Entrevista especial com Constância Ayres Lopes
"Coletamos amostras de mosquitos nas casas de pacientes com Zika e conseguimos detectar o vírus em algumas amostras do pernilongo, o que demonstra que ele pode fazer parte do ciclo de transmissão deste vírus”, diz Constância Ayres Lopes, integrante da equipe do Instituto Aggeu Magalhães – IAM, da Fiocruz em Recife, Pernambuco, que classificou o pernilongo comum, também conhecido como muriçoca (Culex quinquefasciatus), como um dos vetores que tem transmitido o Zika vírus no Brasil.
Apesar dos testes já realizados, Constância frisa, na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, que ainda não se sabe "qual a importância do Culex na epidemia de Zika, ou seja, se ele é um vetor importante ou não”. Caso seja confirmado que o Culex é um vetor primário, diz, "estratégias de controle deverão ser criadas para combater esta espécie também, e não só o Aedes aegypti”.
Inclusive, pontua, "os países que não têm o Aedes aegypti e que acreditavam estar livres do Zika, deverão se preocupar também, pois muito provavelmente nesses países tem o Culex”.
De acordo com a bióloga, no Brasil, o Culex "não é combatido porque não é um vetor importante”. Apenas em Recife há o controle dessa espécie, porque lá "ele é vetor da Wuchereria bancrofti, um verme que causa a filariose”, também conhecida popularmente como elefantíase, e que causa inchaço e engrossamento da pele e tecidos subjacentes.
As evidências sobre a relação do pernilongo comum com o Zika vírus foram divulgadas no início do mês passado, mas segundo a pesquisadora, por enquanto não há novas informações a respeito e o Culex está sendo analisado em outras cidades do país.
Constância Ayres Lopes é graduada em Ciências Biológicas, com mestrado em Genética pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e doutorado em Biologia Celular e Molecular pela Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz. É pesquisadora Titular em Saúde Pública do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fiocruz-PE. Atualmente ocupa o cargo de Vice-diretora de Ensino e Informação na Fiocruz-PE.
Confira a entrevista.
Constância Ayres Lopes – Para incriminar uma espécie como vetor é necessário cumprir algumas etapas: primeiro, provar que aquela espécie é suscetível à infecção pelo patógeno; segundo, provar que ela pode transmitir aquele patógeno. Essas duas são etapas experimentais feitas em laboratório através de alimentação sanguínea artificial com o vírus. São estudos de competência vetorial, que demonstram que o mosquito se infecta e permite a replicação do vírus em seu interior até atingir a glândula salivar, de onde ele é transmitido para outro hospedeiro. Nós mostramos em laboratório que o Culex quinquefasciatus (muriçoca ou pernilongo) cumpre estas duas etapas, ou seja, é possível infectá-lo artificialmente em laboratório e este mosquito consegue replicar o vírus na glândula salivar e liberar o vírus na saliva.
Depois, em terceiro, é preciso mostrar que esta espécie de mosquito se alimenta daquele hospedeiro (no caso, o homem). Isso não precisamos provar, pois todo mundo já sabe e já está bem estabelecido na literatura a preferência do mosquito pelo homem. Por último é necessário mostrar que, na natureza, o mosquito se encontra naturalmente infectado. Então coletamos amostras de mosquitos nas casas de pacientes com Zika e conseguimos detectar o vírus em algumas amostras do pernilongo, o que demonstra que ele pode fazer parte do ciclo de transmissão deste vírus.
IHU On-Line – A partir desta descoberta, o que muda em relação ao modo como os cientistas estavam trabalhando em relação ao Zika vírus até o momento?
Constância Ayres Lopes – Não sabemos ainda qual a importância do Culex na epidemia de Zika, ou seja, se ele é um vetor importante ou não. Caso se comprove que ele é um vetor primário, estratégias de controle deverão ser criadas para combater esta espécie também, e não só o Aedes aegypti.
IHU On-Line – Quais os riscos de aumentar a transmissão de Zika, dado que o vírus pode ser transmitido pelo pernilongo comum?
Constância Ayres Lopes – Se ele é um vetor importante, a transmissão já devia estar acontecendo com o envolvimento desta espécie, então não muda muito daqui para frente. O que deverá mudar são as formas de controle. Outra coisa importante é que os países que não têm o Aedes aegypti e que acreditavam estar livres do Zika deverão se preocupar também, pois muito provavelmente nesses países tem o Culex.
IHU On-Line – Segundo notícias da imprensa, foram feitos testes com o pernilongo comum encontrado na região de Pernambuco. Como está sendo desenvolvida a pesquisa com o mosquito Culex neste momento?
Constância Ayres Lopes – Sim, estamos analisando Culex de outras cidades do país.
IHU On-Line – Recentemente você declarou que não existem estratégias de controle do Culex no Brasil. Como se tem lidado com o Culex no país? Dado que se trata de um pernilongo comum, é normal que não tenha havido uma estratégia de controle até o momento?
Constância Ayres Lopes – No Brasil ele não é combatido porque não é um vetor importante, apenas em Recife ele é vetor da Wuchereria bancrofti, um verme que causa a filariose, uma doença que no Brasil só existe em Recife atualmente. Então temos um programa para o controle desta espécie nas áreas de transmissão. Mas em todo o resto do país não há nada para seu controle. Em outros países, como os EUA, o Culex é vetor do vírus do oeste do Nilo (West Nile virus), então ele é fortemente combatido.
IHU On-Line – Dada essa nova descoberta, o que deve mudar nas medidas de controle do Zika vírus, por exemplo? Já é possível vislumbrar o que seriam medidas adequadas e efetivas para enfrentar as doenças vetoriais no país?
Constância Ayres Lopes – Saneamento básico é fundamental, e formas de controle que visem também a muriçoca (pernilongo), que seria o tratamento de criadouros com água poluída como fossas e esgotos. A prevenção da picada também é importante principalmente pelas gestantes, e isso deverá ser feito durante a noite já que o pernilongo pica à noite. Isso poderia ser feito pelo uso de mosquiteiros, por exemplo, ou pelo uso de repelentes na hora de dormir.
*Por Patricia Fachin, do IHU