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Opressão do povo negro ainda não ocupa espaço importante na agenda teológica

Opressão do povo negro ainda não ocupa espaço importante na agenda teológica

Com o protagonismo negado em narrativas importantes na história do Brasil e do mundo, a população negra vive um preconceito latente nas mais variadas formas de relações da sociedade. Buscam, diariamente, ultrapassar uma estrutura de pensamento e lugar de poder ainda predominantemente brancos.

Para debater o assunto, a Adital entrevistou Ronilso Pacheco, interlocutor social na Organização Não Governamental Viva Rio, entidade que auxilia na formulação de políticas públicas para a inclusão social no Rio de Janeiro. Graduando em Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Pacheco é membro do Coletivo Nuvem Negra – coletivo de negros e negras estudantes da PUC-Rio, e também presta assessoria para movimentos sociais e organizações de direitos humanos. O teólogo fala sobre as origens da chamada Teologia Negra, sobre assassinatos de jovens negros, exploração da mulher negra, além da intolerância contra as religiões de matriz africana.

Adital: Como surgiu a Teologia Negra e em que consiste essa corrente?

Ronilso Pacheco: “Porque os teólogos brancos vivem numa sociedade que é racista, a opressão do povo negro não ocupa um importante item na agenda teológica deles”. Esta é uma frase referencial do pastor metodista James Cone, considerado o pai da chamada “Teologia Negra”. Cone repensa toda a leitura teológica compromissada com uma hermenêutica hegemônica, branca, europeia, que ele também não chega a jogar fora, mas considera limitada para dialogar com a realidade dos negros americanos e sua história peculiar de exploração, escravidão e racismo, corroborados pela segregação.

No contexto em questão, é claro que se destaca a liderança e o lugar de referência indiscutível do Dr. King [Martin Luther King], mas, ao redor do seu nome, pastores, teólogos e teólogas, lideranças diversas, transitavam na construção de uma teologia a partir da negritude. Junto ao Dr. King e seus companheiros mais próximos (como Ralph Albernathy e Andrew Young) estava a Conferência dos Líderes Cristãos do Sul. Mas já na segunda metade da década de 1960, o Comitê Nacional do Clero Negro surgiu sob a liderança do reverendo Benjamin F. Payton, se distanciando do posicionamento de King, embora sem abandoná-lo. Esses pastores negros e suas igrejas se aproximaram também do movimento Black Power, que é a resposta negra para as opressões brancas violentas, que se radicalizavam como reação à sucessão de protestos e reivindicações dos negros nas cidades americanas, em especial as do sul.

Porém, talvez a grande marca e pontapé inicial na igreja negra nos Estados Unidos é a declaração, em julho de 1966, publicada no The New York Times, em que o Comitê Nacional do Clero Negro diz entender e apoiar as razões do movimento Black Power. É, portanto, uma virada hermenêutica muito significativa, que precisa não transformar, mas praticamente romper com as hermenêuticas até então utilizadas pelas igrejas brancas tradicionais, onde o negro não encontrava o seu lugar e não se reconhecia na Bíblia que lia, como se as narrativas ali contidas não se comunicassem com sua realidade.

A Teologia Negra dialoga com a Teologia da Libertação de maneira fecunda, sobretudo na década de 1970, mas se distingue evidentemente da ideia da “opção preferencial pelos pobres”, porque acredita que mais do que uma questão de classe, ou ecumênica, a opressão do povo preto nos Estados Unidos e na África (e sua diáspora) é marcada pelo racismo.

Adital: Como avalia o atual contexto brasileiro em relação ao racismo? Houve avanços no combate a essa problemática?

