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Mulher, Poder e Revelação – Cantares 1,1-17

Fazendo ecoar o dia Internacional das Mulheres, o CEBI partilha o artigo de Maria dos Santos de Jesus Silva e Sandra Regina Pereira, que faz parte do livro Mulher, Poder e Transformação, disponível no site do CEBI.


Este tema é muito provocador e estimulante para o momento político, econômico, cultural e social que estamos vivenciando, depois do golpe no governo da nossa presidenta Dilma Rousseff, que nem o direito de ser chamada de presidenta lhe foi concedido por pessoas marcadas pela cultura machista e contrárias a uma linguagem inclusiva.

O que é ser mulher? Simone de Beauvoir já fez essa pergunta em seu livro O segundo sexo. Vamos pensar: somos nós subordinadas, frágeis, emotivas, maternais? Santo Tomás de Aquino, um dos pais da igreja, disse que a mulher é um ser incompleto, um ser ocasional.

 Incompleto porque faltou um pênis? Ocasional porque Deus, vendo o homem solitário, fez de suas costelas uma companheira?

O que é ser mulher? Temos que nos posicionar e escrever a história com nossas características, com nossos sentimentos e razões, com nossa força e fragilidade, com nosso poder de maternidade e humanidade, com nosso sexto sentido.

Revendo a história

Segundo a obra de Engels, A origem da família, da propriedade privada e do estado, a divisão de trabalho era espontânea nas origens na humanidade. No período considerado como “barbárie”, o homem cuidava das atividades da caça e pesca e era dono dos seus instrumentos. A mulher cuidava da comida, da casa, tecia e era dona dos seus instrumentos. A horta, a canoa e a casa eram comuns a todo o clã formado por várias famílias. Quando o homem passou a domesticar o gado, que é sua propriedade, ele começa também a fazer trocas do excedente por mercadorias e escravos, enquanto a mulher passa a ser apenas consumidora. Inicia, então, sua subordinação ao homem.

Outro recorte na história é que, também na época da “barbárie”, alguns grupos eram comandados por mulheres. No período matriarcal, a Grande Mãe era respeitada e venerada como Deusa por todos. O poder de ser geradora de vida conferia à mulher o poder de liderança grupal e sacerdotal, o que lhe permitia ser protagonista nas questões sagradas. Nesses grupos humanos, o culto à Deusa teve existência por muito tempo. Porém, com as invasões de outros povos que cultuavam Deuses, a mulher perde para o domínio masculino a sua força de liderança sobre o grupo e sobre as questões religiosas. É o patriarcalismo. O poder, que até então pertencia à mulher, foi sub- jugado. De capaz a mulher passou a ser incapaz. Foram-lhe tiradas a ação, a voz e a circulação. Como assim? Poder é um termo que tem origem no latim e significa “ser capaz de”.

Vozes femininas em Cantares

Empoderada e altiva, a voz feminina canta: “Sou morena e for- mosa, ó filhas de Jerusalém, como as tendas de Cedar e os pavilhões de Salma. Não olheis eu ser morena: foi o sol que me queimou; os filhos de minha mãe se voltaram contra mim, fazendo-me guardar as vinhas, e minha vinha, a minha.   eu não a pude guardar” (Ct 1,5-6).

A voz de Sulamita (7,1) é reveladora, mas pouco discutida. Ela expressa seus pensamentos, seus sentimentos de um amor fiel, terno, perene, compartilhado em todos os aspectos da vida e recriado a cada nova oportunidade (ANDIÑACH, 1998, p. 10). Sulamita se identifica como morena, ou poderíamos dizer negra? Segundo Cleusa Caldeira, a tradução não permite clareza. “Shahorah e sheharehoret (negra) são traduzidos, na teologia eurocêntrica, como ‘preta’ ou ‘morena’, evitando traduzir como ‘negra’”. A nossa tradição eurocêntrica não faz questão de mostrar uma personagem bíblica como sendo uma negra. Essa construção feita pelo patriarcalismo é excludente e desumana. Omitir ao negro ou à negra que um ou uma representante de seu povo seja personagem da Bíblia é uma construção muito cruel. Onde eles podem se enxergar representados? Olhe os espaços em que circulamos, onde eles estão? Olhe na literatura, nos livros didáticos, nas novelas, nos jornais, nas salas de aula, onde eles estão? Quantos negros ou negras terminam o curso superior? E quando usam do direito das “cotas raciais” que conquistaram são acusados de roubar a vaga de um branco e taxados de incapazes.

