Por Pe. Jean Marie Van Damme (Pe. João Maria )*
O conhecido economista, professor e pesquisador francês, Thomas Piketty, publicou há alguns anos (em 2013) um livro, rapidamente esquecido e pouco comentado pela grande mídia, intitulado “O Capital no século XXI”. Nesta obra, o autor desvenda como a riqueza mundial desde a implantação do sistema capitalista de produção, só concentrou riqueza nas mãos de poucos grupos econômicos – ou seja famílias superricas.
Há alguns dias, tendo Piketty como coautor, foi divulgado novo “Relatório 2022 sobre a Desigualdade no mundo”, mostrando como a tendência de concentração de riqueza no Mundo e Brasil especificamente[1], continua mais forte do que nunca no período da pandemia. Apenas um por cento da população brasileira – cerca de 2 milhões de pessoas, de um total de 200 milhões, ficou com mais da metade da riqueza. E os 50% mais pobres detêm apenas um por cento da renda gerada anualmente. “O estudo cita que “desde os anos 2000, a desigualdade foi reduzida no Brasil e milhões de indivíduos tirados da pobreza, em grande parte graças a programas governamentais, como o aumento do salário mínimo ou Bolsa Família”, mas que a desigualdade de renda permaneceu praticamente inalterada.”[2]. Junto com a Índia, o Brasil é citado como um dos países com a maior desigualdade de renda e riqueza do mundo.
Para muitos trabalhadores e trabalhadoras, que diariamente se esforçam nos seus empregos, é difícil compreender como eles e elas estão contribuindo com esta desigualdade. Basta saber que somente o trabalho humano gera riqueza, ou extraindo-a da natureza (agricultura e mineração principalmente – setor primário), ou transformando minérios e produtos agrícolas em mercadoria acabada: desde máquinas, produtos alimentícios ultra industrializados, refino de petróleo e produção de plásticos, indústria farmacêutica ou têxtil são alguns exemplos deste setor secundário. O setor terciário se compõe de serviços diversos, entre os quais se destacam o transporte, o comércio e o setor financeiro (os bancos).
São sobretudo os bancos que se enriquecem e dão para seus donos as maiores rendas. Para ganhar dinheiro, o patrão tem que reduzir ao mínimo possível os salários pagos aos seus empregados. Chora quando não consegue aumentar sua parte na riqueza gerada pelo trabalhador. Não importa para o patrão o que ele irá produzir nem o que isso custa à natureza. Seu critério é apenas: onde vou ganhar mais dinheiro: mesmo poluindo ou destruindo a natureza, ou jogando na extrema pobreza grupos inteiros de famílias. Há uma propaganda enorme hoje de que as pessoas devem se empenhar mais, criar seu próprio negócio e para isso podem fazer empréstimos no banco – até por juros baixos. Quem se dá bem é o banco: nunca perde, fica até com as poucas coisas que quem toma empréstimo tem. E não deixa barato. E o Microempresário Individual (MEI) trabalha mais de 10 horas por dia e sete dias por semana para manter seu negócio viável. A massa salarial – tudo o que o capitalista, o dono do negócio, e “empreendedor” paga ao trabalhador – diminui constantemente e a renda ou lucro vai crescendo. Este é o segredo do enriquecimento fácil de poucas famílias detentoras do “capital” (industrial, mercantil ou financeiro).
É neste contexto que precisamos entender o programa de privatização de empresas públicas em curso no Brasil. Este programa foi sistematizado na época do governo do PSDB, com Fernando Henrique Cardoso na presidência do País. Uma empresa pública rende riqueza, igualmente a qualquer outro empreendimento. Mas a riqueza gerada por ela se transforma em benefícios para a população, por que a empresa é dela. Uma vez privatizada, seus lucros vão para o bolso de seus novos proprietários privados, que na teoria pagam impostos, mas muitas vezes conseguem isenção ou sonegam. No governo de FHC, o maior escândalo foi a venda da Vale do Rio Doce, empresa lucrativa, mais ainda depois de ela começar a explorar os minérios na Serra dos Carajás. A Vale foi vendida pelos brasileiros que votaram no PSDB por R$ 3,3 bilhões, mesmo que seu faturamento naquele ano era de R$ 2 bilhões. Não era uma empresa que dava prejuízo, pelo contrário, era altamente lucrativa. Quem perdeu foi o povo brasileiro.
Neste momento, o Brasil ainda é proprietário de 134 empresas estatais federais. Entre estes, empresas de peso como a Petrobras, uma das maiores de seu ramo no mundo com alto conhecimento e potencial tecnológico; e o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, bancos prósperos; ou ainda a empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), uma empresa eficiente e autossuficiente. Não precisa de dinheiro do governo para se manter. Apenas 18 empresas brasileiras não se mantêm sem injeção de recursos de impostos. Mas não são estas que chamam a atenção dos investidores. Estes não vão comprar empresas deficitárias. Já comentamos em análise anterior como a refinaria Landulpho Alves na BA foi vendida pela metade de seu valor a um fundo árabe. As consequências para a população trabalhadora são demissões, diminuição de salários e de direitos trabalhistas, e os melhores empregos não vão ficar para brasileiros. Apesar da competência deles, postos melhor pagos irão para engenheiros e outros profissionais estrangeiros. Ou seja: o povo brasileiro empobrecerá. É preciso que os trabalhadores e a população pobre em geral se dê conta de que vender patrimônio público significa empobrecer o País.
