“Eu acho que hoje o pecado se manifesta com toda a sua força de destruição nas guerras, nas diversas formas de violência e maus tratos, no abandono dos mais frágeis. O mundo deve parar os senhores da guerra. Porque quem paga são sempre os últimos, os inermes.”
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 13-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Papa Francisco chegou nessa Quinta-Feira Santa à Casa de Reclusão de Paliano (Frosinone) para celebrar a Missa in Coena Domini, com o rito do lava-pés com alguns detentos. A visita aos presos foi uma oportunidade para uma reflexão mais ampla que Francisco aceitou fazer com o La Repubblica sobre uma missão que a Igreja não pode evitar: “Fazer-se próxima dos últimos, dos marginalizados, dos descartados”.
Diz o Papa Bergoglio: “Quem não é culpado que atire a primeira pedra. Olhemos para dentro de nós e tentemos ver as nossas culpas. Então, o coração se tornará mais humano”.
Eis a entrevista.
Como Francisco está vivendo este vigília de Páscoa caracterizada por um cenário mundial de alta tensão?
Eu só peço com mais força a paz para este mundo submetido aos traficantes de armas que ganham com o sangue dos homens e das mulheres.
Santo Padre, nesta Quinta-Feira Santa, o senhor também vai se dirigir à prisão. Por quê?
O trecho evangélico do juízo universal diz: “Estive preso e viestes me encontrar”. Pois bem, o mandato de Jesus vale para cada um de nós, mas sobretudo para o bispo, que é o pai de todos.
Várias vezes, o senhor disse que se sente pecador como os encarcerados. Em que sentido?
Alguns dizem: eles são culpados. Eu respondo com a palavra de Jesus: quem não for culpado, que atire a primeira pedra. Olhemos para dentro de nós e tentemos ver as nossas culpas. Então, o coração se tornará mais humano.
É isso que os pastores devem fazer, estar ao serviço de todos?
Como padres e como bispos, devemos estar sempre a serviço. Como eu disse na visita a uma prisão que eu fiz na minha primeira Quinta-Feira Santa depois da eleição: é um dever que vem do meu coração.
Quem lhe ensinou essa que já se tornou uma tradição?
Muito me ensinou o exemplo de Agostino Casaroli, que faleceu em 1998 depois de ter sido secretário de Estado vaticano e cardeal. Como sacerdote, ele desempenhou por muitos anos o apostolado na prisão juvenil de Casal del Marmo. Todos os sábados, ele desaparecia: “Ele está descansando”, diziam. Ele chegava de ônibus, com a sua pasta de trabalho e ficava confessando os jovens e jogando com eles. Eles o chamavam de “Padre Agostino”, ninguém sabia bem quem ele era. Quando João XXIII o recebeu depois da sua primeira visita aos países do Leste, em missão diplomática em plena Guerra Fria, ao término do encontro, ele lhe perguntou: “Diga-me, você continua indo ao encontro daqueles jovens?”. “Sim, Santidade.” “Eu lhe peço um favor, não os abandone nunca.” Essa foi a missão deixada a Casaroli pelo Papa Bom, que morreria alguns meses depois.
Na sua opinião, em suma, a Igreja deve, acima de tudo, ir ao encontro dos descartados. É essa a ação principal que lhe é pedida?
Eu acho que sim. Ir, fazer-se próxima dos últimos, dos marginalizados, dos descartados. Quando eu estou diante de um encarcerado, por exemplo, eu me pergunto: por que ele e não eu? Eu mereço mais do que ele, que está lá dentro? Por que ele ele caiu e eu não? É um mistério que me aproxima deles.
Na sua entrevista à La Civiltà Cattolica, à pergunta sobre quem era Jorge Mario Bergoglio, o senhor respondeu: “Um pecador”. É isso mesmo?
Eu me sinto assim, certamente. O lema do meu brasão é uma frase de São Beda, o Venerável, a propósito de São Mateus: “Deus voltou os seus olhos”. “Miserando atque eligendo”, “olhou-o com sentimento de amor e escolheu-o”. É mais do que um simples lema. É a minha estrela-guia. Porque nela está contido o mistério de um Deus disposto a tomar sobre si o mal do mundo, a fim de demonstrar o seu amor ao ser humano.
O Evangelho está repleto de episódios em que Jesus se faz próximo daqueles que a sociedade descartava.
“Se eu conseguir tocar o seu manto, serei salva”, diz com grande fé a hemorroíssa [uma mulher que tinha perdas de sangue há 12 anos] que sente dentro de si que Jesus pode salvá-la. De acordo com os Evangelhos, era uma mulher descartada pela sociedade, a qual Jesus dá a saúde e a liberdade das discriminações sociais e religiosas. Esse caso faz refletir sobre o fato de que o coração de Jesus é sempre para eles, para os excluídos, como, aliás, a mulher era percebida e representada na época.
