Por Itacir Brassiani
A Assunção de Nossa Senhora é uma festa que, para as comunidades católicas do Brasil, está ligada à semana dedicada à vocação à vida religiosa. Mas aquilo que cremos sobre Maria não tem a ver exclusivamente com os religiosos e religiosas: de alguma forma, se refere a todos os homens e mulheres, à comunidade eclesial, ao povo de Deus. A glorificação de Nossa Senhora, que é a plena realização de sua vida e sua vocação em Deus, é interpelação e promessa extensivas a toda a Igreja e a todos os homens e mulheres.
Lucas apresenta Maria como uma mulher que sabe ouvir a Palavra libertadora de Deus e que está pronta a dar o melhor de si para que esta Palavra se realize. É alguém que ousou acreditar na força da Palavra e na fidelidade daquele que a pronuncia. Deus pôde realizar grandes coisas nela e através dela porque encontrou em Maria a base humana indispensável e sua plena disponibilidade. Por isso, não fazemos bem quando a idealizamos e desumanizamos, tirando-a da história. Para fazer-se humano, o Filho de Deus precisou de uma pessoa fundamentalmente humana, não de uma criatura angélica e desencarnada do mundo!
Depois da experiência de que é amada e chamada a gerar e dar à luz aquele que é a Luz do mundo, Maria busca na família de Isabel e Zacarias um sinal que confirme a parceria de Deus com os humildes e oprimidos e a veracidade de suas promessas. A discípula se faz serva, a serva se faz peregrina e a peregrina busca hospitalidade na casa de Isabel. Abraçadas no amor de um Deus que não esquece sua misericórdia, duas mulheres louvam a Deus e profetizam publicamente na periferia. Maria contempla a história do seu povo e proclama a intervenção libertadora de Deus. A discípula, serva e peregrina se faz profetiza destemida.
É importante não esquecer que Maria, esta mulher que foi elevada ao céu e assumida em Deus, não é apenas uma humilde trabalhadora do lar, uma pessoa discreta que acredita em Deus, uma doce e recatada esposa de um carpinteiro. Deus assume em corpo e alma e eleva à glória do céu alguém que rompe com os costumes que menosprezam a mulher e a mantêm calada, que diz uma palavra profética na arena pública, que proclama uma revolucionária intervenção de Deus num mundo patriarcal e opressor. Ela já havia “usurpado” o título masculino de “Servo de Deus” e agora ocupa seu lugar no rol dos profetas!
Por isso, Maria simboliza uma Igreja com traços femininos. Nela e com ela, a Igreja é chamada a construir-se como corpo que acolhe, aquece, alimenta, ensina, respeita e favorece o crescimento e o amadurecimento dos filhos e filhas. Uma Igreja institucionalmente rígida, fechada, autoritária, legalista e doutrinária tem pouca relação com a figura feminina e materna de Maria. Com Maria e suas companheiras mulheres é possível construir uma Igreja que vive intensamente a alegria do Evangelho, que deixa de ser alfândega e tribunal para ser lar e enfermaria, que sai para acolher e cuidar, como sonha o Papa Francisco.
Inspirada em Maria, a Igreja precisa criar espaços e condições favoráveis para o desenvolvimento de homens e mulheres maduros, livres, despojados, solidários e comprometidos com a salvação do mundo. Um corpo ou uma instituição que se impõe pelo medo e pela lei está condenado à esterilidade, e nunca terá a graça de sentir os filhos e filhas saltarem de alegria no seu ventre. Será um corpo incapaz de conhecer a felicidade, e permanecerá um túmulo de homens e mulheres que não chegam a nascer verdadeiramente. Deus nos livre de uma Igreja com nome feminino mas com estruturas masculinas!
Na origem da vocação à vida consagrada está a experiência de um Deus que olha nos olhos e, sorrindo, nos chama pelo nome. Ou uma experiência como aquela de Maria e de Isabel: “Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo!” E então, a partir disso, os pés percorrem caminhos e o corpo estremece de alegria por receber inesperadamente a visita de Deus na própria casa. A vocação à vida religiosa consagrada não é primariamente um caminho de purificação moral ou de desprezo do mundo, mas a experiência de plenitude de uma graça que não cobra méritos: dar de graça aquilo que de graça se recebeu.
Maria, profetiza corajosa, mãe amorosa e discípula fiel do teu Filho: intercede junto a ele para que as pessoas que se consagram a Deus sejam ouvintes da Palavra, cresçam no serviço aos pobres e amadureçam na profecia. Que sejam fiéis ao chamado de proclamar com a vida e com palavras que nada pode ser colocado acima do amor pessoal a Jesus Cristo e aos pobres nos quais ele vive. Assim, ajudarão Jesus a vencer o mal que fere seus irmãos, e que não se reduz à luta contra a corrupção, à defesa da família ou do voto impresso. E que se façam ativa e corajosamente presentes nos desertos, nas periferias e nas fronteiras. Assim seja! Amém!