Reflexão do Evangelho

Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim

Leia a reflexão sobre Marcos 7,1-8.14-15.21-23, texto do Tomaz Hughes

Boa leitura!

Para que entendamos o alcance do Evangelho de hoje, é necessário entender o contexto religioso do tempo de Jesus. Entre os elementos chaves na prática religiosa do judaísmo daquela época, estavam os conceitos de “puro” e “impuro”. Na nossa teologia, não é possível cometer um pecado inconscientemente, mas, para o povo do tempo de Jesus, o pecado tinha uma existência quase independente das pessoas. Certos atos, certos lugares, certas profissões tornavam as pessoas impuras, isso é, não aptas para participar do culto, sem primeiro passar pelos ritos de purificação. A seita dos essênios levava a preocupação com a pureza ritual aos extremos. Também os fariseus, cujo nome vem de uma palavra que significa “separados”, davam suma importância à pureza ritual. Assim, muitas vezes, impossibilitavam o acesso do povo comum ao culto do Deus da vida.

Diante dessa situação, a prática de Jesus era altamente libertadora. Sem recusar-se a participar nos ritos tradicionais, pois era judeu piedoso e praticante, ele entendeu que nada que vem de fora da pessoa é capaz de deixá-la impura. Jesus recuperava a ótica dos profetas. Eles, em lugar de se preocuparem primeiramente com rituais externos, conclamavam o povo para que vivesse a justiça, isto é, a prática da vontade de Deus. Jesus reintegrava as massas pobres, excluídas da vivência comunitária pelas exigências de pureza, impossíveis de serem seguidas na prática pela maioria. Ele voltava a atenção às disposições internas das pessoas. Eram elas que realmente podiam deixar as pessoas “impuras” diante de Deus. E Jesus faz uma lista de más disposições que vem do coração: “as más intenções, a imoralidade, os roubos, crimes, adultérios, ambições sem limite, maldade, malícia, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo” (Marcos 7,21-22).

Assim Jesus recupera o ensinamento de profetas como Isaías. Diante das injustiças cometidas por pessoas que viviam na pureza ritual enquanto oprimiam os seus irmãos e ainda esperavam a proteção de Deus, ele denunciava: “O jejum que eu quero é este: acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar qualquer jugo; repartir a comida com quem passa fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu e não se fechar à sua própria gente” (Isaías 58,6-7).

É um desafio hoje examinarmos a realidade de nossa prática religiosa. Sem negar a importância e o papel de celebrações, ritos, rituais e devoções, o evangelho de Jesus exige um sério exame de consciência. Convém verificar se, de um lado, o nosso seguimento de Jesus não está semelhante à prática religiosa dos fariseus, perfeita nas expressões externas, mas vazia por dentro. De outro, se é como a proposta que os profetas e Jesus propõem, uma religião de prática de solidariedade e de justiça, coerente com a nossa fé no Deus da vida. Ali, os ritos têm o seu lugar, expressando nosso verdadeiro compromisso com o Reino de Deus. Que a denúncia de Jesus diante do legalismo farisaico não se torne realidade em nossa prática cristã: “este povo me honra com os lábios, mas o coração deles está longe de mim” (Marcos 7,6).

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