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José de Arimatéia: uma pessoa justa e boa

Fazendo ecoar o dia de Corpus Christi, o CEBI partilha o artigo “José de Arimatéia: uma pessoa justa e boa”, escrito pela teóloga Maria Nivaneide. Neste material, faremos enfase na relação entre o Corpo de Cristo e o corpo das pessoas vulneráveis, e como devemos agir diante destas últimas da mesma forma que José de Arimateia agiu em relação a Jesus: com amor e misericórdia.


O agravamento da fome no Brasil nos últimos anos é realidade presente nos dados apresentados nos relatórios das instituições de pesquisa sobre o assunto, mas também é a realidade diante da qual somos postas diária e constantemente: faz-se presente nos sinais de trânsito, à porta dos supermercados, nas calçadas, por todos os lados. Mesmo nos espaços construídos e nomeados ridiculamente como “higienizados” – nos quais as pessoas se sentem livres e protegidas dos horrores deste mundo – a escandalosa feiura da fome, da dor e do abandono está presente, uma vez que tal feiura justifica a busca por estes espaços e, ainda, porque o capital que garante o acesso a esses espaços e construções (quase) sempre está manchado pela exploração de seres humanos, de animais e do planeta.

A fome é filha da desigualdade, uma chaga antiga e sempre aberta na história da América Latina – no Brasil, os índices são ainda maiores. Nos últimos anos, assistimos ao aprofundamento da crise econômica, à cassação dos direitos trabalhistas, ao aumento da inflação e ao desmonte de políticas públicas de combate à pobreza. A questão da fome e da insegurança alimentar está no topo de uma montanha construída por diversos outros problemas como a falta de moradia, falta de acesso a serviços de saúde e de saneamento básico, à educação de qualidade etc. Diante desse cenário ameaçador, criar condições de vida digna para a nossa e para as futuras gerações é uma tarefa a ser desempenhada por todas as pessoas. A grande herança da sabedoria bíblica, capaz de inspirar nossa crítica e despertar nossa criatividade para a superação do cenário aludido, é a ideia de justiça.

Na mentalidade contemporânea, a palavra justiça evoca a conformidade com o direito, a retidão, a equidade, a bondade, e no contexto forense remete à lei, à paridade e à igualdade, à legalidade e à legitimidade, à imparcialidade e à neutralidade, ao rigor e à integridade, à correção, ao juízo e à autoridade. Já nos textos bíblicos, sobretudo nos textos do Antigo Testamento, a justiça é o fundamento de todas as relações: das relações do ser humano com Deus, com seus semelhantes, com os animais e com o meio em que vive; é o valor supremo da vida, norma de conduta, base das esferas política, ética, jurídica e religiosa do povo bíblico. Da prática da justiça depende a realização do bem-estar comum, harmonia plena e duradoura.

A Bíblia é repleta de passagens que falam da justiça e povoada por pessoas que encarnam a justiça, personagens cuja vida é apresentada como modelo de comportamento, um retrato exemplar, uma representação particular de uma realidade maior, boa e digna de ser imitada. A apresentação dessas personagens também sinaliza que a justiça não é uma realidade abstrata, mas algo concreto, que pode ser vivenciado no chão da vida.

No contexto bíblico, o justo por excelência é YHWH (Dt 32,4; Sl 145,17). YHWH mostra-se justo salvando e libertando seu povo. Sua justiça não é uma qualidade estática. Dele diz-se que não pratica a iniquidade (Sf 3,5), que age em favor dos oprimidos (Sl 103,6), que defende os fracos (Pr 22,22-23; Ex 34,2-4.10), que é benigno em todas as suas obras (Sl 145,17) (SCHERER, 1995, p. 33; NEVES SILVA; MARQUES, 2018, p. 581). Nesse sentido, pode-se afirmar que a profissão de fé expressa nesses textos revela um sonho de um mundo de paz e de partilha das dádivas da terra. Sonho que compartilhamos e que alimenta nossa luta e caminhada.

Tal como o Deus justo, o ser humano justo deve cuidar, de modo especial, das pessoas que estão expostas à opressão e à violência, “os órfãos, viúvas, estrangeiros (Dt 10,18-19), pobres e necessitados (Dt 15,11), aqueles que se encontram em qualquer aflição (Dt 22,1-4), escravos (Dt 23,16-17), endividados (Dt 24,10-11), o assalariado pobre (cf. Dt 24,14-15), etc.” (NEVES SILVA; MARQUES, 2018, p. 581). E é nesse sentido, isto é, é tomando para si a causa das pessoas mais necessitadas de proteção e socorro, que se diz que a pessoa justa é aquela que serve a Deus (Ml 3,18).

