Imagine um mendigo na esquina da padaria. O Estado ignora aquele homem deitado no chão. Uma e outra pessoas passam e deixam-lhe um dinheirinho. Sobrevive dessa esmola. O Estado não lhe estende o braço administrativo.
Porém, se um dia ele não ganhou nenhuma esmola e, à noite, sentiu muita fome e não resistiu à tentação daquela vitrine maravilhosa, com pães, tortas e doces, e atirou uma pedra no vidro, imediatamente o outro braço do Estado, o repressivo, aparece.
Ao falar de política e direitos humanos, há que perguntar: isso que os nossos políticos propõem é para aumentar o lucro de uma minoria ou defender os direitos de todos? É para favorecer um pequeno segmento de produtores e especuladores ou para que toda a nação seja contemplada?
Não sejamos ingênuos. Direitos humanos e sistema capitalista são incompatíveis, porque o próprio sistema proclama que o direito prioritário é acumulação privada da riqueza. Por isso é chamado de sistema do capital.
O maior valor do sistema, a competitividade, é contrário a este que, na família, na escola, na Igreja, ensinamos: a solidariedade. O sistema faz isso ao influir na mídia e no material didático das escolas.
Nos livros didáticos, os revoltosos mineiros são chamados de inconfidentes. E o movimento, de Inconfidência Mineira. Receba o telefonema de um amigo que avisa: olha, fulano disse que não quer vê-lo nem pintado, porque você é muito inconfidente; contou-lhe um segredo e você saiu espalhando.
Inconfidente é o rótulo pejorativo, ofensivo, que a Coroa portuguesa pôs nos revoltosos, nos conjurados mineiros, para desmoralizá-los. Se fosse hoje, a Inconfidência Mineira seria chamada de Deduragem Mineira…
É diferente de delação premiada, que é o mínimo que deve acontecer nesse país. Lamento que tenha esse nome, mas é justa e necessária. Alguém precisa denunciar. Ainda mais que seja bandido denunciando bandido. É omissão cúmplice saber de um caso de corrupção e ficar calado.
Os grandes fatores ideológicos que destilam, hoje, o pior dos venenos à prática dos direitos humanos são o preconceito e a discriminação. Não se pode ter preconceito e nem discriminar ninguém. Volto a dizer: todos somos filhos da loteria biológica. Eu poderia ter nascido na Síria, igual al-Assad; na África, como os etíopes que morrem de fome; na Guiné, contaminado pelo vírus ebola. E você também.
Não dá para achar que somos superiores, melhores. Somos um sopro divino que dura poucos segundos nessa breve vida que temos. E tudo tem começo, meio e fim. Todos haveremos de morrer. E ficamos alimentando preconceito, discriminação, ressentimento…
Atribui-se a Shakespeare esta frase genial: o ódio é um veneno que você toma esperando que o outro morra.