulações, especialmente as perseguições. Em situações assim, Jesus pergunta: ainda não tendes fé? Ou seja, mesmo diante de tempestades que acontecem na vida – que possam estar fora do domínio de quem se põem na barca com Jesus –  é preciso ter fé. Confiar de que Jesus tem poder sobre o caos: sobre as dificuldades naturais de uma travessia, sobre as tempestades que não são administráveis pelo ser humano e, aparecem durante os trajetos da vida… Diante de tudo isso: não precisa temer, Jesus está na proa, junto ao leme e, tem poder sobre todas as coisas, ele manda todos obedecem (4,41).

Parece-me que este evangelho foi escrito para nós em pleno século XXI. Quem se propõem a seguir Jesus também é impulsionado a sair da zona de segurança e avançar nas águas do desconhecido, navegando junto com Ele na barca. É o chamado para que nessa vida, nós possamos assumir nossas travessias pessoais e eclesiais, na certeza de quem Ele está conosco, junto a direção dessa barca. É esta confiança em Deus, que nos dá a certeza de que se as tempestades surgirem e fugirem ao nosso controle, nem por isso precisamos temer, afinal, conosco está aquele que manda e o mar e os ventos obedecem.

Antonio Francisco Jacaúna Neto.
CEBI-DF

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