O Senhor das Andanças, chamado Jesus, estava em Jerusalém, como aponta este trecho do Evangelho de João. Assim como ele, muitas gentes peregrinavam para a capital na ocasião da Festa da Páscoa, um acontecimento anual do povo judeu para relembrar da libertação do povo da opressão egípcia. Jesus foi com seus discípulos para este evento tradicional da sua cultura e religião, para celebrar a Páscoa judaica e também sua própria páscoa, pois tinha consciência que sua vida e ações já haviam incomodado por demais as autoridades politicas e religiosas da sua época.
Sua chegada na cidade não passou desapercebida, mesmo chegando montado num humilde jumentinho, sua presença causou alvoroço e curiosidade, afinal todos queriam conhecer aquele que havia ressuscitado um certo homem chamado Lázaro, não era todo dia que uma notícia dessas chegava até as pessoas. Era sabido que esse homem Jesus vinha fazendo milagres e operando sinais por onde passava e a última notícia dizia respeito a um morto que havia ressuscitado pelas suas mãos. Sem dúvida, todo mundo queria ver e chegar perto do tal Jesus de Nazaré, um certo andarilho que se assentava com as gentes simples e pobres, andava com pescadores, comia e bebia com bêbados e prostitutas, e que tinha uma palavra cortante, mais afiada que faca amolada, transpassava mentes e corações e deixava seus adversários mudos diante da sua sabedoria e eloquência.
Entre as muitas gentes e culturas presentes nesta grande festa dos judeus estavam também os gregos. Os representantes da filosofia, os donos da razão e do conhecimento. Com certeza duvidavam do que se ouvia falar de Jesus, por isso quiseram conhecê-lo, o tal “ver pra crer”. Se aproximaram de Felipe pedindo para ver o Mestre e ao ser interpelado pelos seus discípulos, Jesus responde de forma enigmática e metafórica, apontando sua glorificação na morte. O sucesso da missão, o reconhecimento dos seus feitos se daria na morte e não em vida. Pois Ele sabia que o sistema ao qual questionava não iria deixar barato, e o destino de quem se levanta contra a ordem estabelecida era a morte violenta e exemplar, a morte na cruz, como era o costume dos romanos.
Jesus estava exatamente no centro nervoso do poder judaico e romano, rodeado de filosofias que alimentavam a ideologia dominante e desacreditava dos seus feitos, assim como as comunidades joaninas representadas nestas memórias, estavam se formando no primeiro século da era cristã, ameaçadas pelas muitas filosofias, pelo judaísmo ortodoxo e pela violência dos romanos. Ser cristão e dar continuidade a missão do Jesus de Nazaré não era uma tarefa fácil e muito menos segura. A morte estava sempre a espreita e o valor da vida negligenciado pelos opressores.
Assim como Jesus sentia medo e insegurança, as primeiras comunidades também. Por isso neste trecho o nosso Mestre demonstra o que de fato é importante para seguir com seu projeto pela vida e justiça, desapegando deste mundo e não se importando com a morte, pois ela era a mestra da ressurreição e para dar frutos era preciso enfrentar até mesmo a morte. Para viver em comunidade era necessário o desapego desta vida material, e deixar tudo de lado por um propósito maior quando a vida é eternizada nos feitos e sinais produzidos pelas pessoas que seguissem seu projeto.
Para viver a missão que Jesus deixou, era preciso ter consciência dos perigos e consequências. A morte era o objetivo, não apenas como passagem para a vida eterna, mas como semente que renasce e traz muitos frutos. Encarar a morte era condição cotidiana para se manter em comunidade e levar adiante o projeto libertador de Jesus. Assim como ele, seus discípulos sentem medo e insegurança diante do futuro, mas suas palavras, embora nada otimistas, demonstram a profundidade do seu compromisso com as pessoas, pois mesmo diante da morte não era, e não é, uma opção desistir.
Nestes tempos, onde vivenciamos a morte através de guerras, pandemias, e todo tipo de violência, o Evangelho de João nos ensina a entregar e confiar nossas vidas ao Mestre Jesus que ressuscitou e nos deu a vitória sobre a morte, pois com ele temos a vida eterna que começa no presente, na nossa luta cotidiana contra os poderes opressores do nosso tempo.
Que sejamos como grão de trigo, como uma semente pequenina e frágil, mas que com o poder do Espírito de Deus é capaz de morrer e renascer oferecendo sombra e frutos para nos alimentar.
Pastora Lilian Sarat
CEBI-MS