Leia a reflexão sobre Lucas 1,39-45, texto de Itacir Brassiani
Boa leitura!
No quarto domingo da caminhada do Advento nossa atenção é atraída pelo encontro entre duas mulheres grávidas. A cena se desloca das margens do rio Jordão a um ambiente doméstico, e o apelo forte e claro do profeta dá vez à voz da alegria feminina. Somos convidados a celebrar a grandeza dos pequenos, a dignidade do corpo e a alegria de crer. Quando mulheres idosas se tornam mães, quando desertos viram jardins, quando mortos ressuscitam e virgens engravidam, nada mais é impossível e a esperança vira semente, certeza e festa.
Em geral, fugimos da pequenez e do anonimato, pois eles parecem negar ou roubar nossa dignidade. Às vezes, sentimo-nos constrangidos quando nos perguntam de onde somos, pois nossa vila de origem não consta no mapa das cidades importantes. Quem de nós sabia da existência de Xapuri (AC) antes do martírio de Chico Mendes, no dia 22 de dezembro de 1988? E quem sabia algo sobre Anapú (PA), até que Dorothy Stang teve seu sangue derramado pelos latifundiários em fevereiro de 2004? E quem saberia de Nazaré se não fosse a prontidão de Maria para se colocar a serviço do projeto de Deus?
Deus gosta de andar pela contramão e celebrar as pessoas humildes e os pequenos lugares. Eis o que Ele anuncia pela boca do profeta Miquéias: “Mas você, Belém de Éfrata, tão pequena entre as principais cidades de Judá. É de você que sairá para mim aquele que há de ser o chefe de Israel”. A carta aos Hebreus acena para este mesmo mistério quando diz que, ao vir ao mundo, o Filho de Deus disse: “Tu não quiseste sacrifício e oferta. Em vez disso, tu me deste um corpo. Holocaustos e sacrifícios não são do teu agrado. Por isso, eu disse: Eis-me aqui, ó Deus, para fazer tua vontade”.
Sacrifícios e ofertas não são o ponto fraco de Deus. Ele prefere dar-nos um corpo para que nele e com ele realizemos sua vontade. Grandes ideias, projetos fabulosos, ideais inflados, sentimentos profundos e construções majestosas representam pouco diante da beleza e das possibilidades que nos são dadas com o corpo. O que Deus deseja mesmo é que sua Palavra se faça carne em nossas mil relações cotidianas. O presente mais precioso que podemos dar a Deus no Natal do seu Filho é fazer ecoar a voz de uma multidão de homens e mulheres anônimos: “Eis-me aqui para fazer tua vontade!”
Eis o que representam Isabel e Maria: dois corpos que se dispõem a acolher o Mistério, duas liberdades prontas a fazer a vontade de Deus, duas mulheres insignificantes e de lugares desconhecidos que fazem a diferença. No abraço afetuoso, no grito melodioso e na dança ritmada daqueles corpos abraçados por Deus, até as pequenas criaturas que elas carregam no ventre se emocionam e participam. Há algo mais belo que mostrar ao mundo, mediante nosso próprio corpo, a certeza de que algo novo começou e que a esperança se tornou realidade?
O encontro entre Maria e Isabel é uma espécie de ampliação do anúncio do anjo a Maria e de confirmação do sinal por ele oferecido. O que é mesmo que vem confirmado? Que Deus olha para a humilhação dos seus filhos e filhas e os escolhe como seus protagonistas; que a humanidade germina em lugares e pessoas consideradas insignificantes; que para Deus nada é impossível; que a felicidade brota da ousadia de acreditar. Isabel reconhece em Maria a felicidade própria das pessoas que ousam acreditar e vislumbra no seu corpo feminino a arca de uma aliança que está para ser assinada entre Deus e a humanidade.
A cena está cheia de alegria feminina. Em momentos grandes como este, as palavras parecem incapazes de dizer o significado profundo daquilo que se vive. Quando tocamos com a mão os pequenos sinais de algo grandioso que começa a acontecer, nossos lábios se abrem em profecia: ‘Felizes são as pessoas que ousam acreditar! Felizes aqueles que sonham, pois correm o risco de ver sua realização! Bem-aventurados aqueles que ensaiam em seus corpos as novas relações que reivindicam! Bendito seja quem reconhece a pessoa humana como Arca de Deus! Bendito seja Deus que derruba os poderosos e eleva os humildes!’
Deus, alicerce da nossa paz e fonte da nossa alegria: na bruma leve das paixões que vêm de dentro já vemos os sinais da proximidade do teu filho amado. Vem em nosso auxílio, para que ele não nos surpreenda preocupados apenas com comidas, presentes e férias. Possamos nós vencer as distâncias que nos separam e endireitar as curvas que nos afastam de quem necessita de nós. E que resplandeça em nosso corpo a alegria de quem vive com sede e fome de justiça e de beleza, presentes preciosos que nos dás no Santo Menino, que quer estender sua esteira no meio de nós e aqui opermanecer. Assim seja! Amém!