Ainda hoje essa discriminação continua em parte.
Todos somos advertidos, também as comunidades cristãs, sobre visões da feminilidade contaminadas por preconceitos e suspeitas prejudiciais à sua intangível dignidade. Nesse sentido, são justamente os Evangelhos que restauram a verdade e levam a um ponto de vista libertador. Jesus admirou a fé dessa mulher que todos evitavam e transformou a sua esperança em salvação.
Essa mulher também se sentia excluída por causa do seu pecado.
Todos somos pecadores, mas Jesus nos perdoa com a sua misericórdia. A hemorroíssa era temerosa, não queria se mostrar, mas, quando Jesus se cruza com o seu olhar, não a repreende: acolhe-a com misericórdia e ternura, e busca o encontro pessoal com ela, dando-lhe dignidade. Isso vale para todos nós quando nos sentimos descartados pelos nossos pecados: hoje, para todos nós, o Senhor diz: “Coragem, vem! Não estás mais descartado, não estás mais descartada: eu te perdoo, eu te abraço”. Assim é a misericórdia de Deus. Devemos ter coragem e ir ao encontro dele, pedir perdão pelos nossos pecados e seguir em frente. Com coragem, como fez essa mulher.
Muitas vezes, quem se sente excluído se envergonha.
Quem se sente descartado como os leprosos ou os sem-teto se envergonha e, como a hemorroíssa, faz as coisas às escondidas. Em vez disso, Jesus nos levanta de pé, nos dá dignidade. O que Jesus doa é uma salvação total, que reintegra a vida da mulher na esfera do amor de Deus e, ao mesmo tempo, restabelece-a na sua dignidade. Jesus indica, assim, à Igreja o percurso a ser feito para ir ao encontro de cada pessoa, para que cada um possa ser curado no corpo e no espírito, e recuperar a dignidade de filho de Deus.
Ainda nestes dias, as armas matam. O que o senhor pensa a respeito?
Eu penso que, hoje, o pecado se manifesta com toda a sua força de destruição nas guerras, nas diversas formas de violência e de maus tratos, no abandono dos mais frágeis. Quem paga a conta são sempre os últimos, os inermes. Só peço com mais força a paz para este mundo submetido aos traficantes de armas que ganham com o sangue dos homens e das mulheres.
Como eu disse também na recente mensagem para o Dia Mundial da Paz, o século passado foi devastado por duas Guerras Mundiais mortais, conheceu a ameaça da guerra nuclear e um grande número de outros conflitos, mas hoje, infelizmente, estamos lidando com uma terrível guerra mundial em pedaços. Não é fácil saber se o mundo atualmente é mais ou menos violento do que ontem, nem se os modernos meios de comunicação e a mobilidade que caracteriza a nossa época nos tornam mais conscientes da violência ou mais acostumados com ela.
Na sua opinião, qual é o objetivo dessas guerras contínuas?
Eu também sempre me pergunto isso. Para que objetivo? A violência permite alcançar objetivos de valor duradouro? Tudo aquilo que obtém não é, talvez, desencadear represálias e espirais de conflitos letais que trazem benefícios apenas para alguns poucos “senhores da guerra”? Eu já disse mais vezes e repito: a violência não é o tratamento para o nosso mundo despedaçado. Responder à violência com violência leva, na melhor das hipóteses, a migrações forçadas e a sofrimentos imensos, porque grandes quantidades de recursos são destinados a fins militares e subtraídos das exigências cotidianas dos jovens, das famílias em dificuldades, dos idosos, dos doentes, da grande maioria dos habitantes do mundo. No pior dos casos, pode levar à morte, física e espiritual, de muitos, senão até de todos.
À prisão, o senhor levou uma mensagem de paz e também de esperança, apesar de tudo?
Às vezes, uma certa hipocrisia leva a ver nos encarcerados apenas pessoas que erraram, para as quais a única saída é a prisão. Mas, repito mais uma vez, todos temos a possibilidade de errar. Todos, de uma forma ou de outra, erramos. E a hipocrisia faz com que não se pense na possibilidade de mudar de vida: há pouca confiança na reabilitação, na reinserção na sociedade. Mas, desse modo, esquecemos que todos somos pecadores e, muitas vezes, também somos prisioneiros sem nos darmos conta. Quando ficamos fechados nos próprios preconceitos, ou somos escravos dos ídolos de um falso bem-estar, quando somos movidos interiormente por esquemas ideológicos ou absolutizamos leis de mercado que esmagam as pessoas, na realidade, não fazemos nada mais do que ficar entre as estreitas paredes da cela do individualismo e da autossuficiência, privados da verdade que gera a liberdade. E apontar o dedo contra alguém que errou não pode se tornar um álibi para esconder as próprias contradições.
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Fonte: Publicado em IHU Online, 17/04/2017.