Pesquisa nacional sobre população em situação de rua, realizada entre agosto de 2007 e março de 2008, pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), estima que há cerca de 50 mil pessoas nessa condição no Brasil. Essa população, segundo o levantamento, se caracteriza por ser um grupo heterogêneo, mas que tem em comum a pobreza extrema, vínculos familiares fragilizados e inexistência de moradia convencional regular.
Essa parcela dos brasileiros é retratada também por utilizar espaços públicos, como praças, jardins, canteiros, marquises e viadutos, além de locais abandonados, como prédios, ruínas e carcaças de veículos como abrigo, temporário ou permanente. Sofre intensa discriminação social e está marginalizada do acesso a direitos fundamentais do cidadão.
Dados do Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Materiais Recicláveis (CNDDH) indicam que, de abril de 2011 a abril de 2014, contra essa população foram registradas no país um total de 1.176 denúncias de violência física (entre estes, 710 homicídios) e 680 de violência institucional, dentre outros casos.
De acordo com a coordenadora da Pastoral Nacional do Povo da Rua, Irmã Cristina Bove, a atual política nacional do governo brasileiro para a população que vive nessas condições tem caráter inovador e conta com aporte de investimento significativo por parte do MDS. Porém, ainda se sustenta em um projeto assistencialista. "Ficar apenas na proteção não dá o fluxo que a pessoa precisa para superar a rua”, aponta.
Para avançar na questão, segundo Bove, seria necessária uma vinculação com políticas de trabalho, saúde, educação e, principalmente, habitação. "Se a pessoa não tem habitação, não há como se estruturar, (…) fica permanentemente em abrigo”, explica. Além disso, para ela, são necessárias ações articuladas de segurança alimentar e uma base sólida de indicadores sobre essa parcela da população, que deem subsídios para as políticas públicas do setor.
Restrição e discriminação
Foi a essas circunstâncias que se somou uma determinação arbitrária da organização da Copa do Mundo, que impôs restrições ao acesso e permanência dessa população nessas áreas durante o evento. O CNMP entende que tal medida infringe a igualdade de condições dos cidadãos no acesso aos direitos e no atendimento público, além de negar o direito constitucional de locomoção dessas pessoas, uma vez que as ruas são bens de uso comum.
Para isso o CNMP tem divulgado por todo o país o documento "Diretrizes de atuação do Ministério Público brasileiro em defesa das pessoas em situação de rua”. Ele defende que, durante o evento esportivo, o acompanhamento da questão seja feito de maneira articulada entre órgãos públicos e privados. A pretensão é realizar abordagem social humanizada e promover os direitos dessa população, atentando para casos de violação dos direitos humanos, assegurando sua dignidade e impedindo ações vexatórias ou prisões arbitrárias baseadas em estigmas e preconceitos sociais.
Além disso, os órgãos de defesa deverão avaliar periodicamente e monitorar o entorno dos estádios e locais de festas promovidas pela FIFA (Federação Internacional de Futebol) e seus patrocinadores, prevenindo violações, e averiguar os impactos do evento nessa população. Trabalham ainda com a perspectiva de incentivar a divulgação de canais de comunicação para receber denúncias de violência contra pessoas em situação de rua.
Articulação entre organizações
As diretrizes nasceram de um trabalho conjunto entre diversos órgãos e organismos dos movimentos sociais, que, desde 2013, discutem juntos a questão da população em situação de rua. Segundo o promotor de Justiça Paulo César Vicente de Lima, da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em entrevista à Adital, no último ano, várias discussões convergiram para o acompanhamento focado na Copa do Mundo, mas as ações deverão se estender também após o evento esportivo. "Anteriormente, cada MP tinha suas perspectivas locais. Agora, queremos estabelecer uma linha de atuação nacional”, explica.
Mais próximo dos movimentos sociais, o Ministério Público pretende avançar na atuação em defesa dos direitos fundamentais da população. "Instituição que pretende resolver isso sozinha está fadada ao fracasso”, avalia Vicente de Lima. "Precisamos abrir o MP mais ainda para os movimentos”, reconhece o promotor.
Para o período da Copa, o promotor de Justiça ressalta ainda que o Ministério Público dedicará esforços no diálogo com a população e os órgãos de Segurança Pública, para garantir o direito à manifestação e a não violência durante atos públicos. "A gente tenta com essas mesas de negociação evitar que haja violência para que as pessoas continuem estimuladas a ir para a rua”, indica. "As manifestações na Copa das Confederações (em 2013) foram um marco para a democracia brasileira”, conclui o promotor.
Serviço
No Brasil, para denunciar crimes contra a população em situação de rua, ligue para Disque Direitos Humanos, número 100.