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Tea Frigerio – CEBI 46 Anos

Em julho de 2025, o CEBI completa 46 anos de caminhada.
Quase meio século de Bíblia partilhada, pés descalços no chão da vida, vozes que se levantam em defesa do povo e da criação.
A seguir, você vai ler uma dessas lembranças.
Leia com o coração aberto e talvez encontre aí um pedacinho da sua própria história.


Tea Frigerio
Missionária de Maria – Xaveriana

Lá vem o trem das CEBs,
Caminhando com seu povo,
Escuta meu amigo, minha amiga,
Venha ver o que há de novo.

Lá vem o navio da Itália em 31 de outubro de 1974, chegando em Santos em 10 de novembro e aportando em Belém do Pará em 06 de dezembro de 1974. Desembarquei do navio Eugenio Costa em Santos para embarcar no Trem das CEBs, então ainda semente das CEBs no  Pará.

As comunidades da Prelazia de Abaeté do Tocantins, hoje Diocese de Abaetetuba acolheram-me e me introduziram na vida das comunidades ribeirinhas, rural e da cidade. Deixei-me embalar pelo vento do Vaticano II, Medellin, Santarém que me levou, abraçou e apaixonou. O ditado paraense tornou-se realidade: quem chega ao Pará parou, tomou açaí ficou. 

Seis meses: olhar, ver, escutar, pacientar para acolher a língua, cultura, vida, mover os primeiros passos nas comunidades, Igreja Povo de Deus. Tempo precioso e lento para quem ansiava a vida missionária. Enfim, o começo, membro da equipe de formação das lideranças comunitária da Prelazia.

A primeira estreia, uma intervenção num curso de liderança comunitária em Bujaru. Os parabéns da equipe, dos padres, das irmãs presentes. No intervalo, um toque leve, uma mão de mulher acariciou meu ombro, uma voz admirada falou-me ao ouvido: “que irmã bonita, que vestido lindo, ela fala tão bem, pena que eu não entendi nada!”

Tinha entrado no Trem das comunidades e uma mulher, infelizmente esqueci o nome, mas nunca o toque, a voz, expressavam seu pesar, seu anseio: querer entender. Toque, voz que marcaram minha vida e estiveram presentes quando anos depois, na ocupação Cabanagem em Belém iniciamos a Escola Bíblica nas comunidades.

O texto de apresentação revela o que acreditava e vivia: “Iluminada pelas palavras do profeta Isaías 55,10-11 ofereço-lhes este subsídio de introdução geral ao estudo da Palavra de Deus. Ele é o resultado de dez anos de experiência na área da Cabanagem na periferia de Belém. Experiência que não vivi sozinha mas junto a uma equipe de leigos/as das comunidades desta área, que hoje se chama Núcleo CEBI Cabanagem. Juntos/as bolamos o curso; juntos/as realizamos o curso; juntos/as decidimos colocar por escrito nossa experiência. Por assim dizer, fui escolhida para guardar por escrito a memória da experiência que fizemos e que continua até hoje. A alegria da realização e o proveito foram tão bons que quisemos partilhá-los. Partilha que fizemos primeiramente no CEBI – Pará, que assumiu sua publicação e que agora oferecemos também a vocês.”

Respondendo às perguntas: como o CEBI entrou em minha vida? Encontrei o CEBI ou o CEBI  encontrou-me? Vislumbrei este jeito de ler a Palavra de Deus, antes de encontrar o CEBI. 

Em 1976, a Prelazia de Abaeté ofereceu-me a possibilidade de frequentar um curso de atualização pastoral no ITER em Recife, onde tive a graça de conhecer Dom Hélder Câmara. Na extraordinária equipe que conduzia o curso, destaco Ivone Gebara que me instigou a perseguir a voz das mulheres; Sebastião Gameleira que me introduziu ao jeito novo de se aproximar do Texto Sagrado: Vida-Bíblia-Vida. Confesso não ter entendido muito bem o que ele vinha apresentando. No final do dia, pediu-nos para ler e refletir o Salmo 137 e nos convidou a tê-lo em mente, pois à noite iríamos participar dos ensaios de carnaval numa praça de Recife. Descemos pensando só em nos divertir no ensaio do carnaval. No início, ficamos à margém até que o batuque envolveu-nos, ensaiando o passo, olhando os pés, os rostos … A alegria do carnaval misturou-se às análises de conjuntura, ano de 1976… o estalo! A Palavra vem da Vida do povo e deve voltar à Vida do povo. O carnaval misturou-se com a bíblia. Foi paixão misturando-se com a pedagogia de Paulo Freire.

Obrigada Sebastião Gameleira, obrigada a Madalena, sua esposa, pois no ano de 2000, fomos juntos à Italia em nome do CEBI Intercâmbio, fortalecer os grupos da Leitura Popular da Bíblia, que haviam nascido pelo impulso dos padres do Fidei Donum que haviam atuado no Brasil.

Voltando do curso em Recife, nos anos que se seguiram, como equipe de formação,  empenhamo-nos nos cursos de formações: bíblica, litúrgica, social para transmitir a Palavra de Deus, a Bíblia nasce da vida do povo e volta à vida do povo para transformá-la. 

