Reflexão do Evangelho

Sobre o puro e o impuro

Leia a reflexão sobre Marcos 7,1-23, texto do Carlos Mesters e Mercedes Lopes

Boa leitura!

O evangelho deste final de semana fala dos costumes religiosos da época de Jesus, muitos dos quais já tinham perdido seu sentido. Até atrapalhavam a vida do povo, ameaçando as pessoas com castigo e inferno. Enxergavam pecado em tudo. Por exemplo, comer sem lavar as mãos era considerado pecado. Mesmo assim, estes costumes eram conservados e ensinados, ou por medo, ou por superstições. Vamos conversar sobre isso!

Situando

Olhemos de perto a atitude de Jesus frente à questão da pureza. Anteriormente, Marcos já tinha tocado neste assunto. Em Marcos 1,23-28, Jesus expulsou um espírito impuro. Em Marcos 1,40-45, ele curou um leproso. Em Marcos 5,25-34, curou uma mulher considerada impura. Em vários outros momentos, Jesus tocou em doentes e deficientes físicos, sem medo de ficar impuro. No evangelho de hoje, Jesus ajuda o povo e os discípulos a aprofundar este assunto da pureza e das leis do puro e do impuro.

Desde séculos, os judeus, para não contrair impureza, eram proibidos de entrar em contato com os pagãos e de comer com eles. Mas, nos anos 70, época de Marcos, alguns judeus convertidos diziam: “Agora que somos cristãos, temos que abandonar estes costumes antigos que nos separam dos pagãos convertidos!” Outros, porém, achavam que deviam continuar a observar as leis de pureza. A atitude de Jesus ajudava-os a superar este problema.

Comentando

Marcos 7,1-2: Controle dos fariseus e liberdade dos discípulos

Os fariseus e alguns escribas, vindos de Jerusalém, observavam como os discípulos de Jesus comiam pão com mãos impuras. Aqui há três pontos que merecem ser assinalados:

1) Os escribas são de Jerusalém, da capital. Significa que tinham vindo para observar e controlar os passos de Jesus.

2) Os discípulos não lavam as mãos para comer. Significa que a convivência com Jesus os levou a criar coragem para transgredir normas que a tradição impunha ao povo, mas que já não tinham sentido para a vida.

3) O costume de lavar as mãos, que continua sendo uma norma importante de higiene até hoje, tinha tomado para eles um significado religioso que servia para controlar e discriminar as pessoas.

Marcos 7,3-4: A tradição dos antigos

A “tradição dos antigos” transmitia as normas que deviam ser observadas pelo povo para ele conseguir a pureza exigida pela lei. A observância da pureza era um assunto muito sério. Eles achavam que uma pessoa impura não poderia receber a bênção prometida por Deus a Abraão. As normas de pureza eram ensinadas para abrir o caminho até Deus, fonte da paz. Mas, na realidade, em vez de ser fonte de paz, elas eram uma prisão, um cativeiro. Para os pobres, era praticamente impossível observá-las. Eram centenas de normas e leis. Por isso, os pobres eram desprezados como gente ignorante e maldita, que não conhece a lei (João 7,49).

Marcos 7,5: Escribas e fariseus criticam o comportamento dos discípulos

Os escribas e fariseus perguntam a Jesus: Por que os teus discípulos não se comportam conforme a tradição dos antigos e comem o pão com as mãos impuras? Eles fingem estar interessados em conhecer o porquê do comportamento dos discípulos. Na realidade, criticam Jesus por ele permitir que os discípulos transgridam as normas de pureza. Os fariseus formavam uma espécie de irmandade cuja principal preocupação era observar todas as leis de pureza. Os escribas eram os responsáveis pela doutrina. Ensinavam as leis referentes à observância da pureza.

Marcos 7,6-13: Jesus critica a incoerência dos fariseus

Jesus responde, citando Isaías: Este povo me honra só com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Insistindo nas normas de pureza, os fariseus esvaziavam os mandamentos da lei de Deus. Jesus cita um exemplo concreto. Eles diziam: o fulano, que oferecer os seus bens ao Templo, não pode usar esses bens para ajudar os pais necessitados. Assim, em nome da tradição, esvaziavam o quarto mandamento, que manda amar pai e mãe. Até hoje, tais pessoas parecem muito observantes, mas é só por fora. Por dentro, o coração delas fica longe de Deus. Como diz o canto: “Seu nome é Jesus Cristo e passa fome, e vive à beira das calçadas. E a gente quando o vê passa adiante, às vezes para chegar depressa à Igreja!” No tempo de Jesus, o povo, na sua sabedoria, não concordava com tudo o que se ensinava. Esperava que, um dia, o messias viesse indicar outro caminho para alcançar a pureza. Em Jesus se realiza esta esperança.

