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Semana Santa: o que falta para libertar quem ainda está crucificado?

Semana Santa: o que falta para libertar quem ainda está crucificado?
"A vida não é só traição. O paradoxo se encontra no fato de o martírio e a morte, como aconteceu com Jesus Cristo, provarem a cada dia, que todos os Judas e Pilatos de ontem e de hoje, mesmo continuando a crucificar milhões de inocentes, traindo a vida, não conseguirem vencê-la", escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.

Eis o artigo.

“Um de vós há de me trair”, afirmou Jesus Cristo quando repartia o pão com os seus apóstolos, pouco antes de ser processado e condenado à morte. Judas saiu da mesa, vendeu um inocente por uma delação premiada (!) no valor de trinta moedas, a previsão de Jesus se confirmou e até hoje essa história é relembrada no mundo inteiro, como está acontecendo agora no Brasil.

Diferentemente da bisbilhotice, da espionagem, do despiste, do fingimento e outras formas de enganar, a traição dói mais porque parte de quem mais a sua vítima ama ou confia. As suas consequências ferem fundo e podem amargurar uma vida para sempre, como os poetas e místicos, por sua sensibilidade, atestam diferentemente de outras pessoas.

As juras de amor eterno, entre mulheres e homens, rompidas por traição, foram retratadas por Manuel Bandeira, por exemplo, como um caminho sem volta, do qual ninguém está livre, seja como traidor seja como vítima. Em desesperado e trágico diálogo, imagina o fim de uma relação entre pessoas, passando do amor ao desconhecimento:

“Por mim quantas vezes quase tu mataste / quase te mataste / quase te mataram! / Agora me fitas, e não me conheces? / – Não conheço não./ Conheço que a vida é sonho, ilusão / Conheço que a vida, a vida é traição".

Manuel sofreu doente a vida inteira e esses versos podem refletir essa infelicidade, mas ao generalizar a traição como presente em qualquer vida, a poesia de Manuel pode estar nos advertindo sobre como toda a vida pode abrigar um Judas, a espera de ceder a primeira tentação de trair.

Isso nos transfere da Jerusalém de ontem para os dias de hoje no Brasil. Quem pode ser identificado como verdadeira vítima, crucificada agora e aqui, resultante de uma traição como a que crucificou Jesus Cristo? – Se Judas traiu por dinheiro, responderá a lógica, todas aquelas , pessoas que se deixam vender para acobertar ilicitudes morais e jurídicas. Está certo, mas isso não pode deixar de fora as causas condicionantes da acumulação desse dinheiro, suficiente para peitar, corromper como Judas foi corrompido. Há uma estrutura econômica atrás dessa possibilidade, capaz de franquear aos donos do dinheiro o poder de comprar desvios e provocar danos morais e patrimoniais em um número indeterminado de vítimas.

Como Pilatos, aqueles lavarão as suas mãos e reivindicarão como correta a sua decisão de não condenar um/a inocente. A omissão dessa espécie, uma “abstenção de voto” assim proclamada – conhecido , antecipadamente o seu nulo efeito contrário à injustiça de se punir quem não é culpado – é tão assassina como todo o modelo econômico indiferente à distribuição equitativa da renda, dos bens, da terra, das águas, da flora e da fauna, do respeito devido a todo o direito alheio enfim. Porque esse modelo tem força para crucificar ainda hoje, no caso brasileiro, as/os pobres e miseráveis do país.

Como esse Judas não é individual, não há malhação que o atinja, mas a semana santa recorda todos os anos que até Jesus Cristo foi vítima dele, depois de denunciá-lo como opressor e injusto com as/os pobres, espalhar, a relho, os seus dinheiros amontoados sobre as bancas montadas dentro dos próprios templos, revelar suas maquinações perversas como as de “adulterar balanças” (note-se a atualidade disso aí, por simples analogia que o masculino dessa palavra admite ser estendido a outras fraudes), tudo para enganar e roubar muita gente.

Se o Estado for considerado empecilho para tanto, a cumplicidade dele também vai ser comprada, com garantia assegurada à sua reprodução, seja pela via da ditadura, seja pela via da democracia. Não existe alternativa para isso? Que o poeta Manuel Bandeira nos perdoe, lá onde se encontrar no seu repouso. A vida não é só traição. O paradoxo se encontra no fato de o martírio e a morte, como aconteceu com Jesus Cristo, provarem a cada dia, que todos os Judas e Pilatos de ontem e de hoje, mesmo continuando a crucificar milhões de inocentes, traindo a vida, não conseguirem vencê-la.

Por coincidência, nesta quinta-feira santa mesmo, dia 24 de março, completam-se 36 anos do assassinato de Dom Oscar Romero, um bispo salvadorenho que se notabilizou por contrapor-se à ditadura de El Salvador, que oprimia e matava sem dó, como aconteceu no Brasil a partir de 1964. Na véspera da sua morte, bradou em defesa das/os inocentes que estavam morrendo, como morreu Jesus Cristo: “Em nome de Deus e desse povo sofredor, cujos lamentos sobem ao céu todos os dias, peço-lhes, suplico-lhes, ordeno-lhes: cessem a repressão".

A resposta do regime de então veio rápida e, em 24 de março de 1980, ele foi assassinado por um atirador de elite a serviço da repressão, quando celebrava missa. Em reconhecimento desse exemplo de coragem, heroísmo, santidade, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou, em 2010, o dia 24 de março como o Dia Internacional pelo Direito à Verdade acerca das Graves Violações dos Direitos Humanos e à Dignidade das Vítimas.

Nem toda a vida é traição, deve-se repetir, um exemplo desses podendo inspirar todo um povo, como o salvadorenho de ontem e o brasileiro de hoje, a defender mais a vida de quem ainda está crucificado, com fome, sem terra, sem trabalho e sem teto, do que a imitar os Judas e os Pilatos de agora, tratando de bem identificá-los para não correr o risco de se alinhar às forças da morte, acumpliciando o contingente de quem preferiu o ladrão e assassino Barrabás a Jesus Cristo.

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