Basta lembrar que o justo Jó, ao defender sua integridade, apresenta suas mãos limpas de qualquer cobiça, suborno ou roubo (Jó 31,7); afirma que jamais denegou o direito ao escravo ou à escrava (Jó 31,13), que jamais adquiriu uma terra mediante desonestidade (Jó 31,15), que jamais agiu com insensibilidade e indiferença às necessidades dos fracos, deixou de amparar as viúvas ou alimentar os órfãos (Jó 31,16) ou deixou um pobre sem cobertor (Jó 31,19); recorda a assistência dispensada ao viajante (Jó 31,31-32) etc.

O tema da justiça permaneceu como um dos pontos centrais nos escritos neotestamentários e, segundo estudiosos e estudiosas, esse foi um dos meios mediante os quais se pode demonstrar que o cristianismo é o desenvolvimento legítimo do judaísmo, fundamental para a sobrevivência das primeiras comunidades, visto que o judaísmo era uma religião tolerada pelos romanos, uma religio licita (SEEBASS, 2000, p. 1126). No Novo Testamento, muitas personagens foram apresentadas como justas e mesmo o próprio Jesus recebeu o título de “justo”, como, por exemplo, no Evangelho de Lucas (Lc 23,47) e nos Atos dos Apóstolos (3,14; 7,52; 22,14). Entre essas personagens, olhemos, de modo especial, José de Arimatéia, cujas ações não passaram despercebidas aos evangelistas. 

José é uma personagem que aparece nos quatro evangelhos (Mt 27,57-61, Mc 15,42-47, Lc 23,50-56 e Jo 19,32-42), por ocasião do sepultamento de Jesus. Tomando-se a narrativa segundo Lucas, capítulo 23, versículos 50 a 56, observa-se que sobre José é dito que é um homem bom e justo, em outras palavras, íntegro, observante da Lei, bondoso para com o próximo; oriundo de Arimatéia, identificada por Lucas como “a cidade dos judeus”; um membro do Sinédrio, que não concordava nem com o desígnio nem com as ações de seus companheiros que culminaram na morte de Jesus. José também figura entre os que esperavam o Reino de Deus, pertencia ao rol dos judeus piedosos de mentalidade escatológica sobre a manifestação do reinado de Deus, como Simeão e Ana, que aparecem no capítulo 2 do Evangelho de Lucas.

Para além do parecer do evangelista, mas a partir de sua narrativa, chegamos a um homem cuja bondade se expressa no ato de sepultar o corpo de Jesus, visto que a condenação à cruz estava associada à condenação à infâmia da vala comum. José tem a preocupação de ir a Pilatos para pedir o corpo de Jesus e, tomando-o, envolve-o em um lençol e o coloca em um túmulo novo, oferecendo a Jesus um sepultamento digno, ainda que não fosse discípulo ou parente do crucificado. Tal preocupação também o revela como fiel observante da Lei, pois, ao sepultar Jesus, José também cumpria a prescrição presente em Dt 21,22-23, segundo a qual um condenado à morte não deveria permanecer no madeiro (BOVON, 2010, p. 569).

Os autores bíblicos, como bons contadores de história, nos enredam em suas tramas e nos levam a encontrar personagens que se tornam íntimos de nós, que nos ensinam e nos inspiram. José é um desses personagens. A narrativa acerca de sua vida não leva mais que uns poucos versículos, mas essa passagem, notadamente tão rápida, pode nos ensinar muito sobre a justiça, a integridade, a bondade, o cuidado. O cuidado com um corpo já sem vida é um sinal inconteste do respeito à dignidade humana. Ainda mais se este corpo é de um homem condenado. Lembrando que era de um homem pobre, cuja família não poderia lhe oferecer uma compensação pelo esforço e, ainda, que tudo com que contava era com a companhia de umas mulheres vindas do interior (Lc 23,55). 

José ofereceu, ao morto, um lençol, um tumba, dignidade e, a nós, um belíssimo exemplo de que precisamos nos importar com os condenados do nosso tempo, com nossos irmãos e irmãs famintos(as), explorados(as), ignorados(as), já lançados(as) em valas de injustiça, sofrimento e morte; de que é possível agir diante das decisões e ações dos poderosos com as quais não concordamos; de sensibilidade diante da vida, mesmo e principalmente quando esta se nos apresenta carregada pela feiura da dor, do abandono e da morte; de que podemos nos acompanhar de quem está perto, ainda que de pessoas fracas e impotentes; de que amar a justiça significa agir com bondade e, no seu caso, de uma bondade silenciosa, subversiva, revolucionária.


Autora: Maria Nivaneide de Abreu Lima
Mestre em Teologia pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Graduada em Letras e Teologia. Assessora do CEBI em Pernambuco.

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