Pacheco:Tem avanços no que tange às políticas públicas sim, ainda que incipientes. Mas se, ao pensarmos em contexto e pensarmos também para o que está além das políticas públicas, ou seja, nas próprias relações sociais enquanto sociedade, então, nosso avanço é mínimo e quase nada. E isto se reflete nas políticas públicas, é um desafio. Não basta apenas garantir acesso, é preciso levar em consideração que o racismo é estruturante da sociedade brasileira, arcabouço sobre o qual todo um país e sua cultura foram construídos. Não vamos deixar de ser racistas de repente, pelo empreendimento de uma política pública ou outra.

O racismo está inserido em todas as formas de relações da sociedade, e faz isto da maneira mais danosa, que é aquela em que ele consegue se imiscuir em meio às relações sociais, sem ser notado, identificado ou reconhecido. As políticas de combate ao racismo, as punições daí recorrentes têm sido feitas, mas até se reconhecer um crime de racismo como fato consumado, é difícil, acaba sendo raro.

Então, temos essa situação paradoxal: o enquadramento legal se amplia, se aprimora, mas a capacidade de punir quem comete racismo é mínima, ínfima, é quase como se não houvesse racismo no Brasil.

Adital: Em texto sobre a audiência pública da CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] do Assassinato de Jovens, na OAB/RJ [Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro], o senhor declarou que o racismo não é tratado como elemento protagonista e sim como um mero detalhe de um extermínio invisibilizado. Como isto ocorre?

Pacheco: É cultural, na sociedade brasileira, essa dissimulação permanente do racismo. Todo esforço, inclusive dos nossos pesquisadores e intelectuais, está em enfatizar nossa desigualdade econômica. Nosso dilema, para eles, tem seu núcleo no conflito entre ricos e pobres, e o racismo seria periférico, não central. É por sustentar isto que o Brasil continua fingindo que enfrenta o racismo e que ele não faz parte da estrutura da sociedade brasileira, mas acontece apenas como atos individuais, casos isolados.

Mas pensemos só no século XIX, para não ampliarmos muitos os casos que fazem parte da nossa história. Não foram os pobres que ficaram proibidos, por um decreto em 1824, de frequentarem escolas, porque alegava-se que eram transmissores de doenças e moléstias. Foram os negros. Não foram os pobres que foram convocados em massa para a Guerra do Paraguai (1864-1870), nitidamente porque, estando na frente de batalha (já que não possuíam qualquer experiência de guerra com armas de fogo), seriam alvos fáceis e facilitariam o trabalho de eliminação. Foram os negros, e nós estamos falando de cerca de 1 milhão de negros mortos.

Os brancos europeus eram estimulados a entrarem no país para ocuparem postos de trabalho e para ajudarem o processo de embranquecimento do país. Os negros, a partir de junho de 1890, só poderiam entrar com autorização do Congresso (que sempre negava). Não foram simplesmente os pobres que foram lançados às ruas, com a Lei do Sexagenário e a Lei do Ventre Livre (duas histórias muito mal contadas nas nossas escolas). Foram os velhos negros e as crianças negras os primeiros contingentes de mendigos e recolhidos para abrigos, no Brasil. Você viu critério de posses aqui? Não. Você só vê uma escolha pelo corpo negro, homens e mulheres. Então, como é que a gente age como se esse lastro histórico não tivesse importância? A gente age como se, de repente, toda essa precarização de vida, encarceramento, homicídio e desterro, que violentam os negros em esmagadora maioria não tivesse nenhuma relação com o racismo.

Adital: O senhor expressou também que a CPI de Assassinato de Jovens seria “criminosamente inútil, por não ter nenhuma proposta concreta de responsabilização do Estado”. Como avalia a relação do Estado com a juventude negra?

Pacheco: O Governo Lula/Dilma se orgulha de implementar o Plano Juventude Viva, em 2012, fruto de discussões a partir do Grupo de Trabalho de Jovens Negros do Conjuve (Conselho Nacional de Juventude). Acho até que tem do que se orgulhar, porque nenhum governo no Brasil havia tornado isso importante. Recentemente, nós tivemos a CPI que investigou o homicídio de jovens negros no Brasil. Duas ações importantes, mas o que elas possuem de principal, em comum? Não alteraram nada. A morte dos jovens negros entrou em pauta, mas não teve nenhum efeito prático no sentido da redução e do atendimento. E parece não ser difícil entender que uma das razões, talvez a principal, para que isto ocorra é que o Estado não é responsabilizado em nada.

