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Um povo de chinelo de dedos [Edmilson Schinelo]

Não faz muito tempo, em Cascavel, no oeste do Paraná, um juiz, ironicamente chamado Bento, decidiu cancelar uma audiência, em razão de que uma das partes se apresentou calçando chinelo de dedos. No termo da audiência, o juiz ressaltou que “o calçado é incompatível com a dignidade do Poder Judiciário”[1]. A “parte” a usar chinelos de dedos era um trabalhador rural. Com certa ingenuidade, o advogado argumentou:

“faltou um pouco de sensibilidade ao juiz, porque o trabalhador foi com a melhor roupa que tinha.”
[2]

Ora, é evidente que faltou toda sensibilidade ao juiz, mas não é essa a questão. O que esse juiz faz é uma opção de classe. Cancelar a audiência a um trabalhador que chega de chinelos de dedos (e não se tratava de uma modelo ou atriz famosa a fazer propaganda dos mesmos chinelos, agora tão em moda na Europa) é expressar com toda precisão do lado de quem a “justiça”, de antemão, se posiciona. Trata-se de uma opção de classe.

A atitude desse juiz e as diferentes reações que a mesma causou na região podem nos levar a análises diferentes, a depender do pressuposto teórico utilizado. A maioria dos advogados, por exemplo, até pode ver na ação isolada do juiz a falta de sensibilidade. Mas faz questão de não enxergar o fato como expressão de territórios demarcados: um é o espaço das elites, que controlam o acesso aos bens e, inclusive, à justiça; e outro é o espaço no qual devem permanecer confinadas as classes pobres, massas a terem sua mão-de-obra sempre confiscada de acordo com os interesses financeiros das mesmas elites.

Não é por menos que o MST e outros movimentos estão tão empenhados na formação de seus próprios advogados e advogadas[3]. Não é por menos que nós, quando falamos em Reforma Política, incluímos, obrigatoriamente, a reforma do judiciário.

Tentemos trazer o exemplo do chinelo de dedos para as nossas práticas e para as práticas oficiais das instituições às quais pertencemos ou com as quais trabalhamos. Para isso, uma pergunta é fundamental: Qual é o espaço que “o povo dos chinelos de dedos” tem em nossas instâncias de decisões?

Não se trata de desenvolvermos ações assistenciais junto a esse grupo social, ainda que estejamos inseridos nos meios mais pobres (se é que estamos!). Trata-se, muito mais, da construção coletiva de um projeto de sociedade. Qual o grau de participação desse grupo social na formulação dos projetos que desenvolvemos, mesmo os de objetivos mais imediatos? De que maneira somos fiéis aos exemplos que nos vêm da própria Bíblia? Como sempre repetimos, o povo de Israel se formou a partir da junção de vários grupos sociais, quase todos hebreus. E, bem sabemos, o termo hebreu (ou a variante hapiru)  não expressa inicialmente uma raça, mas uma condição social de marginalidade. Diversos grupos sociais se juntaram para fazer oposição ao poder do faraó, ou seja, ao modo de produção tributário existente no Egito e nas regiões por esse império dominadas. Também Jesus, quando constitui sua primeira comunidade de vida fraterna, não a faz somente para que a mesma “ajude os pobres”.  A comunidade em si é formada de pessoas empobrecidas! De que forma estamos conseguindo reinventar essas experiências? E com que objetivos?

E não sejamos românticos/as! Quando falamos de chinelo de dedos, símbolo que gostamos muito de usar em nossas celebrações, expressão da caminhada, muitas vezes nos esquecemos do que significa trabalhar assim, no frio úmido do sul, na terra quente do sertão nordestino, no asfalto que produz bolhas nos pés, ou nos lixões de nossas cidades!

Fonte: Extraído do livro Partilhando e avaliando práticas de educação libertadora, de Edmilson Schinelo e Nancy Cardoso Pereira.

Referências:

[1] A Ata de nº 01468-2007-195-09-00-2, na qual figura a determinação do juiz, pode ser encontrada em http://www.argumentum.com.br/conteudo.php?idconteudo=22022&id=21&titcatid=206&busca= (acesso em 23/06/07).

[2] http://www.anamatra.org.br/noticias/imprensa/ler_imprensa.cfm?cod_conteudo=14422&descricao=clipping, acessado em 09/07/07.

[3] Ver, a esse respeito, a bela experiência da RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares, nascida em 1995. (www.renap-advocacia.com.br).

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