Artigos e Reflexões

Paixão e asfixia: sexta-feira santa em 2021

 

Sexta-feira santa.
Dia do julgamento injusto de um homem inocente.
Dia da condenação, tortura e morte de uma pessoa que lutou por justiça, igualdade, inclusão e dignidade para todas as pessoas.
Jesus Cristo é o símbolo dos condenados deste mundo, das pessoas incriminadas por tribunais, templos e parlamentos comprometidos com projetos desiguais de sociedade.
Jesus Cristo é o nome dos que morrem abandonados nas filas de UTI por falta de respirador.
Jesus Cristo é o corpo de 326 mil brasileiros e brasileiras que nesta páscoa não ocuparão um lugar à mesa com suas famílias.
A morte de Jesus ocorreu não para “cobrir” os nossos pecados, mas para revelá-los.
O pecado de políticos que permitem que empresas furem a fila da vacinação e assim, vulnerabilizem o plano de vacina gratuita para todos.
O pecado de juízes e procuradores que agem politicamente para retirar de um povo a oportunidade de eleições livres.
O pecado de líderes religiosos que fazem aliança com o mercado e usam o discurso da fé para manter as pessoas conformadas com a injusta distribuição de riquezas e a opressão de gênero. O pecado de pastores e padres que abusam da consciência das pessoas ao assombrá-las com as ameaças de um Deus masculino e vingativo.
O pecado das pessoas de “bem” que se tornam caluniadoras, propagadoras de mentiras, divulgadoras do engano.
O pecado de quem justifica a violência contra meninas e mulheres e assim, torna aceitável o estupro e o feminicídio.
O pecado do racismo, da homofobia, da transfobia, que não apenas violenta a dignidade, mas promove a morte das pessoas negras, indígenas, homossexuais, transsexuais.
O pecado de quem, em nome da fé, faz com as pessoas hoje, o que fizeram com Jesus naquela sexta-feira que, como todas as outras, é santa.

 

  • Lusmarina Campos Garcia é teóloga, pastora luterana e pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.

 

Ilustração-Arte: Ateliê15

Nenhum produto no carrinho.