As mortes se somam às chacinas, às execuções, ao “envio para a morte”, aos quais muitos dos jovens policiais (também pobres e negros) são submetidos, a situação de vulnerabilidade, o estigma, e tudo quando acontece é tratado como “casos isolados”. O Estado sempre recorre à individualização da culpa dos agentes da ponta – ou são maus policiais, ou são fatalidades que acontecem com quem está no fogo cruzado de territórios onde há conflitos, ou são escolhas individuais pelo mundo do crime, do tráfico, etc. O Estado nunca tem nenhuma responsabilidade em nada.

Não adianta um projeto, um plano, que vai encher as periferias de quadras poliesportivas, levar oficinas e cursos profissionalizantes, não adianta meios de ocupação que acabam se tornando outra forma de criminalização, porque parte do pressuposto que, se os jovens nas periferias tiverem com o que se ocuparem, não vão roubar ninguém, não vão aderir ao tráfico, não vão gastar tempo com baile funk proibido. No cerne da questão está o que o Estado não apenas oferece para entreter, mas como trata, de fato, a juventude negra. Então, o Estado nunca é responsabilizado, ele nunca tem culpa, ele nunca sente a dor das vidas ceifadas, muito menos responde por elas.

Adital: O que precisa avançar em termos de políticas públicas direcionadas à população negra?

Pacheco: Quando pensar em políticas públicas para a população negra, tem de se pensar que se quer quebrar a lógica dissimuladora do racismo. O que isto significa? Que não dá mais para se pensar políticas públicas achando que está apenas dando oportunidades para a população negra. Acho que as políticas até agora implementadas foram conquistas importantes, ótimo, mas elas já mostraram que, por elas mesmas, não vão resolver o nosso problema real.

O que se pensa quando se fala em políticas públicas para as favelas e as periferias em geral, para a população negra e não apenas para a juventude? Quais são as políticas públicas de fomento do empreendedorismo social para as favelas? Por que não políticas públicas para pensar uma proposta de orçamento participativo para as favelas, em que os gastos públicos para ali destinados sejam discutidos com a comunidade local? Por que não um campus universitário dentro das favelas e bairros de periferia, onde o ensino tenha um recorte racial (professores e bibliografia), com ênfase na construção e transmissão de conteúdo a partir do local? Uma favela não pode ter uma escola de arquitetura? É claro que as alternativas são muitas, mas parece que pensar política pública para favelas, periferias, população negra, é pensar assistência e segurança pública.

Adital: Ainda no contexto da educação, as cotas étnico-raciais representam uma questão controversa, sendo percebida como uma medida paliativa. Como avalia o tema?

Pacheco: As cotas foram ótimas, devemos celebrar. Mas procure os professores negros nas universidades. Procure os pensadores negros na bibliografia obrigatória (me fala mais uns 10 nomes que não sejam Milton Santos, Abdias Nascimento e Muniz Sodré). Então, os alunos entram na universidade, a política pública de ação afirmativa cumpriu seu papel, mas o racismo tá lá dentro, dissimulado, sorrateiro. A estrutura de pensamento, a construção da narrativa, a epistemologia, enfim, o lugar de poder é todo branco.

As cotas não podem continuar sendo tudo o que temos, e nem o esforço único de governo enquanto políticas públicas para o acesso de negros e negras às universidades ou concursos públicos. Pode ser paliativa, no sentido de ser uma política de ação afirmativa, que incide, de maneira urgente, sobre uma violação de séculos, ou, no mínimo, de décadas. Mas por outro lado, ela deve ser só ainda o início de uma política de reparação, que precisa vir de fato. O que não pode é as cotas serem tudo que pode ser feito, depois de tanto tempo de usurpação do direito dos negros e negras acessarem as instituições de ensino de qualidade, serem excluídos dos lugares de poder e decisão na estrutura social.

