Gênero

Intolerância religiosa: Uma causa de todas nós!

No Rio de Janeiro e em diversas partes do país, têm-se tornado frequentes os episódios extremos de invasão e depredação de espaços e objetos sagrados, em franca agressão contra a fé alheia, constituindo-se num problema grave de racismo e terrorismo contra os povos de religiões de matriz africana.

As agressões, que atingem majoritariamente mulheres, homens e crianças negras, chegam às vias de apedrejamentos, segregação explícita e violação de patrimônio, sem que se procedam as devidas investigações e reparação por parte do Estado.

 Classificamos este grave problema, e a impunidade que o tem cercado, como uma questão de Racismo Religioso, que contraria a laicidade do Estado e faz o país caminhar para um cenário de barbárie, infelizmente já visto e vivido nos séculos passados. É preciso lembrar que o Código Penal de 1890 – adotado no Brasil um ano após a Proclamação da República (1889) – criminalizava nossas Casas Sagradas e tipificava as manifestações e práticas rituais como curandeirismo, baixo espiritismo ou charlatanismo, alegando o exercício ilegal da Medicina, embora a primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, garantisse a liberdade de crença e culto.

Assim, na Primeira República (1889-1930) as Religiões Afro-Brasileiras foram duramente perseguidas: o Candomblé foi proibido de exercer suas atividades e os Terreiros ficaram subjugados à Delegacia de Jogos, Entorpecentes e Lenocínio. É curioso saber que a Polícia Civil do Rio de Janeiro conserva, em seu Museu da Criminologia, mais de 200 peças sagradas da Umbanda e do Candomblé, apreendidas ao longo dessa história. Entre 1945 e 1985 este acervo religioso foi classificado, de forma racista e pejorativa, como “Coleção de Magia”.

Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A III da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 afirma, em seu artigo II, que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades expressos na referida Declaração, “sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”. Como país membro da ONU o Brasil tem a obrigação de seguir esses preceitos.

E a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Capítulo referente aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, art.5º, inciso VI, diz que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Já o art. 19, inciso I, preconiza que é vedado ao Poder Público estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou suas representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Esse dispositivo tem permitido afirmar que o Brasil é um Estado laico, onde há liberdade religiosa.

Sendo assim, não faltam respaldos jurídicos para que qualquer cidadão ou cidadã deste país decida se quer ou não cultuar uma fé. Mas os tempos contemporâneos vêm marcados por um fundamentalismo cristão que avança e dá passos largos em seu objetivo de influenciar as instâncias de poder e a vida cotidiana.

Queremos tratar aqui, em particular, de agressões inspiradas na cultura do ódio e praticadas por seguimentos paramilitares, dentre outros, tendo como alvo os povos de religião de matriz africana.

Apesar das inúmeras denúncias ao longo da história, apesar da luta de resistência do povo negro, tardaram muito as primeiras providências concretas para reverter esta situação. Em 2007 foi instituído, pela Lei nº 11.635, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado em 21 de janeiro. Esta lei foi impulsionada pelo repúdio à nódoa criminosa da intolerância e do racismo que vitimou a Matriarca de Axé, Iyalorixá Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum (BA), vítima de um infarto após ver seu nome estampado em jornais de uma Igreja pentecostal, como adoradora de satanás.

Em 2015 foi criada a Assessoria de Diversidade Religiosa e Direitos Humanos, agência especificamente dedicada à Discriminação Religiosa. Em construção, está a proposta de uma Delegacia de Combate aos Crimes de Intolerância Religiosa.

Dados demonstram que os adeptos de Terreiros de Religiões de Matriz Africana são a maioria das vítimas de intolerância religiosa. O dado mais recente disponível vem da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH), vinculada ao Ministério da Justiça: entre janeiro e setembro de 2016 foram registradas 300 denúncias de intolerância religiosa através do Disque 100, nas quais 26% das vítimas eram candomblecistas e 26% umbandistas.

Embora os recentes ataques e invasões de Terreiros aconteçam em nível nacional, as casas de Axé da Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, têm sido hoje as mais vitimadas.

Não por acaso, a maior parte desses terreiros é liderada por mulheres negras. Mulheres de Axé! Matriarcas com resistência política, religiosa e cultural. Pioneiras, fundantes do Sagrado que estão sendo constantemente ameaçadas e seus espaços invadidos e violados!

Se o racismo e o terrorismo religioso vêm trazendo a barbárie para o cotidiano de toda uma população, a inoperância do Estado o faz cúmplice desta barbárie. É preciso urgente posicionamento das autoridades e são urgentes as providências para o enfrentamento contra esta intolerância e para barrar a cultura do ódio, amplamente disseminada, inclusive através de veículos de comunicação de massa.

Esta é uma luta travada há tempos pelas pessoas mais atingidas, especialmente pela comunidade negra. Mas ela deve ser abraçada por toda a sociedade brasileira que tem como utopia o espaço harmônico de exercício de cidadania plena, com respeito às escolhas religiosas e com a garantia da laicidade do Estado.

Rio de Janeiro – 26 de outubro de 2017

AMB Articulação de Mulheres Brasileiras
E seus agrupamentos estaduais:
AMB – Chapecó
AMB – Mato Grosso do Sul
AMB Candanga – Distrito Federal
AMB – São Paulo
AMB – Rio de Janeiro
Articulação de Mulheres do Amapá
Articulação de Mulheres do Amazonas
Articulação de Mulheres do Mato Grosso do Sul
Articulação de Mulheres Tocantinenses
Coletivo Autônomo Leila Diniz
Fórum Cearense de Mulheres
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense
Fórum de Mulheres de Pernambuco
Fórum de Mulheres do Espírito Santo
Fórum Estadual de Mulheres do Rio Grande do Norte
Fórum Estadual de Mulheres Maranhenses
Fórum Goiano de Mulheres
Fórum permanente de mulheres de Manaus
Núcleo de Mulheres de Roraima
Rede de Mulheres em Articulação da Paraíba

Fonte: Fotos e texto de Articulação de Mulheres Brasileiras, 26/10/2017.
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