No final do inverno de 2000 um pequeno grupo de moradores de rua se reuniu pela primeira vez com jornalistas da Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (Alice) na Praça do Cachorrinho, em frente ao colégio Rosário, em Porto Alegre (RS).
Uma década depois, o grupo cresceu, faz e vende o jornal Boca de Rua, além de já ter produzido três documentários, editado um livro e realizado duas mostras fotográficas. No dia 19 de setembro o projeto vai comemorar o seu 10º aniversário, sem nunca ter falhado uma única das edições trimestrais do informativo. A festa é aberta à comunidade – que ao longo dos anos têm apoiado a iniciativa – e começa às 14 horas no parque da Redenção. O local tem um significado especial: além de ter servido de morada para vários dos integrantes também sediou a redação do jornal por vários anos.
Na comemoração dos 10 anos serão expostas e vendidas edições históricas, além de uma especial com as melhores matérias do veículo, escolhidas pelos próprios leitores (veja a capa abaixo). Também serão vendidos adesivos com a frase "Eu leio o Boca de Rua" e exemplares do livro "Histórias de mim". Além disso, a exposição fotográfica "As duas Faces da Rua" (com venda das fotos) e uma apresentação do grupo de hip-hop "Realidade de Rua", composto por integrantes do jornal e vinculado ao Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (GAPA), que é parceiro do Boca. A renda arrecadada reverte integralmente para um fundo administrado pelos próprios participantes.
A história do Boca de Rua é uma prova de que a sociedade perde – e muito – quando discrimina o povo das ruas. Todo o conteúdo do jornal – desde a escolha dos assuntos, até a realização das entrevistas, textos e fotos – é produzido pelos cerca de 15 participantes adultos, a maioria deles habitantes das ruas, praças e viadutos da cidade. Parte do grupo, porém, já não dorme mais nas vias públicas e muitos têm outras ocupações além do jornal, como funcionários da limpeza pública, lavadores/guardadores de carros e prestadores de pequenos serviços.
Além do grupo de integrantes adultos o Boca também tem o Boquinha, formado por 17 meninos e meninas com idades entre quatro e dezesseis anos. Embora ainda vivam em vulnerabilidade social, hoje todos estão vivendo com parentes e matriculados na rede social. As famílias recebem uma ajuda de custo e devem participar de reuniões regulares com a equipe responsável pelo projeto, composta de duas jornalistas e uma educadora.
Coordenado pela Alice, o Boca conta com um grupo de apoiadores, entre eles o GAPA, a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, a revista Biss (da Alemanha) e empresa Paulo Affonso Marcas e Patentes, além das editoras Tommo, Dom Quixote e Arquipélago. Ao longo da sua década de vida já recebeu diversos prêmios, entre eles um do Ministérios da Cultura, que lhe conferiu o título de Ponto de Mídia Livre. O jornal é também integrante do International Network Street Papers (INSP), rede internacional de publicações de rua. Entre os veículos do mundo, é o único feito e administrado pelos integralmente pelos seus integrantes.