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Rafael Rodrigues da Silva – CEBI 46 Anos

Em julho de 2025, o CEBI completa 46 anos de caminhada.
Quase meio século de Bíblia partilhada, pés descalços no chão da vida, vozes que se levantam em defesa do povo e da criação.
A seguir, você vai ler uma dessas lembranças.
Leia com o coração aberto e talvez encontre aí um pedacinho da sua própria história.


Rafael Rodrigues da Silva

Estimadas pessoas do CEBI e da caminhada bíblica. Quero compartilhar uma experiência na metodologia de leitura da Bíblia que aconteceu no ano de 1987 na cidade de São Simão/SP com lideranças das comunidades de São Simão, Santa Rita do Passa Quatro, Cravinhos e Santa Rosa do Viterbo. Encontro que teve a assessoria de Luiz Torres Bedoya, Mitiê M. Takahashi e  Rafael Rodrigues da Silva. Esta experiência foi publicada no Por Trás da Palavra nº 43 de 1987.  O encontro teve como objetivo contribuir numa perspectiva educativa e popular com as lideranças para a apropriação da Bíblia, questionando a prática de muitos assessores de passar conteúdos sabidos a um público pouco ou nada entendido em conhecimentos bíblicos.  

Começamos por apontar cinco aspectos importantes: 1) a relação entre o texto bíblico, a siuação de vida do povo e a comunidade; 2) esta relação entre Bíblia-Realidade-Comunidade tem de estar no desenvolvimento do encontro e não se reduzir a uma mera explicação; 3) a proposta prática de estudo que compreende os trabalhos em grupos, os plenários, as técnicas e as dinâmicas, o roteiro de estudo e a relação entre assessores e participantes; 4) o importante dessa prática de estudo não é a soma de conhecimento e opiniões dos assessores e, sim, a partilha em mutirão das descobertas de todas as pessoas participantes; 5) a real função e do assessor: quando militante, autêntica e honesta: longe de se guiar pela imposição “conscientizadora” de um critério, de uma ideia, de um comportamento eclesial e/ou social; entende-se fundamentalmente como acompanhamento na caminhada do povo, o caminhar junto, colocando-se no mesmo nível dos desafios da experiência, realizando com os participantes o mesmo processo de apropriação de uma “ferramenta”, no caso, a maneira de ler e usar a Bíblia. 

O tema geral do encontro foi: metodologia para uso e leitura da Bíblia nas comunidades e o objetivo consistiu em fornecer uma metodologia prática para ler e estudar a Bíblia, visando sua apropriação pelos participantes para no futuro, com independência de assessores vindos de fora, eles mesmos poderem, livre e criativamente, programar, preparar e realizar encontros de estudo ou reflexão bíblica em suas comunidades. Apresentamos os sete passos desta experiência, tendo cada um seu tema especifico, objetivo e roteiro de estudo (conteúdo motivador, exercício prático e apropriação do conteúdo a partir da plenária dos grupos).

Primeiro passo: Celebrando nosso encontro. Com o objetivo de conhecer as expectativas dos participantes e deles entre si num clima de celebração de fé, realizamos a conversa por comunidades. Cada grupo apresentou suas expectativas acompanhadas de um texto ou cântico.

Segundo passo: Como se lê a Bíblia nas comunidades?  Neste passo, buscamos tomar consciência das diferentes maneiras de ler a Bíblia. A assessoria expôs as vantagens e os limites presentes em diferentes modos de ler a Bíblia. Em grupos (por comunidade) refletiram acerca das leituras da Bíblia em seus espaços e fazendo uso de imagens, desenhos, dramatizações, símbolos, etc., expuseram a situação da leitura da Bíblia em suas comunidades. O resultado na plenária foi o seguinte: Numa comunidade, 80% tem a Bíblia em casa a partir de um trabalho de divulgação dos carismáticos, porém são poucos os que participam dos círculos bíblicos e, na maioria dos casos, a Bíblia serve apenas como adorno para sua estante. Há comunidades em que existe uma leitura interesseira, feita por grupos que exercem atividades paroquiais, tais como: liturgia, pastoral da saúde e pastoral do dízimo. Uma comunidade apresentou o conflito entre a leitura nos círculos bíblicos (a partir da realidade) e a leitura do padre nas celebrações, dizendo coisas que nada tem a ver com as leituras e com a realidade. Também algumas comunidades usam a Bíblia somente no mês da Bíblia e outras conseguem levar avante a leitura em grupo e a partir da realidade. 

Terceiro passo: Proposta de leitura da Bíblia – a realidade é o “chão” de nosso estudo. Com a intenção de mostrar a relação entre Bíblia – Realidade – Comunidade – foi apresentada a imagem de uma mesa de três pés. A situação da vida do povo é e deve ser sempre o “chão” de nossa leitura da Bíblia, o ponto de partida porque foi deste modo e não de outro que Deus se comunicou com seu povo. 

Só depois de reconhecer nosso “chão”, podemos recorrer à Bíblia para iluminar nosso presente, procurando nela uma situação semelhante à nossa, estudando-a e refletindo sobre ela. O Espírito ajudar-nos-á a enxergar o que Deus espera de nós e de nossa realidade para o serviço de seu povo. 

Em pequenos grupos, analisamos a realidade da região e logo depois passamos a lembrar algum texto que tem a ver com a atual situação do povo na região e trazer para o plenário.

