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Reflexão do Evangelho: Vozes do Natal

“Dominada pelos tiranos e prepotentes, as relações socioeconômicas e político-culturais destilam opressão, miséria e sofrimento. O povo caminha com os olhos baixos e os ombros vergados sob o peso de um fardo maior que suas forças. Uma vez mais, Deus vem abrir os horizontes do percurso histórico. Vem apontar distintas veredas, outras possibilidades, alternativas inovadoras”, escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais.

Advento é o tempo litúrgico em que somos convidados a escutar as vozes dos protagonistas que nos acompanham no percurso de preparação ao Natal. Entre tais vozes, provindas dos relatos evangélicos da infância de Jesus, deparamos com anjos e pastores, profetas e profetizas, soberanos e gente comum. Aqui centramos a atenção em quatro desses protagonistas: Isaías, João Batista, Maria e José.

Voz de Isaías. O grande profeta do Antigo Testamento. São dele muitos poemas sobre a vinda do Messias, quando todas as pessoas e todas as nações formarão um só povo. Em particular, os que percorreram os caminhos do êxodo e do deserto, do exílio e da diáspora, terão acesso ao pão, à paz e à pátria. Porque “o povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou para os que habitavam um país tenebroso” (Is 9,1). Dele Jesus extrairá a expressão que, segundo alguns estudiosos, representa o programa de sua atividade evangelizadora: “O Espírito do Senhor está sobre mim, orque Ele me ungiu. Enviou-me para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação aos escravos e por em liberdade os prisioneiros; para proclamar o ano de graça do Senhor (Is 61,1-2; citado em Lc 4,18-19). A Boa Nova do Reino de Deus haverá de ser central em toda a mensagem do profeta itinerante de Nazaré – uma viga mestre de todo o edifício.

Voz de João Batista. A cavalo entre o Antigo e o Novo testamentos, simboliza a passagem da antiga para a nova aliança. Vem como precursor de Jesus. “Preparai os caminhos do Senhor”, diz sua voz rude, sisuda e solitária, que clama no deserto. O batismo e a conversão, segundo ele, são a melhor forma de preparar-se para a novidade.

Preparar o Natal e preparar-se para o Natal!

Diferentemente do discurso das bem-aventuranças ou da linguagem do perdão e da misericórdia do Mestre, entretanto, João não exita em esgrimir a palavra como uma verdadeira arma, para falar do julgamento que se avizinha: “o machado já está posto na raiz das árvores. E toda a árvore que não der bom fruto, será cortada e jogada ao fogo” (Lc 3,9). Mas reconhece que “no meio de vós existe alguém que vós não conheceis e que vem depois de mim. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias” (Jo 1,26-27). Ele mesmo apontará o Messias a seus próprios discípulos, alguns dos quais o deixarão para seguir Jesus.

Voz de Maria. Perturbada pela inesperada visita do anjo Gabriel e por suas palavras iniciais, igualmente inesperadas – “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo” – Maria pede explicação sobre a notícia de que deverá ser mãe. Depois do diálogo entre ela e o visitante, sua resposta não deixa dúvidas: “Eis a escrava do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,26-38). O Senhor Deus, aquele que havia libertado os escravos das garras do Faraó, no Egito, irrompe novamente na história humana.

Dominada pelos tiranos e prepotentes, as relações socioeconômicas e político-culturais destilam opressão, miséria e sofrimento. O povo caminha com os olhos baixos e os ombros vergados sob o peso de um fardo maior que suas forças. Uma vez mais, Deus vem abrir os horizontes do percurso histórico. Vem apontar distintas veredas, outras possibilidades, alternativas inovadoras. A jovem de Nazaré, imediata e inteiramente, dispõe-se a contribuir com o projeto de Deus. “De agora em diante todas as gerações me chamarão bem-aventurada”, canta Maria, sem orgulho e sem falsa humildade (Lc 1,48b).

Voz de José. Nos relatos evangélicos, é uma das personagens que jamais faz ouvir sua voz. Como Maria, também ele aprendeu a silenciar e a prestar atenção à voz dos anjos, voz que sussurra em meio ao mistério das coisas, das pessoas, da história, do universo e de Deus. Talvez, como diria Santo Agostinho, seja a voz que “dentro de mim sabe mais sobre mim que eu mesmo”. Por isso, José é chamado “homem justo, e não queria denunciar Maria” (Mt 1,19). Representa a voz de quem não fala, do silêncio pleno de sabedoria. Porém, será sempre o homem certo, no lugar certo e na hora certa. Voz de quem se dispõe a agir, voz de quem coloca em prática o projeto de Deus. Descoberto o segredo do mistério, põe-se logo em movimento e, qual guardião desse grande tesouro, passa a defender a família das adversidades. Verdadeira personificação do serviço ao próximo e a Deus.

Fonte: Publicado pelo Instituto Humanitas, 15/12/2017.

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