As cotas têm mostrado resultado e isto pode ser comemorado. Mas enganam-se aqueles que pensam que vamos ter como suficientes a entrada pura e simples na universidade, o acesso puro e simples a uma vaga em um concurso público, como quem diz: “Pronto, já conseguiram entrar. Era isso que queriam, então, já foi concedido”. De forma alguma, há mais espaços a serem ocupados, ainda há esforços de reparação a serem empreendidos, e isto não deve ser visto como nenhuma facilitação, mas o reconhecimento público e político de uma desigualdade.

Adital: Segundo o “Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil”, os assassinatos de mulheres negras no país avançou 54,2% em 10 anos, enquanto o de mulheres brancas diminuiu 9,8% no período (2003 – 2013). O que estaria por trás desses números?

Pacheco: Este é um drama que vai para além, inclusive, desse número de homicídios. As mulheres negras, em contextos mais vulneráveis, já possuem uma dificuldade maior de acessarem as redes de proteção e confiam muito pouco nos órgãos de segurança. No imaginário coletivo, a mulher negra de periferia é a “favelada escandalosa”, a “barraqueira”, que tudo quer causar problemas e arrumar confusão. Ela é a “criadora de casos”. Isto é refletido na própria mulher negra, que receosa desse estigma que incide sobre ela, raramente se sente à vontade para solicitar ajuda, segurança, fazer uma denúncia quando se sentir ameaçada.

Essa triste pesquisa mostra que mais da metade destes homicídios são cometidos por parceiros e ex-parceiros das vítimas. Mas isto ainda diz muito pouco sobre a realidade que esses números tentam capturar. É a mulher negra disputada enquanto corpo a ser possuído, é a mulher negra com a maior possibilidade de ser abandonada pelo parceiro, é a reprodução da ideia da “mulher preta para o sexo e da mulher branca para casar”. Tem muito do que a escritora Claudete Alves relata no seus livros “A Solidão da mulher negra” e “Virou regra?”.

Também tem aumentado tristemente o número de mulheres encarceradas, acusadas de envolvimento com o tráfico. Não precisa dizer que a maioria dessas mulheres é negra, e que essa política falida de guerra às drogas, que vitimiza tantos pobres, favelados e, em maior número, negros e negras, aumenta de forma expressiva a incidência de morte dessas mulheres. Num olhar mais apurado deste caso, especificamente, tudo quase sempre começa com a venda da droga ou a aceitação de ser uma atravessadora, como uma alternativa de aumentar a renda. Ou ela aceita correr o risco, ou ela, jovem e bonita, é a “cortejada” pelos jovens varejistas do tráfico e entram como “associação ao tráfico”. Enfim, essa diferença entre o aumento absurdo de um caso e a diminuição de outro deveria tirar o nosso sono, exigir uma correção urgente nas políticas empreendidas e a identificação das brechas dessa falha. Mas estamos falando de mulheres pobres e negras. Então…

Adital: O senhor já escreveu que o corpo negro caído no chão é templo do Espírito Santo. O que significa esta reflexão?

Pacheco: Significa, principalmente, que nós temos urgência de uma reflexão bíblica, de uma hermenêutica, que trate da dureza da vida real, e a vida real é protagonizada pelo corpo. Fiz esse texto refletindo a partir da conhecida passagem do Evangelho de Mateus 25, em que Jesus fala que a salvação e a vida eterna alcançarão aqueles que escolheram alimentar o faminto, dar água ao sedento, acolher o estrangeiro, etc. Conhecemos bem.