A realidade que os grupos apresentaram: desemprego; alto custo de vida; fome; injustiça; falta de moradia, falta de assistência médica; falta de escolas e creches; mulher desvalorizada; prostituição, revolta nas famílias; desagregação, despersonalização; vícios, roubos; opressão social, política e econômica.

Os textos bíblicos sugeridos: Rm 1,18-22; Mq 3 e Mt 13,24-30. Os participantes optaram pelo texto de Miquéias para o estudo.

Quarto passo: Tirando uma foto do texto. É necessário descobrir a situação do povo que transparece no texto (contexto) e a experiência de fé da comunidade que escreveu o texto (pretexto). Todo texto da Bíblia deve ser aprofundado levando em conta a situaçao do povo do tempo em que foi escrito e a comunidade de fé que deu lugar a esse texto... Trata-se de refazer a mesma relação entre Bíblia – Realidade e Comunidade crente. Em palavras mais simples: o texto bíblico é como uma planta que podemos cultivar com proveito na medida em que conhecemos seu solo de origem (realidade do texto) e a quantidade de água que precisam(comunidade de ). Cada planta tem um chão próprio e a água que a regou, ajudando-a a crescer. O mesmo acontece com o livro da profecia de Miquéias: é testemunho de uma comunidade crente inserida numa realidade. 

Para descobrir a mensagem da palavra profética, precisamos de:

  1. Conhecer a realidade do texto
  2. Saber para quem foi escrito

Para conhecer a realidade do texto e seus destinatários, é necessário descobrirmos por nós mesmos, lendo o próprio texto e tirando uma fotografia. 

Foram organizados pequenos grupos para ler  atentamente o texto  para responder a duas 

questões: Qual é a realidade do povo daquele tempo, por trás do texto? Para quem é dirigido este texto?

Quinto passo: Tirando um raio X do texto. É importante uma leitura atenta e crítica da Bíblia. Utilizamos a leitura dos “4 lados”. A intenção é enxergar a situação do povo por trás das palavras da profecia (do texto). A ferramenta da leitura sociológica  possibilitará a busca das seguintes informações: 

  1. Econômico: o que se produzia? Quem produzia? Quem trabalhava? Como se vivia?
  2. Social: Como as pessoas relacionavam-se? Havia grupos? Quais eram seus interesses? Como se relacionavam entre si?
  3. Político: Quem governava? Como governava? Qual a relação com o povo e com outros grupos sociais?
  4. Ideológico: O que o povo e os diferentes grupos sociais achavam da vida? da religião? da política? da sociedade? dos governantes?    

No plenário, os grupos são convidados a partilhar as descobertas feitas em forma de dramatização.

Em mutirão, ver as semelhanças e as diferenças entre o ontem (texto) e hoje; entre o tempo da profecia de Miquéias e nossa realidade.

Sexto passo: Colhendo informações. Este passo é o da confrontação, verificação e/ou complementação das informações descobertas pelo grupo na leitura do texto e as informações que encontramos em subsídios. Os chamados subsídios são materiais de ajuda para uma melhor apropriação dos conhecimentos do texto. Temos dois tipos de subsídios: a) Fontes de dados – sobre a geografia, história, costumes, economia, politica. Informações sobre autoria dos livros e contexto histórico-literário. b) Comentários – que visam a interpretação de um texto, seu propósito e mensagem. Devemos tomar todo cuidado com os comentários, pois o grupo pode correr o risco de reproduzir as ideias do autor ou dos autores dos comentários. 

No encontro, cada grupo foi pesquisar nos subsídios que estavam ali disponíveis (Bíblias, revistas, livros, artigos) e pesquisaram os dados que encontraram: época do texto; situação nacional e internacional do tempo da profecia de Miquéias, lugar do livro na Bíblia e a relação com as outras profecias.

Sétimo passo: A Palavra de Deus traz clarões para mudar a situação do povo – celebração de nosso estudo. O objetivo deste último passo é de celebrar o estudo, demonstrando a ligação entre o estudo do texto, a celebração da Palavra e a realidade de nossa vida. A Palavra de Deus, quando apropriada pela própria experiência, traz clarões sobre a situação de vida do povo, sobre nosso comportamento cotidiano e sobre os meios eficazes de transformação da sociedade em que vivemos. Por isso, ao final do estudo, podemos celebrar nossa fé e nossa esperança. 

Uma celebração autêntica teria que recuperar para nós, aqui e agora, pela palavra do profeta Miquéias, a ação libertadora de Deus em favor de seu povo e nos levar a renovar nosso compromisso cristão de luta pela conquista dos direitos do povo e de serviço à comunidade cristã a partir dos pobres.

Se o estudo tinha por objetivo apropriar-nos de uma metodologia para ler a Bíblia corretamente, a celebração de nosso estudo apresenta-se como a ponte que une esse estudo com a realidade do dia a dia. Uma procura autêntica e honesta da Palavra tem que  nos levar a uma mudança pessoal para transformar nosso cotidiano e nossa sociedade a serviço do povo e da comunidade eclesial.

Por grupos/comunidades,  ver os clarões  que o estudo do  texto de Miquéias  trouxe para a região e para a prática pastoral e o compromisso assumido na continuidade do estudo e  da leitura da  Bíblia em nossa caminhada. 

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