Nos dias 10 a 12 de março de 2023 pessoas do Cebi Centro-Oeste participaram de um seminário de aprofundamento sobre critérios bíblicos para superação da fome, em diálogo com o lema da Campanha da Fraternidade 2023, da ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana): “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14, 16).
O encontro aconteceu em Brasília (DF) e foi assessorado pela Pastora Romi Bencke. Ela iniciou a fala provocando o grupo a pensar que é preciso ir além da superação da fome. É necessário refletir sobre questões relacionadas à segurança alimentar. Existe segurança alimentar com transgênicos? Existe segurança alimentar com monocultivos? Existe segurança alimentar com agrotóxicos? A fome é consequência de que? Por que a necessidade de campanhas para amenizar os impactos da fome em um país que produz alimentos? É possível perceber que a fome não está concentrada num grande centro urbano. Ela está em todos os lugares. O problema é a falta de alimentos? Não! A questão é a não distribuição dos alimentos e os usos da terra.
Ações emergenciais que amenizam os impactos da fome precisam acontecer, pois a fome é real; têm muitas pessoas que precisam comer hoje, quem tem fome tem pressa. Porém, realizar ações emergenciais sem pautar debates críticos sobre a insegurança alimentar, sem olhar para o modelo de produção de alimentos no Brasil, é concretizar ações vazias.
E na perspectiva desse olhar crítico, a Romi propôs a leitura do texto bíblico de Gênesis 41, no qual as pessoas, em grupo, foram orientadas a observar:
O que o texto de Gênesis 41 tem de esquisito que não resolve a questão da fome? Qual o papel desempenhado por José nessa história? Cada grupo propor dois textos bíblicos que são mais coerentes com um projeto de justiça, do que a solução encontrada por José, em Gênesis 41.
Após os trabalhos em grupo, a Romi fez várias considerações. Entre estas, assinala-se: o texto de José do Egito nos faz pensar sobre o sentido da democracia. Podemos falar de democracia em um país desigual, que está no mapa da fome? Enquanto tivermos pessoas com fome, o projeto antidemocrático e fascista continua. O texto de Gênesis 41 apresenta uma narrativa bem coesa, e possui uma intencionalidade que está muito comum atualmente no mundo religioso, onde tende-se a reforçar narrativas que legitimam e justificam desigualdades. Não se faz abordagem críticas sobre o papel da religião na sociedade; o que se reforça são as leituras bíblicas que justificam a fome, os preconceitos, o racismo, a violência contra as mulheres. A religião tem sido usada como um instrumento ideológico muito forte. José foi alçado a um espaço de poder, mantendo uma aliança entre a monarquia e a religião. E aqui entra o papel do Cebi e do movimento ecumênico como um todo, pois essa aliança permanece e torna a religião uma força ideológica de controle.
Quando José apresenta um projeto para superar os 7 anos de escassez, ele cria uma política sem debate público para prevenir a fome. Processos coletivos, estratégias coletivas foram totalmente deixadas de lado no texto de Gênesis 41. José poderia ter buscado outros caminhos, por exemplo, interpretar para o povo empobrecido e não para o faraó. As pessoas organizadas em tribos tinham um sistema para que as pessoas tivessem acesso aos alimentos. Provavelmente as pessoas tinham saída para enfrentar o período de escassez. Quais são as saídas apresentadas pelos povos e comunidades das periferias para enfrentar a fome? Quais são as outras chaves que surgem para se falar sobre a fome? A fome sempre resulta de algo.
Por fim, a Romi também refletiu sobre as simbologias presentes no texto de Gênesis 41. As vacas magras e feias devoraram as vacas gordas; as espigas mirradas devoraram as espigas belas. O que isso pode simbolizar? Pessoas empobrecidas são ameaça para os interesses do faraó. Por isso, precisam ser controladas. José estava preocupado em acabar com a fome ou organizar um sistema junto com o faraó, para manter um grupo faminto controlado, a fim de evitar saques?
É preciso problematizar a questão da fome. Assim, o papel do Cebi é continuar oferecendo perspectivas de reflexões críticas para não se legitimar as desigualdades, mas discutir a fome como questão estrutural.
O seminário contou com a participação de 20 pessoas, de denominações cristãs distintas (Anglicana, Metodista, Católica Romana), vindas de Rondônia, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e Goiás, as quais sistematizaram uma proposta de atividades enquanto Cebi Centro-Oeste, em diálogo com o objetivo escolhido na última Assembleia Nacional do Cebi.
Algumas falas sobre os dias:
“Esse momento aqui foi um espaço para abrir horizontes”.
“Foi muito aconchegante. As partilhas de experiências e os momentos de oração foram muito fortes”.
Fiquei com a sensação: Sobrevivemos! Enquanto Cebi, enquanto democracia. Foi bem gratificante. Deu um sopro na nossa chama que estava apagada”.
“Eu estava ansiosa por esse momento pós-pandemia da Covid-19, para dizer sobre a necessidade de nos encontrar, dizer de nós, dizer que a esperança está acesa”.
CEBI Centro-Oeste, 13 de março de 2023.