Reflexão do evangelho por Pe. Thomas Hughes sobre Mc 9, 30-37.Boa leitura!
Na estrutura do Marcos, depois da chamada “Crise Galilaica”, manifestada no episódio da Estada em Cesareia de Felipe, Jesus muda totalmente de tática e estratégia. Ele não anda mais com as multidões, quase não faz mais milagres – dos 19 milagres em Marcos, somente dois são realizados após o acontecimento em Cesareia.
Em lugar disso, Ele se dedica à formação dos seus discípulos, tentando inculcar neles as atitudes de verdadeiros discípulos, ensinando-os que o caminho d’Ele é o caminho da Cruz, da entrega, da doação, e não da busca do poder, da glória ou da fama. Marcos demonstra isso de uma maneira bem organizada. Em três ocasiões, Jesus anuncia a sua futura paixão (8, 81; 9, 31; 10, 33-34). Em cada ocasião os discípulos não compreendem (8, 32; 8, 34; 10, 35-37), e a partir dessas incompreensões Jesus dá um ensinamento, aprofundando vários aspectos do verdadeiro seguimento d’Ele (8, 34-38; 9, 35-37; 10, 38-45).
O trecho em questão trata do segundo desses três acontecimentos. A coragem da dificuldade é a tentação do poder. Embora Jesus tenha deixado bem claro, pela segunda vez, que o seguimento d’Ele é uma vida de entrega, até à morte, em favor dos outros, os Doze discutem entre si qual deles seria o maior!
O poder é tentação permanente em todas as comunidades, não isentando as Igrejas! Podemos até dizer, com certa dose de humor, que a busca de poder está no DNA das pessoas humanas! Talvez mais do que qualquer outro motivo, a sede do poder tem sido o que mais tem corrompido nas Igrejas – mais ainda do que a imoralidade ou a ganância financeira.
No século dezenove o estadista e historiador católico inglês Lord Acton falou que “todo poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente” – e não há poder mais perigoso do que o religioso, exercido em nome de Deus!
Quantos sofrimentos e males são causados por essa sede de poder, disfarçada como mandato de Deus! Desde o fundamentalismo fanático do Talibã no Afeganistão, até a ufania de certos padres – mormente recém ordenados – que se ostentam com roupas finas e carros do ano e, de uma maneira opressora, dominam religiosas e leigos de muito mais experiência e sabedoria do que eles… a sede de poder e de dominação, sempre em nome de Deus ou de Jesus, continua a distorcer a vida de muitas comunidades religiosas, dentro e fora do Cristianismo.
No fundo é por isso que certos setores da Igreja se colocam frontalmente ou veladamente contra o Papa Francisco. Como escreveu o teólogo dominicano sul-africano Alberto Nolan OP, “Jesus tem sido mais frequentemente honrado e venerado por aquilo que ele não significou, do que por aquilo que ele realmente significou. A suprema ironia é que algumas das coisas, às quais Ele mais fortemente se opôs na sua época, foram ressuscitadas, pregadas e difundidas mais amplamente através do mundo – em seu nome.”
O poder-dominação é frequentemente um desses elementos.
Diante da recusa dos seus discípulos em entender o seu ensinamento, Jesus, o Servo de Javé, pega uma criança como símbolo de quem deve segui-Lo. Não porque criança é sempre santa nem inocente! Mas porque é sem-poder, dependente dos adultos em tudo. No tempo de Jesus, criança não tinha direitos, e estava entre os últimos da sociedade. Os seus discípulos são convidados a despojar-se do poder para serem servos, da mesma maneira que o Mestre, Ele que “não se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte da cruz” (Fl 2, 6-8).
O poder em si é um bem – para ser usado a serviço dos outros! Todos nós – clero, religiosos/as, leigos/as – somos vulneráveis diante da tentação do poder. Levemos a sério o ensinamento de hoje, pois só pode ser discípulo de Jesus quem procura ser servo/a de todos! Evitemos títulos, privilégios, e comportamentos que tão facilmente poderão nos afastar do seguimento do Senhor.
Que o nosso modelo seja sempre Ele – e não a sociedade vigente, onde é o poder que manda. A nossa força vem da Cruz de Jesus, a fraqueza do Deus “que escolheu o que o mundo despreza, acha vil e sem valor, para destruir o que o mundo pensa que é importante” (1Cor 1, 28).