Analisemos a questão estética. A estética da mulher é muito mais cobrada que a do homem. Os padrões de beleza ditados pela sociedade são o modelo europeu: mulher branca, magra, olhos claros, cabelo liso e loiro. Como se sente uma menina negra no ambiente escolar? Com quem vai se identificar? E o cabelo das amiguinhas de sala? O cabelo… ora o cabelo! Tradicionalmente, há um preconceito quanto aos cabelos crespos, cabelos encaracolados. Cabelos crespos são sinônimo de cabelo ruim, cabelo bombril. Como usar os cabe- los soltos diante de tanto preconceito? Na escola, somente quando um/a professor/a, que conseguiu desconstruir esta imagem negativa, assume seu cabelo, usando penteados afros, adereços como turbantes, então é que a criança negra se sente representada, identificada. Nos livros didáticos, a imagem da raça negra só aparece na senzala ou no pelourinho. Quando uma criança é convidada a desenhar e pintar uma figura humana, geralmente é rosa o lápis que lhe é dado para pintar a cor da pele. Onde estão as pessoas da raça negra? Por que não aparecem representando sua verdadeira força produtiva e construtiva na sociedade?

Sulamita diz ser morena como as tendas de Cedar. Quedar significa “ser escuro”. Filho de Ismael (Gn 25,13) que foi pai dos que- daristas e viviam em tendas. Esta informação nos ajuda a reforçar a cor da mulher negra que protagoniza o Livro de Cantares. Ressalta também a sua autonomia, conseguindo se desvencilhar do controle dos irmãos para ir ao encontro do seu amado.

A subordinação imposta pelo patriarcalismo não a faz se acanhar de ir à procura de sua liberdade e conduzir suas ações. Esta- ria acontecendo uma revolução feminista? Se havia, por parte do patriarcalismo, um controle sobre os corpos das mulheres, elas parecem demonstrar insatisfação diante de tal controle. A amada e as cantoras são cúmplices de uma história de amor.

“…e minha vinha, a minha… eu não pude guardar” (1,6). A quem entregariam seus corpos só interessa a cada uma. Não é um governante ou sacerdote que deveria ditar-lhes as regras. Regras que servem somente para manter o poder de dominação dos homens.

Cantares é um poema de amor que tem como cenário a natureza, o que difere de tudo o que preconizavam os padrões sociais da época. Toda a Bíblia é considerada, para as pessoas cristãs, uma carta magna de Deus escrita para a humanidade. Ela orienta o caminhar no amor, com amor, para se viver o amor. Assim, o poema de amor Cantares também é inspiração divina. Atualmente, a palavra amor está tão desgastada que carece de esclarecimento para se dizer de que amor se fala.

A influência da moralidade cristã em nossas vidas é tamanha ao ponto de nos esquecermos de que o amor erótico também faz parte do caminho apresentado por Deus para vivermos no seu reino. Contudo, Deus não tem tradição puritana, e tudo o que Ele criou é bom (Gn 1). Assim, entendemos o amor sensual e sexual como algo bom, e que “o sexo, desejo, sensualidade, simpatia, comunhão, amizade – tudo isso faz parte de Deus, como plantas de um mesmo jardim” (JARDILINO, 2009, p. 6). A celebração do amor erótico na Bíblia é um desafio para que nos alegremos com o fato de Deus ter-nos criado com sexo, pois nenhum ser humano seria completo sem o outro. E isso Ele nos revelou na experiência da criação (Gn 2).

Para Jardilino (2009), o amor é o encontro com o outro. Se o amor vem de Deus, não se pode servir o amor sem amor, pois os nascidos de Deus amam e se deixam amar. Nesta perspec- tiva, a sexualidade é o maior símbolo do amor divino. Portanto, “não é lícito censurar Deus por ter inspirado os namorados no texto bíblico a cantarem o amor, exaltando a beleza dos seus cor- pos como simples poemas de amor, do Amor que Deus fecundou entre as suas criaturas sexuadas, feitas à sua imagem e semelhança” (JARDILINO, 2009, p. 6).

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