Direitos Humanos

O escândalo do abraço.

Nunca pensei que um abraço pudesse provocar tanto alvoroço. Como não bastasse o corona vírus a reprimir nossas efusões afetivas mandando a gente cortar aperto de mãos e o “xero” típico da afetividade nordestina, uma epidemia de ódio invadiu ainda uma vez as redes sociais para abominar o abraço do dr. Draúzio Varella com Suzy, uma mulher trans encarcerada.
Não conheço a origem das motivações do dr. Dráuzio Varella e de seu notório empenho para com as pessoas encarceradas. Acredito que, acima de tudo, surge de sua profunda e autêntica humanidade que ainda o torna capaz de ultrapassar as aparências, por quanto sujas e embrutecidas possam ser, para descer na profundidade e resgatar a essência humana de qualquer pessoa, independentemente de seu gênero, cor da pele, manifestação religiosa e ficha penal. Dráuzio abraçou a pessoa de Suzy, não seu delito. Seu abraço não a absolveu. Ela continua “pagando na cadeia” pelo crime que cometeu. Nem se configurou como um gesto de desrespeito pela vítima e seus familiares que merecem todo o apoio necessário para superar a dor. Foi a resposta a um apelo de humanidade que conseguiu sobreviver ao processo de desumanização gerado pela violência e implorou uma oportunidade para renascer a vida nova, como também foi a reação adequada de quem, apesar de tudo, continua tendo uma fé inabalável no seu humano e na sua capacidade de dar a volta por cima, sobretudo se puder contar com a ajuda necessária.
Aquele abraço, acompanhado pelo reconhecimento da própria culpa e o arrependimento pelo mal ocasionado, além de significar um incentivo a mudar de vida pode, com o devido tempo, ajudar a curar também as feridas de quem sofreu as consequências da violência. Não podemos esquecer que “o ódio é o veneno que a gente toma para o outro morrer”, isto é, não cura, mas continua matando as vítimas.
Jesus foi Mestre destes abraços. Abraçou o filho pródigo, carregou no colo a ovelha desgarrada, sentou à beira do poço ao lado de uma mulher samaritana cuja vida tinha alcançado o fundo do poço, impediu o linchamento de uma mulher prostituída pelos seus moralistas justiceiros, levantou a cabeça de baixo para o alto para cruzar com um olhar de misericórdia os olhos de Zaqueu que até então só brilhavam à luz da grana acumulada desonestamente, deixou que as mãos impuras de uma pecadora o tocassem, que suas lágrimas lavassem seus pés e seus cabelos os enxugassem, inclusive fez questão de entrar em Seu Reino abraçado a um “bandido” pendurado na cruz ao lado dele.
A justiça deve ser feita, mas deve ser sempre associada à lógica amorosa da gratuidade e do perdão. Nunca pode ser confundida com vingança. Fome de justiça não tem nada a ver com sede de vingança. “A prática cristã da justiça deve aproximar-se mais do perdão que da vingança” (González Faus). Esse é o único caminho para quebrar a espiral da violência.
É bom ficar em alerta: por trás de quem detona este tipo de abraço muitas vezes tem gente que não tem escrúpulos em abraçar milicianos, apoiar políticos enlameados na corrupção, estabelecer relações de interesse com grupos criminosos, beneficiar-se a da influência de pessoas de conduta moral discutível ou até de matar-se para chegar perto de gente famosa moralmente discutível. Ruim não é o abraço misericordioso, mas o abraço da cumplicidade e das alianças perversas.

pe. Xavier Paolillo

Fonte da imagem: Reprodução/GloboPlay

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