Os embates da vida passam pelo corpo. É preciso lembrar que o templo do Espírito Santo não é apenas o corpo vivo e seguro dentro dos nossos templos, protestantes ou católicos. Também é templo do Espírito Santo o corpo do menino Eduardo, morto aos 10 anos, no Complexo do Alemão [Rio], em meio a essa política maluca de guerra às drogas, de repressão ao tráfico, que ignora e minimiza os riscos de vida dos vulneráveis. É o corpo da Cláudia Ferreira, arrastado por um carro de polícia. É o corpo da Alda Rafaela Castilho, jovem policial morta em troca de tiros, e de Bruno Rodrigues, policial arrastado até a morte por bandidos. Estamos silenciando e nos acovardando diante da violência diária.

Visitar os presos não é apenas as assistências necessárias, mas passivas que empreendemos enquanto cristãos, mas é também confrontar o estado de desumanidade que o sistema penitenciário brasileiro submete os pobres e pretos lá jogados, os dezenas de milhares de presos provisórios, que nem julgamento algum tiveram.

O “corpo negro caído no chão” é uma expressão que vem do título do livro da acadêmica do Direito Ana Luiza Flauzina. Usei a mesma expressão para destacar que essa lógica da violência, essa busca desesperada por um Estado securitário, baseado no medo, que legitima a violação e a eliminação do outro, identificado como ameaça, também profanam esse “templo”. E se esse “templo” é preto, a sua profanação e violação não nos interessa. Então, onde estão os nossos sermões? Onde estão nossas hermenêuticas, nossas reflexões para provocarem a Igreja a se indignar e a mobilizar o povo a pensar em, e exigir, soluções que não sustentem mais violência e injustiça? A Bíblia pode nos ajudar nisto, a partir de tantas narrativas, relatos, ajudar-nos a ver em que direção vamos, ignorando essa violência que nos cerca, e a nossa fé num Estado militarizado que pode resolver tudo a qualquer momento, a partir do seu uso legítimo da força e da violência.

Voltando a tratar da Teologia Negra, essa virada hermenêutica foi o que fizeram na década de 1960 e 1970 as igrejas vinculadas ao movimento, e foi o que fizeram, em tempos atuais, algumas igrejas, como a Igreja Batista Shiloh, de maioria negra, nos Estados Unidos, cujo pastor fez uma cartilha para os seus membros de como se comportarem diante de uma abordagem policial, indicando, no fim da cartilha, que a igreja iria em defesa deles, com advogados, caso algo acontecesse. Ou um grupo de pastores do Tenessee [EUA], que fez um manifesto pedindo o fim da proibição das drogas, porque a política de guerra às drogas só prendia e matava jovens negros e pobres.

Adital: Dados revelam que as religiões de matrizes africanas são as que mais sofrem preconceito no Brasil. De que forma avalia o diálogo inter-religioso no país?

Pacheco: É um diálogo cheio de altos e baixos. Graças a Deus, os avanços têm sido maiores do que o retrocesso, ainda que os retrocessos repercutam sempre muito mais, e até acho que deve ser assim mesmo, pra gente saber o quanto precisamos avançar e estar vigilante. Não adianta, enquanto cristãos que somos, negar os privilégios no que diz respeito à prática e à vida pública de nossa religiosidade.

De fato, é sim grande o preconceito e a demonização diária das religiões de matriz africanas. Uma falta de respeito que, às vezes, é velado, às vezes, é explícito, e, às vezes, quando é explícito, é feito de maneira violenta. Essa violência pode ser física, como foi no já conhecido caso da menina Kaylane. E, às vezes, é essa violência que a gente pode até tratar como simbólica, mas nem sei se é um bom termo porque acho que os traumas e as marcas que ficam também refletem fisicamente de alguma forma. Estou falando de casos em que uma criança é proibida de entrar na escola vestida de branco e portando guias, ou, quando entra, a hostilidade que ela sofre por sua pertença religiosa. Então, a primeira coisa a ser feita é: nós cristãos precisamos reconhecer esse lugar de privilégio. Porque isso funciona com a mesma lógica do racismo.

