por Marcelo Barros*
No Brasil, a cada ano, apesar do que poderá pensar sobre isso o novo governo federal, o 21 de janeiro é comemorado como “o dia nacional de combate à intolerância religiosa”. Essa data foi criada pelo presidente Lula, através da lei federal n. 11.635 de 27 de dezembro de 2007. Ao escolher esse dia, se quis homenagear a Mãe Gilda, Ialorixá do Axé Abassá de Ogum, em Salvador. Ela faleceu no dia 21 de janeiro de 2000, vítima de perseguição e ataque de um grupo neopentecostal fundamentalista que invadiu o templo do Candomblé, desrespeitou os símbolos sagrados ali representados e ofendeu gravemente a mãe de santo.
Mesmo com a criação dessa data significativa e sua celebração a cada ano, infelizmente, nos nossos dias, a intolerância religiosa tem aumentado. Pior ainda, atualmente ela é menos combatida do que antes. Mesmo em ambientes oficiais, autoridades fazem declarações que denotam intolerância e discriminação contra grupos culturais e religiosos diferentes da cultura dominante. Em vários países, há preconceitos contra muçulmanos, como se todos fossem terroristas. E a sociedade dominante cria barreiras de marginalização social e preconceitos. Os governos respondem aos fundamentalismos de grupos extremistas com um terrorismo de Estado, ainda mais nocivo e destruidor. No Brasil, a cada dia, se registram casos de discriminações e perseguições a alguns grupos religiosos, principalmente, comunidades das religiões afrodescendentes. Apesar da Constituição Brasileira defender a liberdade de culto para todas as religiões, programas de rádio e televisão pregam a intolerância e combatem os cultos afro.
O mais grave é que os ataques e atos de violência religiosa não são praticados por ateus dogmáticos, contrários à religião. São cometidos por grupos que se dizem cristãos e agem em nome de Deus. Apoiam-se em uma leitura literal e fanática de alguns textos bíblicos para justificar a imagem de um Deus cruel, violento e intolerante. Ainda bem que, até aqui, esses grupos neopentecostais e católicos de linha carismática não descobriram ainda que os mesmos livros da Bíblia que manda perseguir e destruir cultos de outros grupos manda também apedrejar mulheres adúlteras ou simplesmente pessoas que não respeitem o sábado. Será que, ao descobrirem que as mesmas leis bíblicas que condenam outros cultos permitem a escravidão de estrangeiros e mandam vender pessoas como escravas para saldar dívidas não pagas, eles passarão a praticar isso? Parecem não perceber que, em pleno século XXI, essas leis culturais da Ásia antiga não podem ser consideradas como vindas de Deus.
Em outras épocas, quase todas as Igrejas históricas condenavam hereges à morte. Também queimavam na fogueira mulheres consideradas feiticeiras ou bruxas e pessoas que praticassem formas de sexo não aprovadas pela Igreja. Durante séculos, a Igreja Católica se proclamou como a única religião verdadeira e sistematicamente combatia as outras. Somente há 50 anos, em 1965, ao concluir o Concílio Vaticano II que, em Roma, reuniu todos os bispos do mundo, a Igreja Católica publicou a declaração Nostra Aetate que reconhece o valor das outras religiões e incentiva os fieis a valorizar o diferente e praticar o diálogo. Da parte das Igrejas evangélicas históricas, em 1961, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne 349 confissões evangélicas e ortodoxas, em sua assembleia geral em Nova Dehli, pediu às Igrejas-membros respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras tradições religiosas.
De fato, todas as religiões pregam amor, compaixão e misericórdia. Entretanto, quando se tornam dogmáticas e autoritárias, se transformam em instrumentos de fanatismo e canais de intolerância. Confundem a verdade com uma forma cultural de expressar a verdade. Assim, absolutizam dogmas e acabam justificando conflitos e guerras em nome de Deus.
Atualmente, no mundo, a diversidade cultural e religiosa é, não somente um fato que, queiramos ou não, se impõe à humanidade. É principalmente uma graça divina e bênção para as tradições religiosas. Para que entre as religiões, o diálogo possa ser profundo, cada grupo tem de reconhecer que Deus lhe revela o seu amor e o seu projeto para a humanidade, não só através da sua própria tradição, mas também do caminho religioso do outro. No tempo do nazismo, de uma prisão alemã, escrevia o pastor Dietrich Bonhoeffer, teólogo luterano: “Deus está em mim, mas para me abrir ao outro. Em mim, é uma presença fraca para mim mesmo e é forte para o outro. Ele está no diferente, mas a sua presença é para mim. Assim, Deus é amor e se encontra quando encontramos o outro, o diferente”.
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Publicado originalmente no blog do autor.