Por Lusmarina Campos Garcia*
O novo clipe da cantora gospel Cassiane trata da violência contra a mulher e propõe a oração e a bíblia como meios de resolução para a questão da violência doméstica. A bíblia e a oração fazem parte do universo da fé e se constituem, muitas vezes, em importantes instrumentos de mudanças comportamentais.
No entanto, a bíblia pode ser (e é) majoritariamente utilizada para justificar os discursos de subjugação das mulheres e da violência que contra elas se pratica.
O clipe comete vários equívocos e atrocidades:
1. parte da premissa de que uma pessoa, sem o instrumental interpretativo apropriado, possa fazer uma leitura libertadora de um livro que tem sido, historicamente, utilizado para oprimir as mulheres; ou seja, da fonte da opressão sai, milagrosamente, uma leitura libertadora. O homem do clipe passa a ir à Igreja. E qual ensinamento ele vai ouvir do sermão do seu pastor?
2. ignora que a violência é fruto de doença psíquica, familiar e social e requer um processo complexo para alcançar a “cura”. O clipe situa a “cura” no âmbito individual, e desconhece a sua dimensão mais ampla, que são os lugares onde tais violências se originam.
3. cria a falsa impressão de que é possível que uma mulher, no isolamento da sua casa, e no silêncio da oração, consiga, sozinha, enfrentar a violência doméstica. O clipe é uma defesa do silêncio diante da violência. Embora apareça o número de denúncia na tela, a linguagem do clipe induz as mulheres a se calarem diante da agressão e do seu agressor.
4. parte da realidade de mulheres de classe média e parte também da premissa de que as mulheres possuem alternativas, ou seja, que podem deixar a sua casa e ir para um outro lugar sem maiores consequências. O clipe desconsidera a realidade das mulheres pobres e advoga que diante da violência sofrida, a mulher deixe a casa. Deixar a casa tem consequências legais.
Então, a mensagem do clipe é: a mulher que sofre violência fique em silêncio, busque individualmente e sozinha, em oração, uma resposta, perdoe o agressor mesmo antes dele pedir perdão, e deixe de presente uma bíblia e a casa, para que ele a seu tempo e no conforto do seu lar, desenvolva a consciência do crime praticado e busque “a cura”. É a misoginia reiterada na espiritualidade cantada na voz de uma mulher.
Veja o clipe na integra aqui