O papa Francisco, nas suas reflexões sobre uma nova ordem econômico mundial defende uma melhor distribuição das riquezas entre todas as pessoas, a instituição de uma renda mínima – tipo Bolsa Família, e a diminuição da jornada de trabalho para criar mais empregos. Em vários países, o trabalho semanal já foi reduzido para 36 horas, sem que as empresas tiveram que fechar suas portas. No Brasil continua o regime de 44 horas semanais! Há muito espaço para a luta dos trabalhadores avançar, mas para isso a classe trabalhadora precisa fortalecer as suas organizações sindicais, que não são ultrapassadas.
O dia Internacionalmente celebrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, – 10 de dezembro – tem sido pouco comentado. A Declaração foi assinada em 1948, há 73 anos, por 48 países, entre os quais o Brasil. Hoje, são 193 países que formalmente aderiram à Declaração. Mas não é suficiente assinar, a sua execução está longe de ser cumprida.
Exatamente no dia 10 de dezembro, a Justiça britânica abriu o caminho para a extradição de Julian Assange aos Estados Unidos da América. Assange é o jornalista que, através de publicação de e-mails e mensagens oficiais e secretas do Governo americano na sua página de internet Wikileaks, mostrou ao mundo os podres da administração americana. Com a decisão, o direito humano a sua integridade física e a um processo justo correm perigo, porque os Estados Unidos, seu país de origem, conspirou para matá-lo. Incomoda o país do Tio Sam que a verdade sobre sua política externa veio à tona. Lembramos que grampos feitos com comunicações da presidente Dilma e espionagem de outras pessoas integrantes de seu governo também foram reveladas pelo site de Assange[3].
Em São Luís, houve uma vitória para os direitos de comunidades quilombolas neste dia 10 de dezembro, mesmo que seja uma vitória parcial. O Juiz da Vara de Interesses Difusos e Coletivos mandou suspender todos os licenciamentos ambientais feitos pela SEMA – Secretaria de Estado do Meio Ambiente em áreas de comunidades tradicionais que não tiveram por base uma consulta prévia à população residente. É lei, consultar a população do local, quando uma obra vai afetar pessoas que moram na região, mas não costuma ser obedecida. O juiz Douglas apenas foi justo, não se vendeu aos interesses de empresas ou políticos, como outros juízes iriam fazer.
Estes dias, no Maranhão, assistimos ainda a um racha no Partido dos Trabalhadores. Houve até destituição de seu presidente Lobato pela cúpula nacional do Partido. O motivo é a sucessão no governo do Maranhão[4]. Uma parte do PT, o grupo de Lobato, apoia o candidato do governador, Carlos Brandão, ainda no PSDB, mas que pode mudar de partido (talvez o PSB) para não ser palanque de João Dória no Estado. Possivelmente, Felipe Camarão do PT será candidato a vice-governador. Outra parte do partido dá apoio prévio à candidatura de Weverton Rocha, senador pelo PDT, mas que apoia Ciro Gomes para a presidência nas eleições do próximo ano e não Lula. A adesão do PT com seu novo presidente, Francimar Melo, pode melar o quadro político no Estado.
Balões de ensaio estão sendo soltos. Mas que Lula é candidato forte, com possibilidade de vencer até no primeiro turno todos os seus adversários, parece cada vez mais fato consumado. Sem esquecermos: não é suficiente eleger Lula. Este não terá condições de governar se não tem uma base sólida no Congresso Nacional. Cabe ao povo brasileiro tomar esta decisão daqui a menos de um ano.
*assessor das CEBs NE V).
[1] https://wir2022.wid.world/www-site/uploads/2021/12/Summary_WorldInequalityReport2022_English.pdf (Acesso em 2021/12/12)
[2] https://revistaforum.com.br/brasil/brasil-1-mais-rico-e-dono-da-metade-da-riqueza-50-mais-pobres-detem-1-diz-estudo/ (acesso em 2021/12/12)
[3] https://www.brasildefato.com.br/2021/12/10/tribunal-abre-caminho-para-extradicao-de-assange-para-os-eua (Acesso em 2021/12/12)
[4] https://ilharebelde.com/p/apoio-do-presidente-do-pt-augusto-lobato-a-brandao-irrita-cupula-nacional-da-legenda-que-o-destitui-do-cargo-antes-do-tempo/ (Acesso em 2021/12/12)
Fonte : Portal CEBs do Brasil