por Alexandre Martins*
Não gostaria de me expressar, mas ao testemunhar algo, restou-me apenas a escrita para aliviar e continuar acreditando. Desde quando sai do Brasil, a Sexta-feira Santa é um dia que procuro meu silêncio, escutar a obra de Bach sobre a paixão de Cristo segundo João e Mateus, refletir sobre a vida e, claro, ir à Igreja para a celebração da Paixão.
Um dos meus pensadores favoritos é a filósofa francesa Simone Weil. Para ela, na sua fé em Cristo, apenas a crucificação e a morte de Jesus eram suficientes para mostrar que ele era o Deus encarnado na história. Não era porque ela desconsiderava ou desacreditava na ressurreição, mas sua união com a cruz de Jesus e a milhares de cruzes que pessoas desventuradas carregaram na história era suficiente para mostrar o amor do Deus encarnado na história e a presença da graça no mundo, a única a dar sentido e esperança para a cruz.
Jesus foi um rebelde que se juntou aos pobres, as prostitutas, aos doentes, aos ladrões e a todos os outros considerados pecadores e impuros pela elite religiosa, econômica e política do seu tempo. Junto aos marginalizados, desventurados que carregam a cruz da história, assume essa desventura para proclamar o reino de Deus, uma sociedade totalmente inversa, onde os últimos são os primeiros e os pobres são os recipientes privilegiados dessa boa-nova. Não por acaso, a elite religiosa, econômica e política se juntou para eliminar esse rebelde.
Religiosos, devotos de um único transcendente Deus, aceitaram dizer que Jesus se fazia maior do que Cesar, quase um deus para os políticos romanos, para conseguir sua condenação. Políticos, que não gostavam da tradição religiosa da Palestina, aceitaram se unir aos líderes dessa tradição para cortar esse mal para ordem político-econômica que os favoreciam. Assim, um show foi criado, com direito a manipulação da massa, entretenimento com flagelação e poder de escolha da massa, que obviamente escolheu a morte do rebelde amigo dos pecadores e contra a ordem político-religiosa. Em um espetáculo criado pela elite, Jesus é crucificado em um monte para todos verem.
Na cruz, a graça se faz presente porque a justiça foi assinada, como diria Weil. Mas o amor prevalece no madeiro da cruz e se identifica com todos que sofrem as calúnias e injustiças da história. Entendo Simone Weil. Quando vejo que há tantas pessoas crucificadas na história pelo braço forte da injustiça, muitas vezes abençoada por líderes religiosos e promovida pela elite político e econômica, entendo que apenas a morte de Jesus é suficiente para mostrar ele é o Deus encarnado na história. Na cruz dos desventurados, os mesmos marginalizados que Jesus escolheu estar junto, está a presença do Deus crucificado, encarnado na história.
Agora vou a título desse texto, “hipocrisia cristã e solidariedade seletiva”. Isso ocorre todas às vezes que cristãos escolhem ignorar os desventurados e suas cruzes. Esses fiéis dizem escolher Jesus, mas ignoram a presença histórica da sua cruz encarnada no meio dos desventurados, onde Deus escolheu erguer sua tenda. Quando se ignora a cruz dos desventurados da história, a solidariedade se torna seletiva, colocando-a distante de onde Jesus construiu sua tenda, onde está as cruzes que manifestam a presença do Deus encarnado.
Na missa de Quinta-Feira Santa e na Liturgia de Sexta-Feira da Paixão, fiquei chocado com a grandeza da negação da presença do crucificado na história, pois vi e ouvi orações, pedidos e homilias manifestando solidariedade ao sofrimento do povo francês por uma Igreja pegou fogo, teve parte destruída, mas não feriu pessoa alguma, nem fez ninguém passar por qualquer necessidade humana, como precisar de atendimento médico, perder sua casa, não tem um dormir, está com frio, com sede e com fome por causa do fogo na Catedral de Notre Dame. Por outro lado, não vi nem ouvi os padres e seus ministros rezarem, apresentar petições e homilias com sua solidariedade aos que estão neste momento sendo crucificados porque não têm casa, comida, água potável ou porque estão doentes ou perderam alguém devido um acidente natural e/ou a injustiça social como o que se passa com as vítimas do furação em Moçambique, com o sofrimento dos refugiados tentando chegar à Europa, com os imigrantes latino-americanos na fronteira entre EUA e México, ou com qualquer pobre pelo mundo afora.
Por que falta solidariedade com os desventurados do mundo onde o Deus encarnado se faz presente? Espero que essa tenha sido apenas a minha experiência nessa semana santa e que muitos tenham manifestado sua solidariedade onde Jesus crucificado manifesta seu amor na história.
–
Por Alexandre A. Martins, 20 de abril de 2019.