Por Padre João Maria
Passou o temido 7 de setembro, com a fracassada tentativa de golpe por quem já está no poder. As manifestações orquestradas pelo agronegócio não deram os resultados esperados pelos neofascistas. As convocações para os atos direitistas foram feitas de diversas formas: o próprio presidente se empenhou em chamar seus seguidores para a rua, milhares de mensagens foram multiplicadas através dos já conhecidos robôs, uma grana pesada foi usada por fazendeiros e empresas para levar gente a Brasília[1] e pagar despesas de viagem, alimentação e hospedagem nos hotéis que estavam lotados na capital federal. Milhares de pessoas foram convencidas a se deslocarem para Brasília após receber R$ 1.500,00 em dinheiro. Também não houve greve dos caminhoneiros., mas uma mobilização de empresários, de patrões, do agronegócio[2]. Para este setor, dólar alto significa mais lucro. Para caminhoneiros – muitos deles obrigados a parar na estrada sem querer – o alto do preço dos combustíveis é uma corda no pescoço.
Mesmo com o comparecimento muito abaixo das expectativas, não se deve subestimar a força fascista no País. O golpe não deu certo, porque algumas instituições ainda funcionam ou reagiram em tempo. Tentativas de furar os bloqueios da PM do DF, que simpatizava com os manifestantes, tiveram que ser retomados por ordem da governadoria da capital federal, mesmo sem a participação do governador Ibaneis que tinha largado o posto e, diríamos, ‘fugido’ para uma fazenda sua, conforme alguns noticiários informavam. Não podemos esquecer de outra figurinha Ciro Gomes – petulante, que fugiu para o exterior nas eleições de 2018. Estrategicamente, o STF também se mobilizou no dia anterior, informando aos comandantes das Forças Armadas, que apoiar as manifestações os colocaria fora da lei. O presidente não teve mais como dar uma contraordem. Perdeu esta jogada no xadrez político momentâneo.
No mesmo dia, em mais de 200 cidades, o Grito dos Excluídos/as mobilizou mais de 300 mil pessoas[3]. Não foi muita gente. Não foi por isso, porém, que a população ficou em cima do muro. Sobretudo nas cidades onde os fascistas apareciam em maior número, temia-se confrontos violentos. A adesão a Lula continua crescendo e Bolsonaro mais e mais perdendo sua credibilidade.
Nas manifestações neofascistas a tônica era a do conflito, do afrontamento à Constituição e às instituições republicanas. Nenhuma palavra sobre a inflação que já se aproxima de 10% ao ano, ou os 23% de aumento do custo de vida (para a compra dos itens básicos), nada sobre a fome e a miséria crescentes, o desemprego, o preço do combustível. O “popular” estava distante do palanque, apesar de ‘aquele que deveria já ir embora’ encher a boca de “meu povo”. Soa irônica a fala do presidente de que “alguns passam fome no Brasil, mas ‘na média todo mundo engordou’ desde 2020”[4]. Daquele lado, não esperamos mudanças significativas nos próximos meses. Pelo contrário, sem governo, a energia cara vai aumentar e ainda faltar, as queimadas continuarão destruindo o pouco que resta do ambiente natural da Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal e Amazônia.
Mas foi nos dias seguintes ao 7 de setembro que a tentativa de golpe apresentou seu maior fracasso. Humilhado, o presidente chamou o perito em aplicar golpe – o sr. Michel Temer – para ajudá-lo a sair da vala que ele próprio cavou para si. Mandou buscá-lo de avião em São Paulo. E Temer ensina: sem combinar antes com o Supremo, Câmara e Senado, o golpe não pode dar certo. Tem que envolver a elite toda. Temer sabe, porque assim fez com Dilma, mesmo ela tendo sido totalmente inocentada depois. Nenhum crime cometera. Bolsonaro recuou e soltou uma nota, escrita pelo seu antecessor na Presidência: nunca teve intenção de agredir quaisquer poderes; suas palavras “contundentes” saíram no calor dos embates. E agradeceu o apoio do povo brasileiro[5]. Uma nota mais cínica seria impossível.
Para o dia 12 de setembro, o MBL (Movimento Brasil Livre) está convocando atos pelo Fora Bolsonaro. Estava na base das manifestações em 2013 e do impeachment de Dilma, puxadas pela FIESP e o PSDB. O MBL que deu toda a sua força à eleição do mito (ou mico?) em 2018! Alguns partidos de esquerda já disseram que não irão participar desta armadilha. Outros ainda hesitam em comparecer ou não com suas próprias bandeiras. O Movimento oportunista pretende mostrar sua força, preparando-se para lançar candidato para a Presidência que seja – como diz seu cartaz de convocação – nem Bolsonaro, nem Lula. Alguém de uma “terceira via”.
Se as eleições fossem hoje, Lula poderia ganhar o pleito já no primeiro turno. Mas tem um detalhe: a eleição não é hoje. Ainda falta mais de um ano, e neste período muita coisa pode acontecer. Peças estão sendo movidas para isso. A Revista Veja começou a requentar as agressões ao ex-presidente. Estampa em letras grandes que a Receita Federal o acusa de sonegar impostos e fazer crimes de fraude e conluio[6]. E acrescenta: o STF anulou condenações, mas não inocentou o petista. Mas não fala nas quase duas dezenas de denúncias que foram rejeitadas pela Justiça por falta de provas. Não houve nenhuma condenação. Qualquer cidadão deve ser considerado inocente, se não foi condenado. Em 18 processos a que ele respondia, a decisão foi favorável ao ex-presidente. Lula está apto a ser candidato, mais do que nunca.
