O caminho de Jesus de Nazaré foi pontuado em profundas entranhas de compaixão. Ao ver a multidão sob forte jugo de opressão, sofrimento, exclusões e dor, Jesus se moveu ao encontro de seus irmãos e irmãs com compaixão (Lucas: 7.13). Jesus acolheu o seu povo a partir de sua missão libetadora, que fez opção pelos pobres, realizando a vontade do Pai. A compaixão de Jesus é cheia de amor e esperança, é caminho libertador, compaixão revelada na vida, que não foi pautada em dogmas e estatutos, nem em esquemas doutrinários da religião judaica, dispositivos da opressão. Compaixão de encontros pessoais e coletivos, amorosos, de fraternidade e acolhimento. Jesus constrói relações de amor com as pessoas, faz com liberdade, livre das amarras do sistema religioso.
A religião do tempo de Jesus estava distante da prática da compaixão. Os religiosos estavam mais preucupados com a execução das leis e seus rigores, do que com o sofrimento do povo. Se esforçavam no zelo do templo e nas vantagens financeiras que o mesmo oferecia por meio da cobrança de dízimos, ofertas e altos impostos. Os pobres estavam esquecidos em seu sofrimento. Os religiosos Interpretavam a lei do sábado como forma de penalização aos infratores, em vez de vê-lo como justo dia de descanso aos trabalhadoras e trabalhadores explorados. Por isso, acrescentavam várias minúcias (reformas) nas leis para beneficiar a classe dominante e opressora. Jesus aparece na Galileia como subversivo, um peregrino das ruas e becos da Judéia, anunciando uma mensagem revolucionária, apregoando as Boas Novas de libertação aos pobres, superando o fundamentalismo do seu tempo, em uma profunda demonstração do amor de Deus por seus filhos e filhas.
A compaixão de Jesus se realizou em encontros pessoais e comunitários com seus irmãos e irmãs. Um encontro a partir de uma aproximação concreta, mergulhando em conexão perfeita no mundo dos pobres, lugar onde Jesus viveu durante toda a sua vida terrena. Foi nas comunidades rurais e periféricas que Jesus exerceu em maior parte a compaixão, pois alí estavam as multidões dos oprimidos, sobretudo em pequeninas cidades da Palestina como Cafarnaum, Nazaré e Jericó. Foi na região da Galileia que Jesus demostrou muita compaixão. Podemos imaginar uma linda cena. Jesus assentado à beira de uma fogueira, às margens do Mar da Galileia, comendo peixe assado com seus amigos e amigas, ouvindo as suas histórias, algumas de sofrimento, outras de alegria e esperança. Jesus partilha com eles as Boas Novas, animando-os para uma nova caminhada, cheia de compaixão e esperança, falando dele mesmo, de sua missão libertária.
Hoje não é diferente. Assim como no tempo de Jesus, os pobres vivem debaixo de múltiplas opressões. Sofrem com os baixos salários, desemprego, doenças, preconceito e exclusões, por muitas vezes, apenas pelo fato de serem pobres, sobretudo os marginalizados que vivem nas regiões periféricas dos centros urbanos, ou nas regiões rurais e ribeirinhas. Os pobres vivem um outro mundo, a sociedade dominante os empurrou para um lugar onde não fossem capazes de se misturar com os que se denomimam uma “classe superior”. Por isso, os pobres construíram um mundo paralelo com outra cultura, diferente, nos lugares baixos, onde com poucos recursos lutam diariamente para sobreviver em meio às maléficas investidas do capitalismo que gera injustiças e desigualdades. As famílias periféricas vivem a luta diária da sobrevivência, com arranjos para moradia e esforços gigantescos para compar comida, remédio como também para suprir outras necessidades básicas.
Um exemplo que expressa de maneira clara a realidade de sobrevivência dos pobres nas periferias é o caso do casal, Pedro e Francisca, país de seis filhos e filhas, moradores desempregados da comunidade de Jardim Progresso, situada na região periférica na Zona Norte de Natal no Rio Grande do Norte. Em um fim de tarde, já exausto, depois de um duro dia de trabalho, Pedro me contou um pouco como foi o seu dia. Como de costume, vendeu algumas pipocas, balas e refrigerantes em seu carrinho que fica em frente em uma das maiores fábricas de tecido do Brasil, situada na BR 101, próximo à sua casa. Pedro me contou que os ganhos com as vendas de balinhas são poucos, e não tem suprido todas as necessidades básicas de sua família, que ao todo são oito pessoas.
A compaixão requer uma verdadeira aproximação com os pobres. É preciso conhecer o mundo dos esquecidos, contudo esse conhecimento não pode ser apenas por meio dos livros, de palestras ou estatísticas, nem pelas ações relâmpago de assistêncialismos realizados por grupos, ONGs e Igrejas. Não se conhece o mundo dos pobres por meio de pesquisa acadêmica, ou trabalhos sociológicos. A compaixão de Jesus só se realiza em encontros pessoais e comunitários com nossos irmãos e irmãs, a partir de uma perspectiva libertadora, numa prática concreta de amor aos pobres. Por isso, é preciso dizer que em muitos espaços tem se falado muito sobre os pobres, aliás, é um assunto que está em várias pautas de muitas igrejas, faculdades, ONGs e seminários. Contudo na maioria das vezes tem se reduzido a opção pelos pobres aos discursos e estudos de pesquisa. Muitos não acreditam na força e criatividade dos pobres em suas lutas por sua libertação, preferem vê-los como uma classe inferior, que sempre vai depender dos que tem algo a oferecer, para aliviar o sofrimento deles.
Portanto não é exagero dizer que nos falta compaixão pelos pobres. Tem nos faltado o que sempre sempre esteve na vida e nos ensinos de Jesus. É uma profunda contradição falar dos pobres a partir da tela de um computador, de um smartphone, de um escritório, ou de uma tribuna ou púlpito sem que haja de fato um envolvimento pessoal e concreto com os pobres. É preciso desconstruir a linha divisória e caminhar, mergulhar sem medo e sem preconceito no mundo daqueles que foram esquecidos por aqueles que vivem no outro mundo, mundo do consumismo egoísta, do capitalismo, do bem estar pessoal, um mundo distante da realidade do reino de Deus e dos pobres.
Jesus aponta para o caminho da compaixão. Compaixão pelas pessoas, porque os do caminho, não sentem compaixão pelas coisas, nem por belos discursos. A compaixão de Jesus revela o amor de Deus aos pobres, e encoraja os discípulos e discípulas para um caminho de encontros. Encontros de partilha, afeto, solidariedade, celebração, abraços, ombro amigo, palavras de ternura. O caminho da compaixão transcende qualquer prática religiosa, pois a compaixão não está submissa a nenhum dogma, código, rito ou doutrina. A compaixão é um ato livre, que brota do amor libertador de Jesus, que anima os que decidiram por segir o caminho da esperança, no subversivo de Nazaré.
Assessor da Escola Fé e Política Padre Sabino e membro do CEBI RN