via CPT Bahia*
I Encontro de Homens da CPT Bahia é realizado em Salvador
Nos dias 28 e 29 deste mês, 17 homens da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Bahia, agentes das equipes sub-regionais, participaram do I Encontro de Homens na sede da CPT, na capital baiana. O debate central teve foco no machismo e no poder masculino que se impõem em relações de gênero opressivas e desumanizadoras. A assessoria foi de Edmilson Schinelo, do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI) – Mato Groso do Sul, que trabalhou na perspectiva das imagens de Deus e das posturas de homens e mulheres na Bíblia, como luzes para interpretar criticamente nossas atitudes cotidianas contraditórias com nossos ideais cristãos.
A motivação do encontro, reiterada pela maioria dos participantes no início, era a necessidade e a disposição de reconhecer e debater sobre o machismo estrutural que se expressa no cotidiano das relações com as mulheres em geral e com as companheiras da CPT em particular, que ocasionaram a iniciativa. A provocação inicial perguntava se esta disposição era para desconstruir estas práticas e construir outras relações entre homens e mulheres e entre homens, no horizonte do Evangelho de Jesus. Fundamental foi o reconhecimento da condição masculina como privilégio, primeiro de uma série que pode ser de muitos outros privilégios (de raça ou etnia, classe, geração, origem geográfica etc.), o que resulta em desigualdades e opressões, frontalmente opostas ao projeto de Jesus. Tais dificuldades se refletem, entre outras, em relação à nossa corporeidade: “herdeiros de um jeito violento de ser”, nos submetemos à confusão entre masculinidade, rigidez e rispidez.
Distinção fundamental se colocou desde o início: entre o que é próprio da Natureza e o que é obra da Civilização e da Cultura e, como tal, pode ser desconstruído. Também outra, correlata: entre sexo e gênero. Uma confusão que tem sido largamente usada para respaldar atitudes de falsa superioridade de homens, brancos, ricos, católicos, héteros…
A Bíblia está repleta de modelos de masculinidade com que homens se digladiam com o Projeto de Deus: personagens como Abraão, Moisés, Davi, Salomão, Ezequiel, Pedro e outros abusaram de uma pretensa autoridade masculina para impor, com maior ou menor violência, propósitos seus, às vezes confundidos com a vontade de Deus. A leitura crítica de alguns textos bíblicos mostraram como a Bíblia, ontem e hoje, tem sido compreendida por homens em maioria, quando não superficialmente, muitas vezes, de maneira claramente enviesada, numa perspectiva autoritária e machista. Mesmo diante de textos de elaboração ou influência feminista, que nos revelam a face amorosa e companheira de Deus em contraposição a uma imagem sua belicosa e mesmo sanguinária. Por exemplo, no Antigo Testamento, Deus como El Shaddai, traduzido por “Todo Poderoso”, quando se trata, no original, de “Seio Materno” (Gn 49,25 e Sl 131,1-2).
Por outro lado, a Bíblia também nos apresenta exemplos de homens sensíveis, acolhedores, fiéis, reveladores da amorosidade de Deus, tal como José, pai adotivo de Jesus, e em todas referências no Evangelho de João ao Discípulo Amado. Estes homens foram capazes de escutar, de sentir e perceber a importância de cada ser em sua condição humana de igualdade fundamental diante de Deus, sem hierarquias e superioridades.
Estas raízes estruturantes de nosso machismo podem hoje nos explicar, mas não mais justificam nossos comportamentos dominadores e opressivos de nossas companheiras e de nós mesmos, antes nos instigam a superá-los, em prol de coerência e fidelidade ao Deus dos Pobres, dos Pobres da Terra e da Terra de Deus, como cremos e professamos o Projeto de Deus na CPT. Passemos a valorizar bem mais as práticas e valores da igualdade e do respeito, sensíveis uns aos outros, em situações em que nem o homem, tão pouco a mulher, fiquem atrás um/a do/a outro/a, mesmo porque estamos juntos/as no mesmo barco, ao lado um do outro, na vida, no mundo, nos sonhos e lutas por Nova Criação.
As conversas que fizemos no encontro, em grupos e em plenário, levantaram, com inédita franqueza e honestidade, situações, constatações e desafios para novas relações, de amor e respeito, equilíbrio e equidade, com nossas companheiras e entre nós, como também com pessoas de outras orientações sexuais. Concluímos que faz-se necessário a continuidade deste debate, de novo entre nós homens, porque muitos aspectos ainda há para serem discutidos neste meio, e entre homens e mulheres da CPT Bahia, juntos e juntas. Realçamos que a perspectiva bíblica facilita o debate e amplia seu alcance, com mais chances de novas e mais coerentes práticas cotidianas, em casa e no trabalho pastoral.
Entendemos este como um momento histórico para a CPT Bahia, que nos deixa com o sentimento de que resgatar o feminino que há em nós talvez seja a nossa única esperança.
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Texto: Os agentes da CPT Bahia. Publicado originalmente no site da CPT Bahia.