Neste processo, minha vida transformou-se: outra visão de vida consagrada, de viver a missão, de ser igreja, de ser mulher, de espiritualidade, de pastoral, afinal tinha entrado no Trem das CEBs.

E o CEBI? Foi ele que me encontrou, em 1981, um convite para participar do 1º curso, ao qual não pude responder ‘sim’, pois estava fora do Brasil. O encontro deu-se em 1986 quando voltei a Belém: os grupos de estudo, as capacitações, os círculos bíblicos, voltei à formação das lideranças de CEBs no Instituto de Pastoral Regional Norte II, as aulas bíblicas no Curso de formação dos futuros pastores para a Amazônia, a articulação sempre mais estreita com o CEBI Nacional.

Paro um istante, imagino ter em mãos um álbum de fotografias. Folheio e vem ao meu encontro rostos: Frei Carlos, Agostinha, Jether, Milton, Neli, Teresa… O primeiro encontro da Leitura Ecofeminista, naquele tempo dizíamos:  ‘Na ótica da mulher’… Seminário: metodologia e pedagogia do CEBI… Ecumenismo… Assembleias… Dabar… as conversas… as amizades… as trocas de experiências… de comidas e de bebidas… O álbum da vida … Vida-Bíblia-Vida no cotidiano… 

Houve uma produção no CEBI, em comemoração de qual aniversário não me recordo: “Vestir a camisa”, lembro de ter escrito uma poesia, procurei em meus arquivos, mas não encontrei, teria gostado de ler o que escrevi, pois ser CEBI não é só vestir uma camisa, é viver a mística, a espiritualidade do CEBI no cotidiano, além de sua estrutura, fragilidades, desvios e retomadas do caminho.

Concluo esta conversa com vocês partilhando uma das últimas assessorias que vivenciei.  De 14 a 21 de janeiro de 2023, estive em São Gabriel de Cachoeira, no Rio Negro, no coração da Amazônia, diocese mais extensa do Brasil: tem 294.000km². É também a mais indígena, pois 90% da população é constituída por Povos Originários de 23 etnias, falando 18 línguas originárias. O convite veio de Dom Edson Damiani: temos a Escola de Formação Teológica para leigos e leigas, acontece na segunda quinzena de janeiro e julho reunindo aproximadamente 90 representantes das 11 paróquias. Cada etapa aborda dois temas diferentes. Vinha em São Gabriel da Cachoeira assessorar a 4ª Etapa da Escola de Formação de Lideranças, com o Tema ‘A Mulher na Bíblia’. Na hora, senti um frio na barriga, o desafio e o receio em ter que confrontar meu pensar com o pensar das culturas indígenas sobre a mulher. Desafio e receio, nunca fui de recusar desafios, aceitei e fui.

Receio e medo quase me paralisaram quando me vi frente a um auditório formado em sua maioria por homens indígenas, uma pequena minoria de mulheres, uma pequena minoria vinda de outras regiões do Brasil. Mas tinha me jogado na água, então tinha que nadar ou ia me afogar. Em pensamento, vem Divina Ruah! E, ao longo da semana fui nadando: nas apresentações, na escuta, no aprimorar a linguagem, nas trocas de ideias, nas conversas, na inculturação daquilo que eu apresentava, no mundo e na cultura deles, na convivência e nas comidas, vivenciei o que sempre experimento nos cursos e nos encontros junto ao povo: enriquecimento recíproco, partilha de saberes. Minto: o que vivenciei foi bem maior, foi espanto e maravilha, foi encontro de saberes, foi encontro de culturas, foi… Ao apresentar as temáticas, as narrações bíblicas, cresciam o espanto e a maravilha, os participantes do curso em sua sabedoria quase com naturalidade reconheciam o pensar, o agir que havia nas suas culturas, até em alguns de seus mitos, nas relações quer na vida, quer nas comunidades. Os homens questionando seu patriarcalismo. As mulheres fortalecendo sua dignidade. Crescendo juntos, juntas na utopia de uma Igreja inclusiva e sinodal.

No final da semana, como de costume, houve uma noite de confraternização. Os grupos étnicos apresentaram suas danças, ofereceram colares. Tomei a palavra e expressei um pensamento que me habita: sou o que sou hoje graças à Amazônia, ao povo amazônico, sobretudo às mulheres amazônicas. Minha humanidade, mulher, cristã, amazônica, graças a vocês, faz-me o que hoje sou!

Maria Teodolinda Frigerio, conhecida por Tea, aportei ao Brasil com um sonho, ser missionária, viver a missão, hoje me sinto missionada, pois me albergam a paixão pela CEBs, Igreja Povo de Deus, a paixão pelo CEBI, estas duas paixões levaram-me a ler a Palavra como ecofeminista, descolonizá-la, sentir a presença Divina na Amazônia, Mãe Terra, a conexão e a interligação com todos os seres e os povos que a habitam.

Gratidão Divina Ruah que com teu vento ora leve, ora forte, ora silencioso, carregaste-me e continua me carregando em tuas asas.

Comecei esta conversa com um canto e a termino com outro canto:  

Ê Ê Ê MULHER! Ê Ê Ê!
Mulher que acaricia
Mulher que amassa o pão
Mulher na liderança e na revolução
Mulher que traz no ventre nossa libertação!

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