A 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu proibir a publicidade de alimentos dirigida às crianças. Em foco no julgamento estava a campanha da indústria de alimentos Bauducco "É Hora de Shrek”. Com ela, os relógios de pulso com a imagem do ogro Shrek e de outros personagens do desenho poderiam ser adquiridos. No entanto, para comprá-los, era preciso apresentar cinco embalagens dos produtos "Gulosos”, além de pagar R$ 5.
A ação civil pública, de autoria do Ministério Público de São Paulo (MP/SP) teve origem em uma atuação do Instituto Alana, que alegou a abusividade da campanha e o fato de se tratar de nítida venda casada. Em sustentação oral, a advogada Daniela Teixeira (do escritório Podval, Teixeira, Ferreira, Serrano, Cavalcante Advogados), representando o Alana, argumentou: "A propaganda, que se dirige a uma criança de cinco anos, que condiciona a venda do relógio à compra de biscoitos, não é abusiva? O mundo caminha para frente. (…) O Tribunal da Cidadania deve mandar um recado em alto e bom som, que as crianças serão, sim, protegidas”.
Proteção à criança
O ministro Humberto Martins, relator do recurso, deixou claro no voto que "o consumidor não pode ser obrigado a adquirir um produto que não deseja”. Segundo ele, trata-se no caso de uma "simulação de um presente, quando, na realidade, se está condicionando uma coisa à outra”. Concluindo como perfeitamente configurada a venda casada, Martins afirmou ser "irretocável” o acórdão do TJ/SP, que julgou procedente a ACP.
O ministro Herman Benjamin, considerado uma autoridade no tribunal em Direito do Consumidor, foi o próximo a votar, e seguiu, com veemência, o relator: "O julgamento de hoje é histórico e serve para toda a indústria alimentícia. O STJ está dizendo: acabou e ponto final. Temos publicidade abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos alimentícios. Não se trata de paternalismo sufocante, nem moralismo demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais. E nenhuma empresa comercial e nem mesmo outras, que não tenham interesse comercial direto, têm o direito constitucional ou legal assegurado de tolherem a autoridade e o bom senso dos pais. Este acórdão recoloca a autoridade nos pais”.
Herman afirmou ter ficado impressionado com o nome da campanha (Gulosos), que incentiva o consumo dos produtos, em tempos de altos índices de obesidade. Ouça o voto do ministro Herman Benjamin.
Por sua vez, o ministro Mauro Campbell fez questão de ressaltar que o acórdão irá consignar a proteção da criança como prioridade, e não o aspecto econômico do caso. Campbell lembrou, como sustentado na tribuna pela advogada Daniela Teixeira, que o Brasil é o único país que tem em sua Carta Magna um dispositivo que garante prioridade absoluta às necessidades das crianças, em todas as suas formas.
A decisão do colegiado foi unânime, tendo a presidenta, ministra Assusete Magalhães, consignado que o caso é típico de publicidade abusiva e venda casada, mas a situação se agrava por ter como público-alvo a criança. A desembargadora convocada, Diva Malerbi, destacou que era um orgulho participar de tão importante julgamento.
A turma concluiu pela abusividade de propaganda, que condicionava a compra de um relógio de um personagem infantil à aquisição de cinco biscoitos. E não ficou por aí a decisão. Com efeito, os ministros assentaram que a publicidade dirigida às crianças ofende a Constituição e o CDC [Código de Defesa do Consumidor].