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Reflexão da semana: “Ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10,27-30)

Leia a reflexão do evangelho desta semana, sobre João 10,27-30. O texto pertence a Sônia Mota e Nelson Kilpp.

Boa leitura!

Olhando o contexto

O texto sobre o qual vamos refletir hoje faz parte do conhecido complexo que trata da relação entre o pastor e o seu rebanho (João 10). Busca-se, nesse capítulo, responder à questão: quais são os fundamentos da relação entre Jesus e sua comunidade. Como tantos outros, o trecho em foco, João 10,27-30, nasce do confronto entre Jesus e um grupo de fariseus (João 9,40). Discute-se, aqui, como se pode estabelecer uma relação autêntica e duradoura com Deus. Para alguns judeus, o templo é a base desse relacionamento.

O confronto se deu quando Jesus estava no templo por ocasião da Festa da Dedicação ou da Purificação (João 19,22). Essa festa lembrava a purificação do Templo de Jerusalém, na época dos macabeus, três anos após o altar do templo ter sido profanado, ou seja, ter sido usado para oferecer sacrifícios ao Deus maior dos gregos, Zeus (cf. 1 Macabeus 1,21-24.54; 4,36-61). A festa representava, portanto, a expulsão dos elementos do império estrangeiro do centro religioso da comunidade e a recuperação da identidade judaica baseada na pureza ritual e no exclusivismo étnico e religioso.

O templo era, sem dúvida, um dos mais importantes elementos de agregação da comunidade judaica e, por isso, da preservação da sua identidade. Mas essa identidade estava sendo ameaçada com as afirmações que Jesus fazia sobre si, sobre Deus e sobre a natureza da relação com Deus. Jesus propunha uma relação com Deus, na qual a fé e a confiança são determinantes. Fé e confiança como base de uma relação de amizade sustentável com Deus e entre as pessoas costumam dispensar normas de pureza e ritos estipulados pela Lei. As pessoas que aderiam a essa proposta de Jesus passaram a desconsiderar as tradicionais normas de vida estabelecidas pela centralidade do templo. Isso podia ser entendido como ameaça à identidade de diversos grupos no judaísmo.

Nessa controvérsia acerca dessas duas propostas de viver a fé, o evangelho de João vai insistir que identidade e coesão da comunidade somente são possíveis em torno do projeto e da pessoa de Jesus. A pessoa de Jesus representa, no evangelho, essa nova maneira de construir a relação com Deus baseada na confiança e na amizade e, assim, de criar uma nova identidade que não mais depende das exigências de pureza do templo nem de restrições étnicas e religiosas do judaísmo.

Degustando o texto

V. 27: As minhas ovelhas conhecem a minha voz, eu as conheço, e elas me seguem. Conhecer e seguir: esses dois verbos indicam a profundidade da relação entre Jesus e as pessoas que em torno dele se congregam. Conhecer não é apenas algo racional e teórico, mas expressa uma relação existencial, profunda, íntima. Conhecer Jesus significa ter experimentado a presença do Deus que liberta e dá vida plena. Conhecimento baseado na experiência: é isso que dá segurança às pessoas e as impulsiona ao seguimento. Seguir a Jesus significa aderir a seus ensinamentos e suas propostas e ser cúmplice de seu projeto. Aderir a essa proposta de relação de confiança com Deus implica vivê-la. É, portanto, uma decisão pelo discipulado.

V. 28: Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão e ninguém as arrebatará da minha mão. Em meio a um ambiente hostil, onde diversas vozes se levantavam para destruir a comunidade que começa a se formar, a pessoa de Jesus oferece segurança. As “ovelhas” ameaçadas pelos que querem dispersá-las podem ter a certeza de que não irão ao “matadouro”, pois Jesus já as conquistou com a sua vida para uma vida em abundância (João 10,10). Sua promessa para quem ouvir sua voz e seguir sua proposta é de vida eterna, vida plena, vida com Deus. Num ambiente hostil, a confiança e a fé tornam-se os elementos aglutinadores para os seguidores de Jesus. Fé, confiança e vida solidária dão as forças necessárias para a comunidade continuar resistindo.

V. 29: Meu Pai, que me deu tudo, é maior que todos; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar. Todas as pessoas que estão coesas e comprometidas em torno de Jesus podem ficar tranquilas e seguras, pois é ele quem nos protege contra a ameaça de cair em mãos inescrupulosas e escravizadoras. A verdadeira comunidade que segue os princípios de Cristo não poderá ser arrebatada ou destruída, porque Deus é mais forte do que tudo e todos. Outra versão também é possível: Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo. Nesse caso, pensa-se normalmente na autoridade concedida pelo Pai ao filho. Mas talvez seja possível pensar também na comunidade como o maior bem que Jesus recebeu de Deus. Esse bem precioso ficará bem guardado sob a proteção de Deus.

V. 30: Eu e o Pai somos um. Esta é a afirmação que causa grande escândalo entre judeus e que faz do cristianismo uma fé singular: é na humanidade de Jesus de Nazaré que encontramos Deus em sua concretude e humildade (cf. João 1,14). É na vida, nos ensinamentos, nas ações, no comportamento, na paixão, na morte e na ressurreição de Jesus que Deus se revela aos seres humanos. Em e através de Jesus, Deus se fez presente e se revelou a toda humanidade. Na comunhão dos que buscam uma vida que se assenta na confiança em Deus e na solidariedade entre as pessoas, ele continua a manifestar-se ainda hoje.

Ampliando a mensagem

Ouvir, conhecer, confiar e seguir são atitudes fundamentais para o discipulado. Jesus não é um senhor de escravos, que domina, coloca o cabresto ou prende suas “ovelhas” dentro do curral, mas é amigo (João 15,12-15). Em sua vida, mostrou-se como quem está a serviço dos que o seguem, que se interessa pelo bem estar de suas ovelhas, que caminha junto com elas e as conduz “para fora” de toda estrutura que oprime (João 10,3), as conduz em e para a liberdade. A sua relação com as pessoas está baseada na confiança e não na troca de favores ou na manipulação de pessoas em benefício próprio. Em Jesus, o Deus da vida, da misericórdia e da justiça se manifesta e nos convida a segui-lo.

A metáfora das ovelhas representa a vivência coletiva, já que elas não andam sozinhas, mas em grupo. A imagem nos desperta para olharmos para o outro e para a outra. Ela nos convida a romper com o individualismo que nos escraviza. Ela nos chama para a atuação em comunidade, estabelecendo relações de familiaridade, solidariedade e serviço.

Crer é aderir à proposta de Cristo. Isso implica seguimento e compromisso. Talvez a nossa decisão pelo projeto de Jesus possa redundar em conflitos com mentes prontas e tradições estruturadas. Mas para essas pessoas existe a promessa de que não serão afastadas da comunhão com Deus porque estão guardadas em suas mãos.

Texto de Sônia Mota e Nelson Kilpp. Patilha de Ildo Bohn Gass.

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