Antes do texto do Evangelho, andei refletindo sobre a porção de êxodos, no capítulo 17, que me fora proposto. O Povo de Israel estava no deserto, acampado numa região denominada Refidim, Um lugar seco e árido na aparência. Ali, na inospitalidade e no desconforto da caminhada os israelitas emparedaram Moisés exigindo que lhes desse água para beber. Na sua revolta contra o líder no deserto, o grupo mais exaltado lembrou, em tom de provocação, que no Egito tinham todo o conforto e facilidades que faraó podia lhes oportunizar. Só que não!
Rapidamente se esqueceram da indignidade que é a escravidão. Esqueceram que o preço dos tais benefícios que se arrogavam usufruir no Egito era pago com a completa desumanização a que eram submetidos pelos seus donos…na verdade o problema não era a falta de água, existem fontes no deserto. A aguá estava ali, bastava de um pouco de conhecimento para abrir a comporta do rio subterrâneo que permeia útero de Refidim. Deus mandou e Moisés bateu na rocha, a torneira foi aberta e o povo matou a sede.
A porção do Evangelho que me foi proposto, em João, capítulo 4, também fala de água, quando Jesus sentado à beira do poço de Jacó, cansado e sedento, pediu à uma mulher Samaritana que ali estava com o seu cântaro, um pouco de água para matar a sua sede. Depois de uma longa caminhada, vindo da região da Judeia, no sul, atravessaria a região de Samaria onde parou para descansar, em direção ao norte, onde está a sua querida Galileia. Interessante dizer que os religiosos da Judeia desprezavam tanto os samaritanos a ponto de contornarem o caminho pela direita do rio Jordão par não terem, segundo a tradição, o desprazer de encontrar samaritanos pelo caminho.
Ao pedido de Jesus, iniciou o diálogo que mudaria, para sempre, a vida daquela mulher. Todos conhecemos essa narrativa do Evangelho de João, a mulher que encontra Jesus naquele poço trás consigo as marcas da rejeição social e da maldição religiosa: ela era habitante de Samaria, lugar desprezado pelos xenófobos da Judeia e amaldiçoado pelos religiosos de Jerusalém, além de também sofrer a solidão e o desprezo social em razão das escolhas que fez, na busca da sua realização pessoal através da vida amorosa, afinal, já estava no quinto relacionamento com um homem que, conforme nos informa o texto, era ou fora casado com outra mulher…
– O senhor é judeu e eu sou samaritana! Então, como é que o senhor me pede água? Registra o evangelho de João. É nítida a surpresa da mulher ante a interpelação de um judeu, primeiro porque ela é moradora de Samaria, segundo pelo desconforto social que sofria em razão do seu histórico afetivo. E, finalmente, pelo peso de ser mulher numa sociedade patriarcal em que a misoginia era naturalizada nos preconceitos contra as mulheres.
Ao mesmo tempo em que Jesus é como uma rocha em sua firmeza de caráter, o seu amor é como uma cachoeira de águas vivas que brotam do seu interior. No transcorrer do diálogo, o mestre da Galileia vai ajudando a samaritana a dar vazão a sua sede de vida que tanto buscou, até então, nos relacionamentos frustrados. Jesus percebe que apesar da solidão, das frustrações, das prováveis perseguições e violências sofridas, sobre as quais o texto silencia, apesar da barreira xenófoba e religiosa erguida entre eles, ali existia um coração generoso, sedento de vida que esperançava a vinda do Messias de Deus para mudar o mundo e a vida das pessoas!
– Eu não tenho marido, revela a Samaritana após Jesus pedir que ela chamasse o seu esposo! Já havia percebido que estava diante de um ser humano diferente que lhe tocara o coração e lhe abrira a mente para enxergar a si mesma, como nunca havia acontecido antes. Percebia que diante daquele profeta de Deus a única postura possível era a da honestidade consigo mesma e com o seu interlocutor. Resolveu que seria ela mesma, sem máscaras, sem dissimulações. Naquele exato momento, a Mulher de Samaria estava movendo a pedra que abre as comportas dos rios de águas vivas…
Depois de ter compreendido que a presença libertadora de Deus não está presa no templo, nem está condicionada pelas tradições religiosas e, tendo percebido que estava diante de um profeta, das estirpe dos antigos profetas, sobre os quais aprendera desde a sua infância, sua mente se expande para muito além dos limites conservadores da vida, da religião e, sobretudo, dos limites que impuseram ou impôs a si mesma! Ela ouviu de Jesus: Eu Sou, eu que falo contigo, sou o Messias que você tanto espera!
– Em seguida, a mulher deixou ali o seu pote voltou té a cidade e disse a todas as pessoas: venham ver tudo o homem que disse tudo o que eu tenho feito. Será que ele é o Messias? Continua a narrativa do capitulo 4 do evangelho de João.
O padre e teólogo italiano, Alberto Magi, trás um bonito resumo deste momento de conversão da Mulher Samaritana quando escreve em seu livro – A loucura de Deus, o Cristo de João – que “a fonte de água viva sendo recebida como dom, a água do poço perde a sua utilidade e a mulher abandona definitivamente o cântaro, e com ele uma relação com Deus baseada na Lei, no esforço e no mérito.” Portanto, é assim que, ao descobrir em Jesus o Messias tão esperado, sua alma se encheu de uma novidade de vida que preencheu todas as perspectivas da sua existência. Não precisava mais das muletas emocionais advindas de relacionamentos de qualquer tipo, era dona de si outra vez, sentia fluir a esperança na forma de uma força que lhe compelia a espalhar a boa notícia aos seus parentes, amigos e vizinhos de Samaria.
A Mulher Samaritana foi ela mesma a mensagem de vida e de liberdade para o vilarejo de Sicar! Sua experiência com Jesus a libertou da alienação de si mesma e também das amarras misóginas da sociedade patriarcal que vitimou e violentou tantas mulheres ao longo da história.
Diferentemente daqueles que afrontaram Moisés no deserto, que buscavam apenas aliviar a sede do corpo menosprezando o cuidado com a vida, a Mulher Samaritana buscava a água que saciasse a sede da sua alma e alimentasse a esperança do seu Povo. O povo livre, no deserto, ainda carregava o opressor na sua mente, a Mulher de Samaria consciente das cadeias que lhe oprimiam sonhava com o dia da sua liberdade e isso aconteceu durante o encontro com Jesus de Nazaré.
Não canso de aprender com as santas Mulheres da Bíblia, por vezes silenciadas e invisibilizadas. Não canso de aprender com as Mulheres da vida, da minha vida e da vida do mundo. Elas serão o que desejarem ser, elas estarão no lugar que desejarem estar, elas farão aquilo que desejarem fazer, na liberdade oferecida pelo Evangelho libertador de Jesus de Nazaré.
Que seja assim. Amém. Amém e amém.
Lenon Andrade é pastor é batista em Campina Grande e membro do CEBI /PB.