Notícias

Pela universalização do direito de propriedade

Por Gustavo Noronha*

O recente debate público entre os novos ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário trouxe de volta ao cenário nacional a discussão sobre a questão agrária. Se por um lado a ministra Kátia Abreu procurou desconstruir o imaginário do latifúndio afirmando sua inexistência, por outro, o ministro Patrus Ananias recolocou na ordem do dia a discussão da função social da propriedade da terra.

A realidade dos latifúndios foi demonstrada rapidamente em duas reportagens da imprensa brasileira. A revista CartaCapital trouxe a matéria, de Marcelo Pellegrini, O Brasil tem latifúndios: 70 mil deles,no último dia 06 de janeiro. E no dia 09 seguinte, o jornal O Globo apresentou em sua página 3 a reportagem de Tatiana Farah Concentração de terra cresce no país.

Se olharmos o índice de Gini para a concentração da terra no Brasil, não há grandes alterações nos últimos 50 anos. Não custa recordar que o medo de uma reforma agrária radical fez parte do caldo de cultura que levou ao golpe que derrubou o presidente João Goulart também há 50 anos.

A discussão sobre a função social da propriedade, por outro lado, só retrocedeu nos últimos 30 anos. Se antes da Constituição de 1988 era possível a desapropriação do latifúndio por extensão, após sua promulgação, com o artigo 185, a propriedade produtiva passou a ser insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária.

Temos como contraponto o artigo 186, no qual é mencionado especificamente que a função social da propriedade é cumprida por meio de: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e da exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Entretanto, a contradição com o artigo 185 faz com que praticamente apenas as propriedades improdutivas sejam destinadas à reforma agrária. Fica desta forma travado o debate sobre desapropriações de terras que não cumpram sua função social sob os aspectos ambientais, trabalhistas e de bem-estar.

Mesmo com a recente aprovação da emenda constitucional que determina a expropriação de terras flagradas com trabalho escravo, o Congresso Nacional hegemonizado pela bancada ruralista ainda não permite que o tema avance, pois precisa ainda definir em lei específica o que seria trabalho escravo. Ou seja, a degradação ambiental, os recorrentes débitos trabalhistas ou condições de trabalho em completo desacordo com o bem-estar do trabalhador não ensejam a desapropriação-sanção.

E mesmo a questão da produtividade parece engessada no tempo. Os representantes do agronegócio arrotam sua eficiência, colocam-se na condição de propulsores do desenvolvimento brasileiro. Entretanto, com todo o progresso técnico ocorrido nos últimos 40 anos, os ruralistas não aceitam a revisão dos índices de produtividade baseados no censo agropecuário de 1975.

Outro ponto que sequer entra no debate das desapropriações, apesar de relacionado tanto com a questão ambiental quanto com o bem-estar dos trabalhadores, é o debate do uso de agrotóxicos. O Brasil hoje é o maior consumidor de produtos agrotóxicos do mundo, provocando danos à saúde (dos trabalhadores e dos consumidores) e ao meio ambiente.

Há ainda as enormes dívidas do agronegócio com o governo federal (para não citar os eventuais débitos com governos estaduais) e com os bancos públicos que, em vez de serem cobradas, inclusive com a adjudicação dos imóveis rurais, são eternamente renegociadas.

O que está por trás desta questão é a defesa ferrenha que determinados setores fazem do direito de propriedade. Ora, o direito de propriedade não é absoluto e, como nos lembrou o ministro Patrus Ananias em seu discurso de posse, deve ser adequado aos demais direitos fundamentais.

Em realidade, o tema da reforma agrária causa grande aversão porque com ele se inicia a reforma política. Num país em que cerca de 15% da população é rural, a agricultura familiar ocupa 24,3% da área agricultável, produz 70% dos alimentos consumidos e emprega 74,4% dos trabalhadores rurais, é a bancada ruralista que em 2015 deverá ter 257 deputados federais alcançando a maioria na Câmara dos Deputados.

Somente uma reforma agrária radical pode promover a ruptura com o poderio das velhas oligarquias.

No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels colocaram:

Ficais horrorizados por querermos abolir a propriedade privada. Mas na vossa sociedade atual a propriedade privada está abolida para nove décimos dos seus membros. É precisamente porque não existe para esses nove décimos que ele existe para vós. Reprovai-nos, pois, o querer abolir uma forma de propriedade que só pode existir na condição da imensa maioria da sociedade ser privada de qualquer propriedade.

Numa palavra, acusais-nos de querer abolir a vossa propriedade. Na verdade, é isso que queremos.

Não estamos sendo tão radicais: quando defendemos a reforma agrária, buscamos apenas a universalização do direito de propriedade no campo.

*Gustavo Noronha é economista do Incra. Artigo originalmente publicado em Brasil Debate.

situs judi bola AgenCuan merupakan slot luar negeri yang sudah memiliki beberapa member aktif yang selalu bermain slot online 24 jam, hanya daftar slot gacor bisa dapatkan semua jenis taruhan online uang asli. idn poker slot pro thailand

Seu carrinho está vazio.

mersin eskort
×