Marcos 7,14-16: Jesus abre um novo caminho para o povo se aproximar de Deus

Ele diz para a multidão: “Não há nada no exterior do ser humano que, entrando nele, possa torná-lo impuro.” (Marcos 7,15). Jesus inverte as coisas: o impuro não vem de fora para dentro, como ensinavam os doutores da lei, mas sim de dentro para fora. Deste modo, ninguém mais precisa se perguntar se é pura ou impura esta ou aquela comida, esta ou aquela bebida. Jesus coloca o puro e o impuro num outro nível, no nível do comportamento ético. Ele abre um novo caminho para chegar até Deus e, assim, realiza o desejo mais profundo do povo.

Marcos 7,17-23: Em casa, os discípulos pedem explicação

Os discípulos não entenderam bem o que Jesus queria dizer com aquela afirmação. Quando chegaram em casa, pediram uma explicação. Jesus estranhou a pergunta dos discípulos. Pensava que eles tivessem entendido a parábola. Na explicação aos discípulos, ele vai até ao fundo da questão da pureza. Declara puros todos os alimentos. Ou seja, nenhum alimento que de fora entre no ser humano pode torná-lo impuro, pois não vai até o coração, mas vai para o estômago e acaba na fossa, e, conforme o pensamento da época, o que entrava na fossa não era considerado impuro. Mas o que torna impuro, diz Jesus, é aquilo que sai de dentro do coração para envenenar o relacionamento humano. E ele enumera: prostituição, roubo, assassinato, adultério, ambição, etc.

Assim, de muitas maneiras, pela palavra, pelo toque e pela convivência, Jesus foi ajudando as pessoas a conseguir a pureza. Pela palavra, purificava os leprosos, expulsava os espíritos impuros e vencia a morte, que era a fonte de toda a impureza. Pelo toque em Jesus, a mulher excluída como impura ficou curada. Sem medo de contaminação, Jesus comia junto com as pessoas consideradas impuras.

Alargando

As leis da pureza no tempo de Jesus

O povo daquela época tinha uma grande preocupação com a pureza. A lei e as normas de pureza indicavam as condições necessárias para alguém poder comparecer diante de Deus e se sentir bem na presença dele. Não se podia comparecer diante de Deus de qualquer jeito. Pois Deus é Santo. A Lei dizia: “Sede santos, porque eu sou santo” (Levítico 19,2). Quem não era puro não podia chegar perto de Deus para receber dele a bênção prometida a Abraão.

A lei do puro e do impuro (Levítico 11 a 16) foi escrita depois do cativeiro da Babilônia, cerca de 800 anos depois do Êxodo, mas tinha suas raízes na mentalidade e nos costumes antigos do povo da Bíblia. Uma visão religiosa e mítica do mundo levava o povo a apreciar as coisas, as pessoas e os animais a partir da categoria da pureza (Gênesis 7,2; Deuteronômio 14,13-21; 24,8-9; Números 12,10-15).

No contexto da dominação persa, nos séculos V e IV antes de Cristo, diante da dificuldade para reconstruir o templo de Jerusalém e para a própria sobrevivência do clero, os sacerdotes que estavam no governo do povo da Bíblia ampliaram as leis de pureza e a obrigação de oferecer sacrifícios de purificação pelo pecado. Assim, depois do parto (Levítico 12,1-8), da menstruação (Levítico 15,19-24) ou da cura de uma hemorragia (Levítico 15,25-30), as mulheres tinham que oferecer sacrifícios para recuperar a pureza. Pessoas leprosas (Levítico 13) também deviam oferecer sacrifícios. Uma parte destas oferendas ficava para os sacerdotes (Levítico 5,13).

No tempo de Jesus, tocar um leproso, comer com publicano, comer sem lavar as mãos, etc., tudo isso tornava a pessoa impura, e qualquer contato com esta pessoa contaminava os outros. Por isso, as pessoas “impuras” deviam ser evitadas. O povo vivia acuado, sempre ameaçado pelas tantas coisas impuras que ameaçavam a vida. Era obrigado a viver desconfiado de tudo e de todos.

Agora, de repente, tudo mudou. Através da fé em Jesus, era possível conseguir a pureza e sentir-se bem diante de Deus sem que fosse necessário observar todas aquelas leis e normas da “tradição dos antigos”. Foi uma libertação! A Boa Nova anunciada por Jesus tirou o povo da defensiva e do medo. Devolveu-lhe a vontade de viver, a alegria de ser filho e filha de Deus, sem medo de ser feliz!

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