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Mulheres e trabalho no Século XXI

Estamos no século XXI da Era Comum, onde podemos constatar avanços em diversos aspectos da vida em sociedade. Diferentes tipos de tecnologias, aplicadas às mais diversas áreas do conhecimento e da vida cotidiana, nos auxiliam com eficácia em segmentos como saúde, educação, esportes, lazer, produções agrícolas e agropecuárias, comunicações – principalmente nas mediadas por aparelhos e pelas mídias sociais –, para citar alguns exemplos. Instrumentos legais nacionais e internacionais nos auxiliam a aprimorar e garantir os direitos das pessoas e da Criação como um todo.

Entretanto, ainda existe uma letargia no aprimoramento e na garantia de direitos referentes a diversas questões sociais, a exemplo dos direitos das mulheres. Na ampla pauta referente às questões das mulheres, propomos uma breve reflexão acerca da participação destas no mundo do trabalho – doméstico ou externo aos limites dos lares. A participação das mulheres no mercado de trabalho se faz presente “em praticamente todas as atividades econômicas e profissões”, desde o Século XX (Lombardi, 2010, p. 33). É um avanço no aprimoramento e na garantia dos direitos das mulheres. Entretanto, também é notória uma realidade complexa, diversificada e contraditória, composta não apenas de avanços, mas ainda de recuos e estagnação (Lombardi, 2010).

Recuos e estagnações no âmbito da garantia de direitos significam problemáticas. Referente à inserção das mulheres no mercado de trabalho, esses problemas são clássicos, bastante conhecidos da sociedade: “taxas de desemprego mais altas, salários menores, dificuldade de crescimento profissional e maior informalidade” (Dieese, 2024, p. 1). A essa lista acrescento o baixo índice de cargos executivos mais altos assumidos por mulheres. Tais problemáticas da ocupação feminina no mercado de trabalho é oposta à realidade da ocupação masculina, em meio a tantos avanços constatados em pleno Século XXI.

Mediante às crises econômico-financeiras e transformações sociais, as fragilidades e precariedades ainda existentes no âmbito dos direitos das mulheres costumam aumentar e ficar mais intensas, tanto a nível mais circunstancial quanto a nível estrutural. No sentido circunstancial ou conjuntural, a pandemia de Covid-19 e gestões governamentais menos democráticas vigentes até 2022, contribuíram com o aumento das problemáticas da ocupação das mulheres no mercado de trabalho (Dieese, 2024).

No âmbito estrutural, considerando a realidade sócio-histórica da amplitude e impacto dos efeitos das dominações coloniais, destacamos a fragilidade de vínculos ocupacionais e a instabilidade econômico-financeira de pessoas negras. Nesse cenário, ressaltamos a realidade das mulheres negras, como recorte da falta de isonomia baseada na diferença de gênero, visto que são mais afetadas com aumento das taxas de desocupação, informalidade do vínculo, diminuição de remuneração e sub-utilização¹ (Dieese, 2024).

No entanto, segundo o Boletim publicado em abril de 2024², pelo Dieese, após o ápice da pandemia de Covid-19 e a reinstalação de ambientes governamentais mais democráticos, houve uma melhora no campo do trabalho, com a elevação de salários e a discussão de cláusulas de igualdade de gênero, a exemplo da aprovação da Lei 14.611/2023 – lei da igualdade salarial entre homens e mulheres, embora ainda tenhamos muito a percorrer na esteira das relações assimétricas de gênero.

Silvia Federicci (2010) vai mais a fundo em sua análise sobre a separação gerada pela divisão social do trabalho. Com base em inúmeras pesquisas, a filósofa aponta para a necessidade de uma profunda transformação do nosso cotidiano, tendo em vista que, em decorrência das recorrentes crises vividas pelo capitalismo, o que está em jogo é uma dominação mais generalizada – a mercantilização dos bens naturais – sob o falso pretexto de proteger a biodiversidade e conservar bens comuns globais. Mas o que essa questão tem a ver com mulheres e trabalho?

Para Federicci (2010), a divisão social do trabalho gerou uma distância entre a produção, a reprodução e o consumo, pois leva o ser humano a ignorar as condições sob as quais foram produzidos o que comemos, vestimos e usamos para trabalhar. Ou seja, ignoramos o custo social e ambiental da produção e reprodução de produtos e serviços que acumulam e concentram os bens. Ignoramos também “o destino das populações sobre as quais descartamos o lixo que produzimos” (Federicci, 2010, p. 388). Sob essa ótica, a pesquisadora adverte que a produção de nossas vidas está intrinsecamente relacionada à produção da morte de outras pessoas, acrescentando-se à apropriação e mercantilização dos bens naturais.

É necessária a reorganização do trabalho reprodutivo, bem como a reorganização dos espaços doméstico e público. É importante ressaltar que essa reorganização ultrapassa a questão identitária. Em outras palavras, pôr fim ao isolamento da vida doméstica transcende a condição de suprir as necessidades básicas das mulheres e aumentar o poder feminino diante dos empregadores e do Estado. É sobre assumir uma perspectiva de proteção contra um desastre ecológico, a favor do trabalho, de poder e segurança para as pessoas e o meio ambiente (Federicci, 2010, pp. 390-391).

Ao relacionar o texto escrito até aqui com o texto de Tiago 5, 1-6, podemos identificar várias semelhanças na aplicabilidade da vida cotidiana atual, principalmente no que se refere às práticas sociais injustas e exploratórias, advindas da acumulação de bens, privilegiando o grupo de acumuladores de bens, em detrimento do restante da população que sofria pela escassez ou pela falta de recursos básicos de subsistência. O alerta para o desenvolvimento econômico desprovido de valores éticos que preconizem o bem comum é outro ponto de convergência entre ambos os textos.

Autora: Jacinta Cavalcante
Psicóloga clínica e social. Mestra em Psicologia

Referências

A Bíblia de Jerusalém. (2003). Nova edição revista (2a imp.). Paulinas. (Trabalho original publicado em francês em 1998).

Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (2024). Mulheres no mercado de trabalho: desafios e desigualdades constantes. Dieese. https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2024/mulheres2024.pdf

Federici, S. (2010). O feminismo e a política dos comuns. In H. B. de Hollanda (Org.), Pensamento feminista: conceitos fundamentais (pp. 379-394). Bazar do Tempo.

Lombardi, M. R. (2009). A persistência das desigualdades de gênero no mercado de trabalho. In A. Costa, M. B. Ávila, R. Silva, V. Soares e V. Ferreira (Organizadoras), Divisão sexual do trabalho, estado e crise do capitalismo (pp. 33-56).

1 Taxa de subutilização: recorte de pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas em relação à força de trabalho. Mais informações no link: https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2024/mulheres2024.pdf

2 Mulheres no Mercado de Trabalho: desafios e desigualdades constantes. Boletim Especial 8 de março  de        2024,                    Dieese.    Mais             informações    no              link: https://www.dieese.org.br/boletimespecial/2024/mulheres2024.pdf

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