A Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC), edição 2022, que tem como tema “Vimos o seu astro no oriente e viemos prestar-lhe homenagem”, será realizada de 5 a 12 de junho.
Os subsídios desta SOUC foram elaborados pelo Conselho das Igrejas do Oriente Médio (MECC). No Brasil, quem fará a adaptação do material é o CONIC Agreste Pernambucano.
Para entender um pouco melhor as dinâmicas das igrejas no Oriente Médio, fomos conversar com o reverendo Fuad Dagher (foto abaixo), palestino, cônego de reconciliação da Diocese de Jerusalém e secretário provincial para a Igreja Episcopal de Jerusalém e Oriente Médio. Essa entrevista foi mediada por Paulo Ueti, do Escritório da Comunhão Anglicana em Londres/Reino Unido, a quem somos imensamente agradecidos.
Confira:
1) Os materiais da SOUC 2022, que tem como tema “Vimos o seu astro no oriente e viemos prestar-lhe homenagem” (Mt 2,2), foi preparado pelo Conselho das Igrejas do Oriente Médio. De que modo isso é representativo para os cristãos locais?
O título e o verso escolhidos são, ao mesmo tempo, emocionantes e desafiadores. Ver a estrela no Oriente representa duas coisas importantes para a Igreja Cristã no Oriente Médio: ela dá uma responsabilidade para os cristãos de todo o mundo de estarem conscientes da estrela no Oriente, que é a presença antiga e contemporânea aqui através das Pedras Vivas da Terra Santa e, para além disso, não apenas nossa presença física, mas o impacto que podemos e estamos tendo nas comunidades ao nosso redor. Espero que possamos continuar sendo uma boa causa para Cristo no Oriente, e ver a luz dessa estrela em nossos compromissos, nossas alegrias e nossas esperanças em meio aos desafios que enfrentamos na região.
2) Há unidade nas igrejas do Oriente Médio? Se sim, quais são os principais fatores que contribuem para essa unidade?
Sim – em alto e bom som! A Igreja na Terra Santa e ao redor do Oriente Médio é uma igreja com um forte senso de ecumenismo e testemunho. Chegamos a entender que, como cristãos nesta região, não podemos existir em nossas ilhas separadas ou fazer o trabalho como membros [solitários] do corpo de Cristo. Levou anos para que a igreja percebesse isso. E após muitos desafios que a Igreja está enfrentando, particularmente a emigração de muitos cristãos, a falta de oportunidades de trabalho e outras questões em torno do acesso à moradia – condições para viver e se expressar com dignidade. Portanto, levou muito tempo para que as igrejas reconhecessem que não há outra escolha a não ser estarem juntas. Isto não significa que a identidade distinta de cada igreja deva ser fundida em uma só. Em vez disso, vejo a diversidade como um ícone em muitas cores, mais bonito e notável como resultado.
Pela minha própria experiência aqui em Shefa’Amr, onde há muitos cristãos de todas as origens, bem como drusos e muçulmanos, é tão bom e promissor ver como podemos trabalhar juntas/os. Isso nos impulsiona para trabalhar melhor, sendo uma voz profética neste mundo.
3) No Ocidente, muitas vezes, vemos Igrejas se “portando” como concorrentes umas das outras. Como avalia esse fenômeno?
Ter este sentimento de necessidade de competir com outras igrejas é realmente bom – desafia você a fazer bem o seu trabalho e torna-o capaz de ampliar o seu ministério. Entretanto, se isto o leva a ver que você é a igreja que detém a verdade e outras não a têm, daí não leva a lugar algum. Um ethos competitivo o ajuda a desenvolver mais trabalhos e a trazer mais pessoas à fé, tornando-as mais comprometidas em sua fé, o que é bom. A igreja no Oriente Médio, que tem a sensação de ser uma minoria, reconhece que deve trabalhar em conjunto e com uma só voz, uma voz profética, a fim de ser ouvida pelos outros.
Nos últimos anos, um dos melhores jeitos de trabalhar é a forma como os Patriarcas e Chefes de Igrejas fazem: se reúnem regularmente e emitem declarações sobre questões significativas que estão afetando os cristãos no Oriente Médio e as comunidades mais amplas a que pertencemos. As pessoas esperam ouvir essa voz unida em tempos de conflito ou dificuldade particular. Poder compartilhar essa voz com o mundo mais amplo é um verdadeiro presente.
4) Quais são, na sua opinião, as maiores barreiras para a unidade cristã?
A principal barreira para a unidade dos cristãos,é quando as igrejas começam a pensar que elas são os que detêm a verdade, exclusivamente. Quando a igreja se considera poderosa, sentada em seus tronos (e eu me incluo nisto) – quando este vírus infecta a igreja, não somos capazes de ver nosso verdadeiro eu através do espelho de nossa irmã ou irmão. Não podemos ser cristãos e ser isoladas/os. Devemos estar em comunhão uns com os outros, e quando formos capazes de quebrar estas barreiras de arrogância e orgulho, então poderemos nos unir e crescer em nossa fé e em nossa jornada com Cristo.
5) Como é “ser/viver Igreja” no Oriente Médio?
No Oriente Médio não se pode dizer “como é que é ser uma igreja, como ela deve parecer”. Nesta terra onde nossa fé comum começou, somos “igreja” através da terra, do ar que respiramos, e somos criadas/os como igreja à medida que saímos do ventre de nossas mães. Mesmo alguém que não é um crente praticante, ou talvez até mesmo um ateu, a identidade ainda está amarrada na tribo religiosa a que você pertence. Esta é uma espada de dois gumes como uma minoria. De certa forma, protege a presença contínua da igreja, mas realmente devemos assumir a tarefa de explicar às pessoas o que é nossa fé, para aprofundar sua compreensão e levá-las a uma fé real através do discipulado. Todos nós fazemos isso com aqueles que já estão dentro de nossos lugares de culto durante a semana, mas precisamos encorajar mais pessoas a vir, e nos unirmos em adoração, oração e companheirismo.
6) Na sua comunidade, quais são os principais desafios e as maiores alegrias?
Devemos começar sempre compartilhando as alegrias. Somos uma comunidade que, como povo, sabe trazer alegria para nossas vidas e trazer alegria para as vidas dos outros. Um amigo meu disse que “vocês palestinos, vocês cristãos – vocês sabem como festejar, como celebrar”. Somos especialistas em desapegar e relaxar às vezes. Isso não significa que não queiramos levar a sério nossas responsabilidades na fé e na missão, mas sabemos como aproveitar o que há para aproveitar e fazer o melhor de cada momento que nos é dado, porque pensamos que isso também é uma bênção.
Entretanto, ao mesmo tempo, pensamos demais no futuro. Muitas vezes nos encontramos alucinando com o futuro, isto se deve, de certa forma, à instabilidade do agora. Consideramos o futuro de nossas/os filhas/os o tempo todo, e esse sentimento está com aqueles de nossa paróquia, nossa comunidade o tempo todo. A instabilidade é a nível político, econômico e religioso. Sabemos que o Oriente Médio não é realmente estável e que as pessoas têm medo. O medo é um grande desafio neste lugar, onde as pessoas ficam realmente preocupadas com o amanhã.
Fonte : Site do CONIC: https://conic.org.br/port