
Em julho de 2025, o CEBI completa 46 anos de caminhada.
Quase meio século de Bíblia partilhada, pés descalços no chão da vida, vozes que se levantam em defesa do povo e da criação.
A seguir, você vai ler uma dessas lembranças.
Leia com o coração aberto e talvez encontre aí um pedacinho da sua própria história.
Sílvia Souza
Mulher negra/preta, Mãe solo, Biblista Popular – CEBI PE, Bacharel em Comunicação
Inicialmente os textos bíblicos foram alimentados pela Vida, nutriram-se das experiências do povo, desenvolveram-se, caminharam, emaranharam-se nas cabeças, por vezes, distantes dos contextos, de tal modo que a interpretação bíblica e a Vida têm dificuldades para se comunicar. “Foi para devolver a Bíblia às mãos do povo que nasceu o Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos-CEBI”, no dizer de Frei Carlos Mesters. Irmã Agostinha diz-nos que a gestação deu-se entre muitos cochichos de resistência, parto feito por muitas mãos ecumênicas. Assim se passaram 45 anos desde aquelas primeiras conversas e o primeiro recitar do “salmo de Jesus”, o Pai Nosso…
Preservando este legado, tenhamos a transformação como característica permanente e assumamos o desafio de não permitir que o CEBI seja aprisionado pelas estruturas e se afaste da vida do povo que o gerou. O apelo é nos empenharmos para que a memória dos passos dados seja impulso para os passos presentes e futuros.
A exemplo do povo da Bíblia, cebianas e cebianos seguem contando sua história, lembrando as motivações para caminhar. Foi assim, que aos 40 anos (2019), publicou-se o PNV 380 – Faíscas da Vida, faíscas de Deus – Memórias de Espiritualidade, um livro que recorda, isto é, passa novamente em nossos corações, as forças que nos impulsionam “a viver o desejo amoroso de oferecer um serviço-partilha de atitudes amorosas” (Agostinha de Melo).
Nos escritos do PNV 380, percebe-se que é impossível conceituar ou definir a mística vivida no CEBI. Alguém ainda pode insistir e perguntar, mas afinal, o que é mística? Uma cebiana respondeu: “se eu soubesse lhe dizer, não seria mística e sim teoria”. No dizer de outro cebiano, “mística é o que se precisa para viver”. Podemos acrescentar, viver plena e abundantemente em nossos territórios, no planeta e no universo.
A mística é como o ar trazendo o oxigênio e, para além das forças físicas, é também mantenedora da possibilidade infinita de contínua resistência e esperança. Faz-se necessário assentar-se em rodas de conversas, círculos bíblicos, escolas bíblicas, encontros, conversas de corredores, mesas de refeições regadas a sucos, cervejas, cachaças, água, vinho e tudo que dá prazer. É preciso cantar, dançar, recitar, rir e chorar, orar, mover-se nas ruas, ladeiras, subúrbios, periferias… e ao final não conseguir explicar o porquê de, mesmo no escuro, existir esse povo que segue cantando. Aliás, por vezes, parece até que a escuridão, o desafio, tornam mais potente o canto, a resistência e a esperança.
A mística que impulsiona a vida das pessoas no movimento cebiano, alimenta-se de uma espiritualidade caminhante, contextualizada e pulsante. No mesmo PNV 380, em um texto escrito em 1999 (por ocasião dos 20 anos do CEBI), estão elencados alguns traços desta espiritualidade: ALEGRIA, RESISTÊNCIA, LIGAÇÃO COM A TERRA, PROFECIA, ATITUDE [VIVÊNCIA] ECUMÊNICA, ATITUDE [VIVÊNCIA] RELACIONAL.
É uma espiritualidade profética, indignada, ativa, ao mesmo tempo reflexiva, contemplativa e orante, desembocando em percepções vindas inesperadamente, quando nos deixamos tocar pelo que há de pequeno e simples e ou contagiar pela esperança encarnada na luta do povo. No PNV Faíscas da vida…, Frei Carlos Mesters partilha duas destas percepções pessoais, as quais ela chama clarões:
O primeiro clarão
Diante da vida do povo sofrido, a gente não fala, só sabe calar. Esquece as ideias do povo sabido e fica humilde, começa a pensar. Comecei a pensar…, Ainda estou pensando… |
O segundo clarão
Os fatos da vida com tudo que tem São uma pintura rasgada para mim; Toda ela desfeita em muitos pedaços, confusa, sem nexo, sem muito sentido: Desfigurou-se o rosto que nela se via. … E vai ser o dia em que vou encontrar A chave da vida, o sentido das coisas, O amor que me leva a total doação. Vou ver esse rosto que tanto me atrai! |
Buscando outros clarões
Ao seu lado estava eu, qual mestre de obras, sujeita de suas delícias, dia a dia brincando o tempo todo em sua presença. Brincando em sua órbita terrestre, junto a humanidade, acho meus encantos.
Pr 8,30-31
Celebrando os 45 anos do CEBI, somos conclamadas/os a manter, em nossas relações com a Bíblia e a Vida, a leveza, a beleza e a liberdade do Deus criador e de sua companheira, personificada na Sabedoria, que seguem deliciando-se mutuamente e se encantando com a humanidade.
Vida é a mais profunda inspiração do CEBI,
Bíblia é exortação para promover Vida.
Fontes: PNV 380 – Faíscas da Vida, faíscas de Deus – Memórias de Espiritualidade.
PNV 393 De águas, vento, palavra e papel