Mulheres favoráveis à descriminalização do procedimento se recusam a participar da corrente e defendem em suas páginas o direito de interrupção da gravidez; “falta sensibilidade de pensar que, se você deseja ter um filho, nem todas as mulheres são iguais”, argumenta ativista
A campanha #TodasContraOAborto está percorrendo as redes sociais. Desde o início da semana, diversas mulheres têm divulgado fotos de si mesmas grávidas e desafiado amigas e familiares a fazer o mesmo. Além da hashtag que dá nome à mobilização, outras, como #DigaNãoAoAborto e #NãoMateUmaCriançaInocente, compõem a onda de posts.
Não se sabe, ao certo, a origem do “desafio”. Também no começo da semana, o jornal O Estado de S. Paulo publicou entrevista com o recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em que afirma que “aborto e regulação da mídia só serão votados passando por cima do meu cadáver”.
A discussão esquentou ainda mais quando a pedagoga Gabriela Moura, moradora do Rio de Janeiro, decidiu responder ao convite para participar da corrente. Em sua página no Facebook, postou relato no qual diz que, embora tenha desejado suas duas gestações, apoia a descriminalização do aborto e os direitos reprodutivos das mulheres. Em algumas horas, o texto viralizou: até o momento, já foi compartilhado mais de 7.400 vezes.
Também em resposta à mobilização, a psicóloga e doula Gaabriela Prado se manifestou em seu perfil. Ela colocou a foto de Jandira Magdalena dos Santos Cruz, morta em setembro de 2014 por uma tentativa de aborto mal-sucedida, e lembrou: “Jovens abortam, solteiras abortam, casadas abortam, mães abortam, evangélicas abortam, desempregadas abortam, trabalhadoras abortam, ricas abortam, pobres abortam. Se for prender todas as mulheres que abortam (e sobrevivem), vai faltar cadeia.” O post também correu as redes e, até o fechamento desta nota, havia sido republicado por mais de 9.600 pessoas.
Para Rosangela Talib, coordenadora executiva da ONG feminista Católicas pelo Direito de Decidir, as mulheres que dão vida à campanha têm o direito de expressar sua opinião, mas precisam respeitar aquelas que pensam de forma diferente, em vez de exclui-las e condená-las. “Falta sensibilidade de pensar que, se você deseja ter um filho, nem todas as mulheres são iguais. Maternidade não é só gravidez; é uma criança para o resto da vida, que exige cuidado, atenção, recursos econômicos. As mulheres que optam por interromper a gravidez o fazem depois de muito pensar. A gente acredita que elas têm a capacidade ética e moral para decidir”, argumenta. “O que elas precisam é de apoio da sociedade, porque condenação já encontram na lei”.
Talib destaca que a descriminalização do aborto não obrigaria nenhuma mulher a interromper a gravidez, ou então “banalizaria” o procedimento, argumentos utilizados pelos “pró-vida” na tentativa de impedir qualquer avanço da pauta. “Só propicia àquelas que assim o desejarem terem assistência adequada no sistema de saúde. A proibição não impede que as mulheres o façam. Ela tem sido inócua, seja legal ou religiosa”, reforça.
De fato, os números comprovam a tese de Talib. Embora o aborto seja legalizado em três casos no Brasil – gravidez decorrente de violência sexual, anencefalia do feto ou risco à vida da mulher –, as interrupções clandestinas acontecem em grande quantidade. Segundo a pesquisa “Magnitude do abortamento induzido por faixa etária e grandes regiões”, produzida pelos professores Mario Giani Monteiro, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e Leila Adesse, da ONG Ações Afirmativas em Direitos e Saúde, somente em 2013, cerca de 850 mil abortamentos induzidos podem ter ocorrido no Brasil. Destes, conforme o Ministério da Saúde, apenas 1.523 são casos de abortos legais.
Por Anna Beatriz Anjos