As manifestações do dia 12 de setembro se enquadram numa tentativa de minar a adesão popular à candidatura de Lula. A esquerda não pode se deixar enganar pela atual conjuntura favorável ao ex-presidente, nem achar que o pleito de 2022 já está ganho ou que não haverá candidatos de peso da direita. Bolsonaro está praticamente eliminado, sobretudo porque o próprio STF já busca meios para declará-lo inelegível[7]. Isso não impede a direita de construir um novo rumo. Ninguém duvide da força da Globo, da Folha de São Paulo, do Estadão e demais canais de imprensa golpista que podem lançar-se em campanha com um aliado seu, que certamente não será Lula. Já vimos por diversas vezes como um nome praticamente desconhecido se elege por meio de campanha e construção midiática. Só lembrar o próprio Bolsonaro, e Fernando Collor em 1989.
A farra do dinheiro no Ministério da Saúde prossegue. Continuam as investigações sobre propostas de compra superfaturada de vacinas. E enquanto faltam remédios e vacinas para a população, o Ministério deixou vencer a data de validade de insumos para nossa saúde, no valor de 240 milhões de reais. Houve falhas na distribuição durante o mandato do general especialista em logística. Mais um dinheiro perdido, jogado fora por esse governo corrupto e negacionista….
Os indígenas, sabiamente, mantêm-se articulados em Brasília e nos Estados. Tiveram uma vitória parcial e celebrada com o voto contra o Marco Temporal do Ministro Edson Fachin[8]. Precisam dos apoios que até o presente momento têm recebido. Mais de 160 mil pessoas assinaram a carta contra o Marco Temporal no mês de agosto. Gleici Hofmann levou o apoio do PT ao acampamento “Luta pela Vida”. A CNBB, o MST, a Central dos Movimentos Populares e outras entidades pronunciaram-se explicitamente contrárias às investidas do agronegócio, que sempre apoiou e praticou a grilagem e está fortemente representado na Câmara Federal e no Senado. E crescem internacionalmente, na ONU e na OEA (Organização dos estados Americanos), as adesões aos gritos dos indígenas[9]. A inesperada posição de Augusto Aras não é sem importância. “O Brasil não foi descoberto e não tem 521 anos”, proclamou o Procurador Geral da República e se declara contrário ao Marco Temporal[10]. Os próximos dias serão decisivos, não apenas para os povos indígenas, mas para todos aqueles que defendem o respeito ao ambiente, à Casa Comum.
Também precisam da nossa atenção os debates em torno do Código Eleitoral, cujo texto base já foi aprovado na Câmara esta semana (09/09/2021)[11] e suas estapafúrdias propostas de cerceamento às informações nos dias da eleição, o liberô geral do uso do dinheiro público para as campanhas eleitorais, a redução de multas de 20% para 5% prestação de contas irregular, etc.
É importante conhecermos os votos dos deputados e identificar aqueles e aquelas que apenas olham para seus próprios interesses. Por definição, a pessoa pública deveria priorizar os interesses da nação (do povo): defesa da riqueza nacional, da integridade dos direitos da população, das políticas públicas… Não é isso que vemos acontecendo com a maioria que compõe nosso Congresso, especialmente os/as que estão articulados/as no Centrão. A resposta nos cabe dar em 2022. Não esqueçamos: Voto não tem preço. Voto irresponsável tem consequências muito amargas…como estamos sofrendo…
[1] https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADtica/v%C3%ADdeo-levanta-suspeitas-sobre-financiamento-do-7-de-setembro-1.686941 (Acesso em 2021/09/10)
[2] https://www.brasil247.com/blog/nao-e-dos-caminhoneiros-e-greve-dos-caminhoes-do-agro-pop (Acesso em 2021/09/10)
[3] https://www.brasildefato.com.br/2021/09/07/fora-bolsonaro-e-grito-dos-excluidos-mobilizam-200-cidades-contra-a-fome-e-pela-democracia (Acesso em 2021/09/09)
[4] https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/bolsonaro-diz-que-alguns-passam-fome-no-brasil-mas-na-media-todo-mundo-engordou-desde-2020/ (acesso em 2021/09/10)
[5] https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/notas-oficiais/2021/nota-oficial-presidente-jair-bolsonaro-09-09-2021 (Acesso em 2021/09/10)
[6] https://veja.abril.com.br/politica/receita-acusa-lula-de-cometer-crimes-de-sonegacao-fraude-e-conluio/ (Acesso em 2021/09/10)
[7] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/judiciario-debate-inelegibilidade-de-bolsonaro-apos-atos/ (Acesso em 2021/09/10)
[8] https://www.cartacapital.com.br/justica/stf-vai-para-4a-semana-de-julgamento-do-marco-temporal-so-fachin-concluiu-o-voto/ (Acesso em 2021/09/10)
[9] https://cimi.org.br/2021/08/com-manifestacoes-da-onu-e-oea-contra-marco-temporal-povos-indigenas-ganham-reforcos-internacionais-de-peso/ (Acesso em 2021/09/10)
[10] https://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-brasil-nao-foi-descoberto-e-nao-tem-521-anos-diz-aras-ao-se-manifestar-contra-o-marco-temporal/ (Acesso em 2021/09/10)
[11] https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-09/camara-aprova-texto-base-do-novo-codigo-eleitoral (Acesso em 2021/09/10)
Artigo publicado no site CEBs do Brasil : https://cebsdobrasil.com.br/voto-tem-consequencias-muito-amargas/
Foto : Gustavo Marinho