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Perdoar Sempre! (Mt 18,21-35) [Sônia Mota e Nelson Kilpp]

O Contexto

Com o texto de reflexão para o próximo domingo, chegamos ao fim do sermão das comunidades ou sermão eclesiástico. O perdão de dívidas e ofensas não era uma prática desconhecida do povo de Israel nos tempos de Jesus. Mas parece que essa prática era bem difícil. De um lado, havia as minuciosas leis judaicas que exigiam uma série de procedimentos. De outro lado, estava a sociedade romana implacável e cruel especialmente para com os mais pobres.  Nesse contexto, estão se formando novas comunidades cristãs. Algumas dessas comunidades querem seguir as exigentes leis da sinagoga, outras, pelo contrário, as práticas romanas. É para dentro deste contexto comunitário que Mateus está escrevendo.

A pergunta

O texto começa com uma pergunta de Pedro:

– Senhor, quantas vezes devo perdoar ao irmão que pecar contra mim? Até sete vezes?

A legislação judaica exigia que se perdoasse até três vezes o irmão. Com sua pergunta, Pedro revela uma disponibilidade maior de perdoar do que a costumeira. Afinal, o número sete significa completude, perfeição. Mas a pergunta de Pedro ainda pressupõe que as possibilidades humanas para perdoar são limitadas.

Jesus responde:

– Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete.

Jesus surpreende com a resposta, pois setenta vezes sete simboliza aquilo que não mais é possível mensurar ou calcular. O perdão não pode ser calculado ou mensurado. Importante é a constante disposição de perdoar; esta não pode ter limites.

A Parábola

Através da parábola que segue, Jesus desafia os discípulos e as discípulas a sempre terem essa disposição de abertura para o perdão. Podemos dividir a parábola em três cenas.

  

CENA 1:  A dívida e o perdão são imensos (Mt 18,23-27)

Porque o Reino dos Céus é semelhante a  um rei que resolveu acertar contas com os seus servos. Ao começar o acerto, trouxeram-lhe um que devia dez mil talentos. Não tendo este com que pagar,  o senhor ordenou que o vendessem, juntamente com  a mulher e com os filhos e todos os seus bens, para o pagamento da dívida. O servo porém, caiu aos seus pés e,  prostrado, suplicava-lhe: “Dá-me um prazo e eu te pagarei tudo.” -Diante disso, o senhor, compadecendo-se do servo, soltou-o e  perdoou-lhe a dívida.

A parábola não revela o motivo da dívida do servo, mas a quantia de dez mil talentos é impagável. Ela equivale a aproximadamente 350.000 quilos. Os tributos anuais pagos a Herodes, por exemplo, eram de 900 talentos. Seriam, portanto, necessários mais de dez anos de receita de uma província romana. O rei age conforme o costume da época: manda vender todos os bens e toda a família do servo devedor.  Essa venda, no entanto, saldaria apenas uma parte mínima da dívida. Mesmo que a família toda trabalhasse a vida inteira, a dívida não conseguiria ser paga. Diante do pedido do servo, o rei se compadece e perdoa-lhe toda a dívida.

Chama a atenção o exagero da dívida e da atitude do rei. Este não prorrogou simplesmente o prazo solicitado pelo servo; perdoou-lhe a dívida.

Assim é a nossa dívida perante Deus: impagável. Assim também é o perdão de Deus: incomensuravelmente pródigo. Alguém uma vez afirmou que a pessoa cristã é alguém que foi condenado à pena de morte e depois anistiado.

CENA 2: A atitude mesquinha do empregado (Mt 18, 28-31)

 Mas quando saiu dali, esse servo encontrou um dos seus companheiros de servidão que lhe devia cem denários e, agarrando-o pelo pescoço, pôs-se a sufocá-lo e a insistir: “Paga-me  o que me deves!” O companheiro caindo a seus pés, rogava-lhe: “Dá-me um prazo e eu  te pagarei.”
Mas ele não quis ouvi-lo; antes, retirou-se e  mandou lançá-lo na prisão até que pagasse o que devia.

Um denário era o equivalente ao salário de um dia.  Com cem denários, um assalariado poderia viver parcamente durante quase 6 meses. A segunda cena repete a primeira: alguém cobra uma dívida, o devedor implora por um prazo. A diferença reside na atitude do credor. Nessa segunda cena, o credor não tem misericórdia e, por isso, não perdoa. O imenso perdão de Deus não mudou a vida do empregado perdoado. A mão aberta para receber permaneceu fechada para dar. Viver do perdão implica deixar-se levar pela gratuidade e estender a mesma aos irmãos e às irmãs na prática cotidiana. As duas metades da quinta prece do Pai Nosso não devem ser separadas: “perdoa-nos … como nós também perdoamos”.

CENA 3- A esperança dos sem esperança ( Mt 18, 32-35)

 Vendo os companheiros de serviço o que acontecera, ficaram muito penalizados e, procurando o senhor, contaram-lhe todo o acontecido. Então o senhor mandou chamar aquele servo e lhe disse: “Servo mau, eu te perdoei toda a tua dívida, porque me rogaste. Não devias também tu, ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti? Assim, encolerizado, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que pagasse toda a sua dívida. Eis como meu Pai celeste agirá convosco, se cada um de vós não perdoar, de coração, ao seu irmão.

Os companheiros do credor incompassivo poderiam ter ficado calados ou omissos diante de sua atitude para com o seu companheiro menos afortunado, numa atitude de “não querer comprometer-se”, mas eles denunciaram aquilo que consideraram um comportamento inadequado. Quem não vive o perdão recebido de forma consequente menospreza o amor de Deus. O perdão compromete, a graça constrange. Ao estendermos o perdão recebido, o fazemos considerando a pessoa que nos ofendeu e em obediência ao mandamento de Deus. A prática do perdão rompe a relação de desigualdade, de exploração e de exercício desumano de poder e coloca a base de uma sociedade alternativa: as novas comunidades cristãs.

Fechando Cortinas

Na oração do Pai-nosso pedimos:

perdoa as nossas ofensas assim como também perdoamos a quem nos tem ofendido“.

A misericórdia de Deus para conosco não tem limites nem se esgota. Só que ela nos constrange a orientar toda a nossa vida por ela. Caso contrário, desprezamos o perdão de Deus, deitamos a perdê-lo. A graça de Deus não é uma graça barata, mas uma graça que exige de nós o compromisso de sermos agentes de perdão e reconciliação. O sermão eclesiástico de Mateus pretende dar diretrizes de como as primeiras comunidades cristãs – e também nós hoje – podemos ajudar a construir uma sociedade alternativa em que o perdão prevaleça sobre a estrutura de dominação e a pirâmide do poder opressor.

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