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O momento exige reflexão e coragem

por frei Gilvander Moreira*

Jair Bolsonaro teve 56,7 milhões de votos; Fernando Haddad, 45,6 milhões; abstenções, nulos e brancos, 41,4 milhões. Logo, 87 milhões de brasileiros não votaram em Bolsonaro. Entretanto, de acordo com as regras do jogo, 56,7 milhões de brasileiros que votaram a favor de Bolsonaro, no segundo turno, hoje, dia 28 de outubro de 2018, decidiu levar o povo brasileiro para o deserto. Entretanto, “o deserto é fértil”, já dizia Dom Hélder Câmara. As duas primeiras palavras que me vem à mente são ‘ruminar’ e ‘coragem’. É hora de ruminar, refletir, meditar e recolher as melhores lições sobre tudo o que está acontecendo no nosso querido Brasil com o povo, com os biomas, com a mãe terra, com a irmã água e com todos os seres vivos. É hora de coragem, de respirar fundo e manter a luta por todos os direitos, de cabeça erguida e com muito amor no coração. Não podemos deixar que os instigadores de violência nos façam violentos. Só o amor integral liberta. Ético e humano é respeitar a imensa diversidade cultural, religiosa e de orientação sexual, inclusive, e não abrir mão da luta por todos os direitos.

Segundo o livro do Êxodo, da Bíblia, após amargar uns 500 anos de escravidão no Egito, debaixo do imperialismo dos faraós, o povo oprimido e superexplorado, diante de um Decreto do Faraó que mandava matar os meninos ao nascer, o povo se uniu, se organizou e partiu para conquistar a liberdade. No entanto, no início da caminhada, o povo se viu encurralado pelo Mar Vermelho à frente, atrás a tropa de choque dos faraós e montanhas dos dois lados. Nesse apuro, as mulheres parteiras – Séfora e Fua -, Míriam e Moisés convidaram o povo a dar as mãos e bradaram: “Coragem! Um passo à frente!” O Mar Vermelho se abriu e o povo seguiu a caminhada para conquistar a terra prometida e sem males.

O Deus da vida e Jesus Cristo revolucionário estão com todos os injustiçados, conspirando conosco e em nós. Sejamos simples como as pombas, mas espertos como as serpentes. O véu do tempo se rasgou. Falsos cristãos revelaram sua hipocrisia e cinismo. O Deus da vida e Jesus Cristo devem estar indignados por verem os nomes de Deus e de Jesus sendo abusado com fins eleitoreiros e para pavimentar ascensão ao poder. Entretanto, é nos momentos de escuridão e de dificuldade que o Deus da vida existente no humano e em todos os seres vivos se manifesta. “Misericórdia, quero; holocausto, não” (Mateus 9,13); tortura, não; ditadura, não! Democracia, sim!

Aos que foram seduzidos por fake news (notícias falsas) e por pastores e sacerdotes falsos, promotores da privatização da fé cristã, digo: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fizeram” (Lc 23,34). Arrependerão assim que cair a venda da vista. Atenção! Aprovado pela maioria nas urnas em 28 de outubro de 2018, o sistema do capital está recheado de contradições e inconsistências, é um gigante que parece invencível, mas é vencível, sim, porque tem pés de barro.

Segundo a perspectiva profética da Bíblia, todo momento de opressão e de superexploração é momento de Kairós, palavra da língua grega que significa “tempo propício e favorável” para compreendermos os sinais da ação solidária e libertadora do Deus da vida nas entranhas da história. São nos momentos mais dramáticos, quando parece não haver saída, sem luz no fim do túnel, que podem acontecer as mais inspiradoras e libertadoras transformações. Por exemplo, na ditadura militar-civil-empresarial de 1964, momento de grande repressão no Brasil, nasceram as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) em um cenário de Igreja acumpliciada com a classe dominante e manietada pela ideologia dominante que chegou a fazer as lastimáveis Marchas com Deus, pela Propriedade e contra o Comunismo.

Sandro Gallazzi, biblista do CEBI e da CPT, afirma que “todas as grandes realizações e situações nasceram em períodos de maior escuridão”. Foi no momento em que o Faraó do imperialismo egípcio anunciou um Decreto-Lei duro, uma espécie de Ato Institucional, mandando matar todos os meninos que viessem a nascer, nasceu ali o Êxodo, um grande movimento religioso e popular de resistência que levou o povo a se libertar da escravidão no Egito, atravessar o Mar Vermelho e, com fé em Javé – Deus solidário e libertador -, foi liderado pelo movimento de mulheres parteiras, por Míriam e por Moisés e marcharam “40 anos” para conquistar a Terra Prometida, na Palestina. Foi no momento do Exílio babilônico que fez produzir as partes mais lindas e revolucionárias do Primeiro Testamento da Bíblia. E eram tempos dramáticos. Muitos foram mortos e massacrados. Foi também durante as agruras do Imperialismo Romano, na periferia da Palestina, que nasceu o menino Jesus de Nazaré, que foi compreendido como Cristo.

Portanto, é tempo de reflexão, de coragem e de refazer a esperança e a resistência. Esperança do verbo esperançar, que é ação, é movimento. Sigamos, irmanados e abraçados, lutando pela democracia e por todos os direitos fundamentais. O Deus da vida, invocado sob tantos nomes, os nossos ancestrais, os/as mártires e todos os espíritos bons nos guiam e nos encorajam.

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