O branco não fala do racismo, acha o suficiente ele não ser racista, então, isso naturalmente vai neutralizar o racismo. Mas não neutraliza porque o racismo está na estrutura da sociedade. Como cristãos, é a mesma coisa. Não basta dizer que respeitamos qualquer religião, como se isso neutralizasse o preconceito e a perseguição às religiões de matriz africana. Não neutraliza. O preconceito está lá, introjetado, naturalizado. Mas, se há algo para celebrar, é que toda vez que uma violação se torna conhecida, de maneira abrangente, a resposta tem sido quase imediata. As manifestações públicas de combate à intolerância religiosa crescem e se fortalecem.

No Rio de Janeiro, o Conic (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs) fez campanha para recolher dinheiro para reconstruir um terreiro incendiado criminosamente, na Baixada Fluminense. E as Pastorais Afro-Católicas, as missas inculturadas, têm sido importantes espaços de resistência para cristãos, candomblecistas, umbandistas, etc.

Adital: A atuação do Papa Francisco tem contribuído, de alguma forma, para as discussões sobre as questões étnico-raciais?

Pacheco: O Papa Francisco ainda não falou de maneira objetiva sobre o racismo (mas também ninguém antes dele falou), não tratou em momento algum como tema central. Apenas citou, de maneira muito tímida, em sua mensagem ao Brasil para a abertura da Copa do Mundo, no ano passado. Também, de maneira muito tímida, citou na sua mensagem em virtude da morte de Nelson Mandela. O racismo segue sendo assunto velado, como que problema resolvido ou em vias avançadas de resolução. Entretanto, temos boa abertura do Papa Francisco, que pode ser convergida para o tema.

A exortação Evangelii Gaudium tem coisas interessantes. Ele tenta atualizar e manter o espírito do Vaticano II para os dias mais atuais, não esquece a dimensão do diálogo inter-religioso, e chama a atenção, no capítulo IV do documento (A dimensão social da evangelização), para os excluídos, em que nós podemos desenvolver, a partir daí, uma boa reflexão sobre o corpo negro.

Homens negros e mulheres negras seguem sendo os mais preteridos no acesso aos direitos, à dignidade e ao reconhecimento; possuem os trabalhos mais precarizados; estão no topo da lista dos que mais morrem, dos que mais estão encarcerados ou residindo nas ruas, nas praças, nas cracolândias, espalhadas pelo Brasil. Então, a própria abertura do Papa e sua insistência em temas sensíveis serem abordados com urgência, sugere uma aproximação ao tema. Mas, de fato, seria lindo, e de extrema força, se ele falasse, de maneira objetiva, abordando o tema e reconhecendo que o racismo continua pautando grande parte das desigualdades nos países, de uma maneira geral, e, no Brasil, muito em particular.

Adital: Deseja acrescentar algo mais?

Pacheco: Deve ser destacada a importância de um veículo como a Adital levantar este tema. É uma conquista, mas que possamos avançar, para que não seja apenas em novembro [mês da Consciência Negra], uma vez que o racismo é cotidiano, e faz vítimas cotidianamente. De toda maneira, tratar dele aqui é referencial. Precisamos estimular os nossos teólogos negros, precisamos abrir canais de reflexão, como o Cebi [Centro de Estudos Bíblicos] faz, de uma maneira tão interessante e pedagógica, abordando o racismo e a negritude na Bíblia, de maneira muito didática. Mas é pouco. Ainda pensam que o Egito é na Europa, que são todos brancos e de olhos claros. Parece uma brincadeira, mas é sintomático. Uma das faces do racismo é esta que invisibiliza a presença do negro na Bíblia e nega o seu protagonismo em narrativas importantes para a nossa caminhada e compreensão cristãs. Eu só posso agradecer a vocês.

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