O filme de Ridley Scott, Êxodo: Deuses e Reis, deixou-me intrigada com a figura de Deus. O autor ousou interpretar Deus como um menino e, aliás, um menino firme em seu propósito de salvar o povo da escravidão no Egito e que é muito duro com Moisés.
Fiquei pensando como seria Javé, pois é claro que o meu imaginário, que foi construído ao longo da vida, teve muitas influências: primeiro dos pais, segundo dos catequistas, que no meu caso foi um frei, terceiro das homilias, e de tantos outros eventos em que participei.
E, então, como seria Javé? No livro do Êxodo, a interpretação do nome já é uma problemática na apresentação de Deus a Moisés: “Moisés disse a Deus: quando eu for aos israelitas e disser ‘O Deus de vossos pais me enviou até vós’ e me perguntarem: ‘Qual o seu nome?’ que direi? Disse Deus a Moisés: ‘Eu sou aquele que é’. Disse mais: Assim dirás aos israelitas: ‘EU SOU me enviou a vós’” (Êxodo 3,13-14). Existem várias explicações sobre o nome do Deus do êxodo e vou ficar com “Eu sou o existente”. Eu existo, eu vejo, eu ouço o clamor do meu povo e desci para libertá-lo. Quer alguém mais presente que Ele? Se o dilema é “ser ou não ser”, a questão é que o Deus do êxodo “é”, faz-se presente ao ouvir o clamor e, através de uma pessoa, executa sua ação, demonstra sua existência ao revelar-se em vários sinais e prodígios contra os egípcios e permanece caminhando com o povo no deserto.
Muito bem, mas vou além. O Deus de Ridley Scott é um menino. E se fosse uma mulher? E se fosse uma Deusa? O Deus do Antigo Testamento, muitas vezes, aparece irado, vingativo e violento, o que parece não condizer com as características ditas femininas. Mas quem disse que o feminino tem que ser sempre delicado, dócil e sentimentalista? Estas características foram criadas pelo mundo masculino que, ao pretender manter a dominação sobre as mulheres, criou características pertencentes ao um sexo inferior ou frágil.
Falando ainda sobre as características, eu me pergunto: quantas mulheres no Brasil são chefes de família? Quantas mulheres foram abandonadas com seus filhos e, a partir daí, passaram a ser as provedoras de suas famílias? Quantos filhos e filhas foram criados pelas mães e não conheceram seus pais? Isso é ser sexo inferior ou frágil?
Na mitologia, temos as amazonas, mulheres guerreiras, que usavam cavalos e manejavam muito bem o arco e a flecha. Viviam somente mulheres em sua comunidade e, na época da reprodução, escolhiam o genitor de seus filhos. Ficavam só com as meninas, devolvendo os meninos aos pais. Diante disto, não poderia ser a nossa Deusa uma guerreira? Que, ao ser tocada pelo clamor dos hebreus, desce para libertá-los? Sendo masculino ou feminino seus sentimentos foram tocados pela opressão que aquele povo sofria. Seu amor por eles falou mais alto. Algo precisava ser feito. E o herói desta passagem será o filho bastardo da irmã do faraó, que por coincidência era filho de uma hebreia, mas que teve, a seu lado, várias mulheres corajosas: sua mãe legítima, sua irmã e sua mãe de criação.
Não importa ser Deus menino, homem ou mulher. O que importa é o amor desse Deus ou Deusa pelos hebreus que sofriam na escravidão. O que importa realmente é que possamos refletir, sem ter medo, sobre qual é o seu sexo, para não termos surpresas ao chegar diante da força maior do universo.